quarta-feira, 24 de outubro de 2018

CONTO: ALEXANDRE E A COBRA - GRACILIANO RAMOS - COM QUESTÕES GABARITADAS

Conto: ALEXANDRE E A COBRA
             GRACILIANO RAMOS

        De repente, quando mal me precatava, senti uma pancada no pé direito. Puxei a rédea, parei, ouvi um barulho de guiso, virei-me para saber de que se tratava e avistei uma cascavel assanhada, enorme, com dois metros de comprimento.
        -- Dois metros, seu Alexandre? inquiriu o cego preto Firmino. – Talvez seja muito.
        -- Espere, seu Firmino – bradou Alexandre zangado. – Quem viu a cobra foi o senhor ou fui eu?
        -- Foi o senhor – confessou o negro.
        -- Então escute. O senhor, que não vê, quer enxergar mais que os outros que têm vista. Assim é difícil a gente se entender, seu Firmino. Ouça calado, pelo amor de Deus. Se achar falha na história, fale depois e me xingue de potoqueiro.
        -- Perdoe – rosnou o cego. – É que eu gosto de saber as coisas por miúdo.
        -- Saberá, seu Firmino, – berrou Alexandre. – Quem disse que o senhor não saberá? Saberá. Mas não me interrompa, com os diabos. Ora muito bem. A cascavel mexia-se com raiva chocalhando e preparando-se para armar novo bote. Tinha dado o primeiro, de que falei, uma pancada aqui no pé direito. “-- Os dentes não me alcançaram porque estou bem calçado”, foi o que presumi. Saltei no chão e levantei o chicote, pois ali perto não havia pedra nem pau. A miserável enrolava-se, os olhos redondos pregados em mim, e a língua fora da boca. Zás! Desmanchei-lhe a rodilha com uma chicotada. Tentou endireitar-se, estraguei-lhe os planos com o chicote e fui batendo, batendo, até que, desanimada, ela meteu o rabo entre as pernas e botou-se devagarinho para um monte de garranchos de coivara.
        -- Como é isso, seu Alexandre? – perguntou o cego. – A cascavel meteu o rabo entre as pernas? Cascavel não tem pernas.
        -- Está claro que não tem – respondeu Alexandre. – Quando a gente diz que uma criatura mete o rabo entre as pernas, quer dizer que ela se encolhe, capionga, percebe? Foi o que se deu. Não é preciso um bicho ter pernas para meter o rabo entre as pernas. Seu Firmino é pessoa de entendimento curto e não compreende isso. A cascavel, que não tinha pernas, meteu o rabo entre as pernas e esgueirou-se para os garranchos e folhas secas que havia junto da estrada. Corri atrás dela e obriguei-a a voltar. Amiudei os golpes, a desgraçada bambeou e nem pediu fogo para o cachimbo. Machuquei-lhe a cabeça com o salto da bota. Estrebuchou, fez o que pôde para arrumar-se em novelo, depois se aquietou e ficou estirada na poeira. Baixei-me e medi o corpo mole: nove palmos e meio espichados. Isto é com o senhor, seu Firmino. Nove palmos e meio, entendeu? Mais de dois metros, penso eu.

Ramos, Graciliano. “O estribo de prata”. 18ª. ed. São Paulo. Ed. Record, 1979

Entendendo o conto:
01 – Estabeleça relação entre as colunas.
a- precatar                (b) mentiroso, loroteiro
b- potoqueiro            (e) agitar-se com violência, debater-se
c- rodilha                  (a) prevenir, precaver, acautelar
d- coivara                 (c) em forma de rolo, enrodilhado
e- estrebuchar          (d) pilha de ramagens que se queima, no
                                      campo, para limpar o terreno
f- inquiriu                   (h) vacilou
g- capionga               (f) perguntou
h- bambeou               (g) tristonha.

02 – “A cascavel mexia-se com raiva ... para armar um novo bote”. “Bote” tem aí o sentido de:
( ) pôr, colocar,
( ) embarcação pequena,
( ) salto do animal sobre a presa,
(X) ataque, investida.

03 – “A cascavel meteu o rabo entre as pernas?”, que explicação Alexandre deu a seu Firmino sobre a expressão “meteu o rabo entre as pernas”?
      “Quando a gente diz que uma criatura mete o rabo entre as pernas, quer dizer que ela se encolhe, capionga, percebe? Foi o que se deu.”

04 – Explique a expressão: “Seu Firmino é pessoa de entendimento curto e não compreende isto.”
      É uma pessoa que tem pouco estudo ou instrução.

05 – De acordo com o texto atribua as características, usando A para Alexandre e F para Firmino:
(A) mentiroso
(F) cego
(F) minucioso
(A) exagerado.

06 – O cego Firmino colocava em dúvida as histórias contadas por Alexandre. Retire do texto a passagem que comprova isto
1ª) “Dois metros, seu Alexandre.”
2ª) “Como é isso, seu Alexandre?”.

07 – “Saltei no chão e puxei o chicote”. Onde se encontrava Alexandre para ter saltado no chão? Retire do texto a passagem que comprova a sua resposta.
      De acordo com o texto, ele estava em cima do cavalo. “Puxei a rédea, parei, ouvi...”.

08 – Qual era a reação de Alexandre quando desconfiavam de suas histórias?
      Ele ficava zangado.

09 – “O senhor, que não vê, quer enxergar mais que os que têm vista?”. Para Alexandre, o cego queria:
( ) ser muito inteligente;
(X) conhecer bem o assunto;
( ) saber mais do que os outros
( ) adivinhar o futuro?

10 – De acordo com a descrição de Alexandre, como era a cascavel que ele encontrou?
      “Era uma cascavel assanhada, enorme, com dois metros de comprimento.”

11 – Algumas frases do texto estão colocadas abaixo, fora de ordem. Numere-as tendo em vista a sequência de acordo com o texto.
(3) “Se achar falha na história, fale depois e me xingue de potoqueiro.”
(1) “... avistei uma cascavel assanhada, enorme, com dois metros de comprimento.”
(5) “Amiudei os golpes, a desgraçada bambeou e nem pediu fogo para o cachimbo.”
(4) “Saltei no chão e levantei o chicote, pois ali perto não havia pedra nem pau.”
(2) “-- Dois metros, seu Alexandre?”

12 – De acordo com o texto a quem se referem as palavras abaixo destacadas?
a-“... e preparando-se para armar novo bote.”
b- “... os olhos redondos pregados em mim...”
c- “... estraguei-lhe os planos com o chicote ...”
d- “... e obriguei-a a voltar.”
e- “Baixei-me e medi o corpo...”
      As frases refere-se a cascavel.

13 – No texto foi utilizado o discurso direto. Retire um trecho que confirme essa afirmação.
      -- Espere, seu Firmino.
      -- Foi o senhor.

14 – Que tipo de narrador o texto apresenta? Comprove sua resposta.
      Narrador-personagem. Está no 1° parágrafo.


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