sexta-feira, 19 de outubro de 2018

POEMA: PARAFUSO DE CABO DE SERROTE - JESSIER QUIRINO - COM QUESTÕES GABARITADAS

POEMA: Parafuso de cabo de serrote

                                     Jessier Quirino

Tem uma placa de Fanta encardida
A bodega da rua enladeirada
Meia dúzia de portas arqueadas
E uma grande ingazeira na esquina
A ladeira pra frente se declina
E a calçada vai reta nivelada
Forma palmos de altura de calçada
Que nos dias de feira o bodegueiro
Faz comércio rasteiro e barateiro
Num assoalho de lona amarelada.

Se espalha uma colcha de mangalho:
É cabestro, é cangalha e é peixeira
Urupema, pilão, desnatadeira
Candeeiro, cabaço e armador
Enxadeco, fueiro, e amolador
Alpercata, chicote e landuá
Arataca, bisaco e alguidar
Pé de cabra, chocalho e dobradiça
Se olhar duma vez dá uma doidiça
Que é capaz do matuto se endoidar.

É bodega pequena cor de gis
Sortimento surtindo grande efeito
Meia dúzia de frascos de confeito
Carrossel de açúcar dos guris
Querosene se encontra nos barris
Onde a gata amamenta a gataiada
Sacaria de boca arregaçada
Gargarejo de milhos e farelos
Dois ou três tamboretes em flagelo
Pro conforto de toda freguesada.

No balcão de madeira descascada
Duas torres de vidro são vitrines
A de cá mais parece um magazine
Com perfume e cartelas de Gillete
Brilhantina safada, canivete
Sabonete, batom... tudo entrempado
Filizolla balança bem ao lado
Seus dois pratos com pesos reluzentes
Dá justeza de peso a toda gente
Convencendo o freguês desconfiado.

A Segunda vitrine é de pão doce
É tareco, siquilho e cocorote
Broa, solda, bolacha de pacote
Bolo fofo e jaú esfarofado
Um porrete serrado e lapidado
Faz o peso prum março de papel
Se embrulha de tudo a granel
E por dentro se encontra uma gaveta
Donde desembainha-se a caderneta
Do freguês pagador e mais fiel.

Prateleiras são tábuas enjanbradas
Com um caibro servindo de escora
Tem também não sei qual Nossa Senhora
Com um jarrinho de louça bem do lado
Um trapézio de flandres areados
Um jirau com manteiga de latão
Encostado ao lado do balcão
Um caneiro embicando uma lapada
Passa as costas da mão pelas beiçadas
Se apruma e sai dando trupicão.

Tem cabides de copos pendurados
E um curral de cachaça e de conhaque
Logo ao lado se vê carne de charque
Tira gosto dos goles caneados
Pelotões de garrafas bem fardados
Nas paredes e dentro dos caixotes
Uma rodilha de fumo dando um bote
E um trinchete enfiado num sabão
E o bodegueiro despacha ao artesão
Um parafuso de cabo de serrote.
                                                  Composição: Jessier Quirino
Entendendo a canção:
01 – De que fala o poeta?
      Ele fala sobre a vida no interior, focalizando, em especial, como é e o que encontrar em uma bodega, ou armazém.
02 – Na narrativa o poeta nos levará a conhecer, ou resgatar da memória, o quê?
      O palavrório e muitos objetos comumente encontrados nas cidades nordestinas.
03 – Vamos conhecer o significado de diversas palavras do poema. Pesquise no dicionário:
·        Mangalho = conjunto de produtos de fabricação caseira ou saídos de pequenas lavouras, que são vendidos em feiras e mercados no interior.
·        Cabresto = arreio para prender animais de montaria ou controlar sua marcha.
·        Cangalha = armação que sustenta a carga no lombo de animais.
·        Urupema = espécie de peneira de palha em que se passa, por exemplo a farinha de mandioca.
·        Candeeiro = utensílio para iluminação provido de líquido combustível e mecha.
·        Alpercata = sandália com tiras de couro ou pano.
·        Arataca = armadilha para caçar animais silvestres, arapuca.
·        Chicote = instrumento resistente e flexível feito de longas tiras de couro ou de cordões.
·        Alguidar = vaso cuja borda é muito mais larga que o seu fundo.

04 – Segundo o poeta o que seria: “Carrossel de açúcar”?
      Baleiro.

05 – Em que versos o poeta cita a forma de pagamento adotado na bodega ou armazém?
     “E por dentro se encontra uma gaveta
      Donde desembainha-se a caderneta
      Do freguês pagador e mais fiel.”

06 – Nos versos: “Tem também não sei qual Nossa Senhora / Com um jarrinho de louça bem ao lado”. Com essa descrição o poeta quer mostrar o quê?
      A fé do comerciante, exposta na bodega.


     

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