Conto: ALEXANDRE
E A COBRA
GRACILIANO RAMOS
De repente, quando mal me precatava, senti uma pancada no pé direito. Puxei a rédea, parei, ouvi um barulho de guiso, virei-me para saber de que se tratava e avistei uma cascavel assanhada, enorme, com dois metros de comprimento.
-- Dois metros, seu Alexandre? inquiriu
o cego preto Firmino. – Talvez seja muito.
-- Espere, seu Firmino – bradou
Alexandre zangado. – Quem viu a cobra foi o senhor ou fui eu?
-- Foi o
senhor – confessou o negro.
-- Então escute. O senhor, que não vê,
quer enxergar mais que os outros que têm vista. Assim é difícil a gente se
entender, seu Firmino. Ouça calado, pelo amor de Deus. Se achar falha na
história, fale depois e me xingue de potoqueiro.
-- Perdoe – rosnou o cego. – É que eu
gosto de saber as coisas por miúdo.
-- Saberá, seu Firmino, – berrou
Alexandre. – Quem disse que o senhor não saberá? Saberá. Mas não me interrompa,
com os diabos. Ora muito bem. A cascavel mexia-se com raiva chocalhando e preparando-se
para armar novo bote. Tinha dado o primeiro, de que falei, uma pancada aqui no
pé direito. “-- Os dentes não me alcançaram porque estou bem calçado”, foi o
que presumi. Saltei no chão e levantei o chicote, pois ali perto não havia
pedra nem pau. A miserável enrolava-se, os olhos redondos pregados em mim, e a
língua fora da boca. Zás! Desmanchei-lhe a rodilha com uma chicotada. Tentou
endireitar-se, estraguei-lhe os planos com o chicote e fui batendo, batendo,
até que, desanimada, ela meteu o rabo entre as pernas e botou-se devagarinho
para um monte de garranchos de coivara.
-- Como é isso, seu Alexandre? –
perguntou o cego. – A cascavel meteu o rabo entre as pernas? Cascavel não tem
pernas.
-- Está claro que não tem – respondeu Alexandre.
– Quando a gente diz que uma criatura mete o rabo entre as pernas, quer dizer
que ela se encolhe, capionga, percebe? Foi o que se deu. Não é preciso um bicho
ter pernas para meter o rabo entre as pernas. Seu Firmino é pessoa de
entendimento curto e não compreende isso. A cascavel, que não tinha pernas,
meteu o rabo entre as pernas e esgueirou-se para os garranchos e folhas secas
que havia junto da estrada. Corri atrás dela e obriguei-a a voltar. Amiudei os
golpes, a desgraçada bambeou e nem pediu fogo para o cachimbo. Machuquei-lhe a
cabeça com o salto da bota. Estrebuchou, fez o que pôde para arrumar-se em
novelo, depois se aquietou e ficou estirada na poeira. Baixei-me e medi o corpo
mole: nove palmos e meio espichados. Isto é com o senhor, seu Firmino. Nove
palmos e meio, entendeu? Mais de dois metros, penso eu.
Ramos, Graciliano. “O
estribo de prata”. 18ª. ed. São Paulo. Ed. Record, 1979
Entendendo o conto:
01 – Estabeleça relação entre as colunas.
a- precatar (b) mentiroso, loroteiro
b- potoqueiro (e) agitar-se com violência,
debater-se
c- rodilha (a) prevenir, precaver, acautelar
d- coivara (c) em forma de rolo, enrodilhado
e- estrebuchar (d) pilha de ramagens que se queima, no
campo,
para limpar o terreno
f- inquiriu (h) vacilou
g- capionga (f) perguntou
h- bambeou (g) tristonha.
02 – “A cascavel mexia-se com raiva ... para armar um
novo bote”. “Bote” tem aí o sentido de:
( ) pôr, colocar,
( ) embarcação pequena,
( ) salto do animal sobre a presa,
(X) ataque, investida.
03 – “A cascavel meteu o
rabo entre as pernas?”, que explicação Alexandre deu a seu Firmino sobre a
expressão “meteu o rabo entre as pernas”?
“Quando a gente
diz que uma criatura mete o rabo entre as pernas, quer dizer que ela se
encolhe, capionga, percebe? Foi o que se deu.”
04 – Explique a expressão:
“Seu Firmino é pessoa de entendimento curto e não compreende isto.”
É uma pessoa que tem pouco estudo ou instrução.
05 – De acordo com o texto
atribua as características, usando A
para Alexandre e F para Firmino:
(A) mentiroso
(F) cego
(F) minucioso
(A) exagerado.
06 – O cego Firmino colocava
em dúvida as histórias contadas por Alexandre. Retire do texto a passagem que
comprova isto
1ª) “Dois metros, seu Alexandre.”
2ª) “Como é isso, seu
Alexandre?”.
07 – “Saltei no chão e puxei
o chicote”. Onde se encontrava Alexandre para ter saltado no chão? Retire do
texto a passagem que comprova a sua resposta.
De acordo com o texto, ele estava em cima
do cavalo. “Puxei a rédea, parei, ouvi...”.
08 – Qual era a reação de
Alexandre quando desconfiavam de suas histórias?
Ele ficava
zangado.
09 – “O senhor, que não vê, quer
enxergar mais que os que têm vista?”. Para Alexandre, o cego queria:
( ) ser muito inteligente;
(X) conhecer bem o assunto;
( ) saber mais do que os outros
( ) adivinhar o futuro?
10 – De acordo com a
descrição de Alexandre, como era a cascavel que ele encontrou?
“Era uma cascavel assanhada, enorme, com
dois metros de comprimento.”
11 – Algumas frases do texto
estão colocadas abaixo, fora de ordem. Numere-as tendo em vista a sequência de
acordo com o texto.
(3) “Se achar falha na história, fale
depois e me xingue de potoqueiro.”
(1) “... avistei uma cascavel
assanhada, enorme, com dois metros de comprimento.”
(5) “Amiudei os golpes, a desgraçada
bambeou e nem pediu fogo para o cachimbo.”
(4) “Saltei no chão e levantei o
chicote, pois ali perto não havia pedra nem pau.”
(2) “-- Dois metros, seu Alexandre?”
12 – De acordo com o texto a
quem se referem as palavras abaixo destacadas?
a-“... e preparando-se para armar novo bote.”
b- “... os olhos redondos pregados em mim...”
c- “... estraguei-lhe os planos com o chicote ...”
d- “... e obriguei-a a voltar.”
e- “Baixei-me e medi o corpo...”
As frases
refere-se a cascavel.
13 – No texto foi utilizado
o discurso direto. Retire um trecho que confirme essa afirmação.
-- Espere, seu
Firmino.
-- Foi o senhor.
14 – Que tipo de narrador o
texto apresenta? Comprove sua resposta.
Narrador-personagem. Está no 1°
parágrafo.
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