Prosa: O
sertanejo
O moço sertanejo bateu o isqueiro e
acendeu fogo num toro carcomido, que lhe serviu de braseiro para aquentar o
ferro; e enquanto esperava, dirigiu-se ao boi nestes termos e com um modo
afável:
– Fique descansado, camarada, que não o
envergonharei levando-o à ponta de laço para mostrá-lo a toda aquela gente!
Não; ninguém há de rir-se de sua desgraça. Você é um boi valente e destemido;
vou dar-lhe a liberdade. Quero que viva muitos anos, senhor de si, zombando de
todos os vaqueiros do mundo, para um dia, quando morrer de velhice, contar que
só temeu a um homem, e esse foi Arnaldo Louredo.
O sertanejo parou para observar o boi,
como se esperasse mostra de o ter ele entendido, e continuou:
– Mas o ferro da sua senhora, que
também é a minha, tenha paciência, meu Dourado, esse há de levar; que é o sinal
de o ter rendido o meu braço. Ser dela, não é ser escravo; mas servir a Deus,
que a fez um anjo. Eu também trago o seu ferro aqui, no meu peito. Olhe, meu
Dourado.
O mancebo abriu a camisa, e mostrou ao
boi o emblema que ele havia picado na pele, sobre o seio esquerdo, por meio do
processo bem conhecido da inoculação de uma matéria colorante na epiderme. O
debuxo de Arnaldo fora estresido com o suco do coipuna, que dá uma bela tinta
escarlate, com que os índios outrora e atualmente os sertanejos tingem suas
redes de algodão.
Depois de ter assim falado ao animal,
como a um homem que o entendesse, o sertanejo tomou o cabo de ferro, que já
estava em brasa, e marcou o Dourado sobre a pá esquerda.
– Agora, camarada, pertence a D. Flor,
e portanto quem o ofender tem de haver-se comigo, Arnaldo Louredo. Tem
entendido? ... Pode voltar aos seus pastos; quando eu quiser, sei onde achá-lo.
Já lhe conheço o rasto.
O Dourado dirigiu-se com o passo moroso
para o mato; chegado à beira, voltou a cabeça para olhar o sertanejo, soltou um
mugido saudoso e desapareceu. Arnaldo acreditou que o boi tinha-lhe dito um
afetuoso adeus.
E o narrador deste conto sertanejo não
se anima a afirmar que ele se iludisse em sua ingênua superstição.
José de Alencar. O
sertanejo. Rio de Janeiro: Livraria Garnier,
[s.d.]. tomo II, p.
79-80. Adaptado.
Entendendo a prosa:
01 – Numa leitura
atenta do trecho apresentado, verifica-se que o último parágrafo contém:
a)
A resposta do boi à atitude do vaqueiro.
b)
A certeza do sertanejo de que o boi realmente
o entendeu.
c)
Um monólogo interior de Arnaldo Louredo.
d)
Um comentário do narrador sobre os
fatos narrados.
e)
Uma reflexão da personagem sobre o que acaba
de vivenciar.
02 – Considere as
seguintes palavras do texto:
I. Moço. II.
Mancebo. III. Sertanejo. IV. Valente.
As palavras utilizadas pelo narrador
para referir-se a Arnaldo Louredo estão contidas apenas em:
a) I e II.
b) II e III.
c) III e IV.
d) I, II e III.
e) II, III e IV.
03 – Ser dela, não é
ser escravo; mas servir a Deus, que a fez um anjo.
Com esta visão que o sertanejo tem de sua
senhora, fica perfeitamente caracterizado no relato um dos traços fundamentais
da literatura do Romantismo:
a) Idealização.
b) Animização.
c) Escapismo.
d) Condoreirismo.
e) Mal do Século.
04 – O emprego da
palavra camarada pelo vaqueiro, com relação ao boi, caracteriza:
I. Uma expressão de fadiga.
II. Uma atitude amistosa para com o boi.
III. O tratamento do animal como um companheiro.
IV. O desprezo pelo boi como um inimigo.
É correto o que se afirma apenas em:
a) I e II.
b) II e III.
c) III e IV.
d) I, II e III.
e) II, III e
IV.
05 – Tomando por base
que estresido é particípio do verbo estresir, que significa no texto a passagem
da marca da senhora para o peito do vaqueiro por meio de papel, tinta e um
instrumento furador, complete a lacuna da seguinte frase com a forma adequada
do pretérito perfeito do indicativo do verbo estresir:
A bordadeira _________ o desenho sobre o pano.
a) Estresou
b) Estreseu
c) Estrisiu
d) Estresinhou
e) Estresiu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário