CRÔNICA: O leão
Dalton
Trevisan
A menina conduz-me diante do leão,
esquecido por um circo de passagem. Não está preso, velho e doente, em gradil
de ferro. Fui solto no gramado e a tela fina de arame é escarmento ao rei
dos animais. Não mais que um caco de leão: as pernas reumáticas, a juba
emaranhada e sem brilho. Os olhos globulosos fecham-se cansados, sobre o
focinho contei nove ou dez moscas, que ele não tinha ânimo de espantar.
Das grandes narinas escorriam gotas e pensei, por um momento,
que fossem lágrimas.
Observei em volta: somos todos adultos,
sem contar a menina. Apenas para nós o leão conserva o seu antigo
prestígio – as crianças estão em redor dos macaquinhos. Um dos presentes
explica que o leão tem as pernas entrevadas, a vida inteira na minúscula
jaula. Derreado, não pode sustentar-se em pé. Chega-se um piá e,
desafiando com olhar selvagem o leão, atira-lhe um punhado de cascas
de amendoim. O rei sopra pelas narinas, ainda é um leão: faz estremecer as
gramas a seus pés. Um de nós protesta que deviam servir-lhe a carne em
pedacinhos.
-- Ele não tem dente?
-- Tem sim, não vê? Não tem é força
para morder.
Continua o moleque a jogar amendoim na
cara devastada do leão. Ele nos olha e um brilho de compreensão nos faz baixar
a cabeça: é conhecida a amarga derrota. Está velho, artrítico,
não se aguenta das pernas, mas é um leão. De repente, sacudindo a juba, põe-se
a mastigar capim. Ora, leão come verde! Lança-lhe o guri uma pedra: acertou no olho
lacrimoso e doeu. O leão abriu a bocarra de dentes amarelos, não era
um bocejo.
Entre caretas de dor, elevou-se aos
poucos nas pernas tortas. Sem sair do lugar, ficou de pé.
Escancarou penosamente os beiços moles e negros, ouviu-se a rouca buzina
do “Ford antigo.” Por um instante o rugido manteve suspensos os
macaquinhos e fez bater mais depressa o coração da menina. O leão soltou
seis ou sete urros. Exausto, deixou-se cair de lado e fechou os olhos para
sempre.
Dalton
Trevisan
Entendendo o texto:
01 – ITA:
I. Embora não seja um
texto predominantemente descritivo, ocorre descrição, visto que o
autor representa a personagem principal através de aspectos que a individualizam.
II. Por ressaltar
unicamente as condições físicas da personagem, predomina a descrição
objetiva no texto, com linguagem denotativa.
III. Por ser um texto
predominantemente narrativo, as demais formas - descrição e dissertação
-inexistem.
Inferimos que, de acordo com
o texto, pode(m) estar correta(s):
a) Todas
b) Apenas a I
c) Apenas a II
d) Apenas a III
e) Nenhuma das afirmações.
02 – ITA.
I. Fato principal: a
morte do leão. Causas principais: o circo, que o abandonou, e a criança, que o
acertou com uma pedra.
II. A decadência física
do leão, assunto predominante do texto, denota animalização do ser humano.
III. A velhice do leão,
assunto predominante do texto, conota marginalização, maus tratos
e decadência física dos animais.
Inferimos que, de acordo com
o texto, pode(m) estar correta(s):
a) Todas
b) Apenas a I
c) Apenas a II
d) Apenas a III
e) Nenhuma das
afirmações.
03 – (ITA)
I. Conotativamente, o
leão chora; denotativamente, o menino agride.
II. A decadência do
leão é tanta, que nada faz lembrar a sua antiga reputação. Nem mesmo os adultos
o reconhecem mais.
III. Metaforicamente, o
leão, que não mais produz e não mais trabalha, pode representar
a marginalização, abandono e agressão a que são submetidos os idosos.
Inferimos que, de acordo com
o texto, pode(m) estar correta(s):
a) Todas
b) Apenas a I
c) Apenas a II
d) Apenas a III
e) Nenhuma das afirmações.
04 –
(ITA)
I. Evidencia-se explicitamente
no texto uma comparação: a decadência do leão é similar à do ser humano em geral.
II. Incapaz de reagir
fisicamente às provocações, o leão, sentindo-se inconformado, morre.
III. O fato de o leão
"não estar preso em gradil de ferro constitui, por parte de seus antigos
donos, uma prova de gratidão.
Inferimos que, de acordo com
o texto, pode(m) estar correta(s):
a) Todas
b) Apenas a I
c) Apenas a II
d) Apenas a III
e) Nenhuma das
afirmações.
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