O difícil, mas possível, diálogo entre
a arte e a ciência
Daniel Martins de Barros
Estabelecer pontes entre a ciência e a
arte não é tarefa fácil. Se a revolução científica, com sua valorização da
metodologia experimental e sua necessidade de rigor, trouxe avanços inegáveis
para a humanidade, por outro lado também tornou o trabalho científico distante
do homem comum. Com isso, distanciou-o também da arte, que talhada para captar
a essência humana, o faz de maneira basicamente intuitiva. Tentativas de
reaproximação até existem, mas a inconstância e variabilidade no seu sucesso
atestam a dificuldade da empreitada. Um dos diálogos mais interessantes entre
ciência e arte se deu nas primeiras décadas do século 20, na relação entre o
surrealismo e a psicanálise.
Os sonhos eram considerados proféticos
e reveladores, até que, em 1899, Sigmund Freud apresentou uma das primeiras
tentativas de interpretá-los cientificamente no livro A Interpretação
dos Sonhos. Simplificando bastante, sonhos seriam um momento em que
conteúdos inconscientes surgiriam para nós, ainda que disfarçados, e caberia à
psicanálise desmascarar seu real significado.
O movimento artístico do surrealismo
imediatamente se apropriou dessas teorias. Os surrealistas já nutriam um
interesse especial pelo
inconsciente, tentando retratar esses conteúdos em suas obras, mas após a tradução do livro de Freud para o espanhol, o pintor catalão Salvador Dalí tornou-se um dos maiores entusiastas da obra freudiana. Segundo ele mesmo, o objetivo de sua pintura era materializar as imagens de sua “irracionalidade concreta”.
inconsciente, tentando retratar esses conteúdos em suas obras, mas após a tradução do livro de Freud para o espanhol, o pintor catalão Salvador Dalí tornou-se um dos maiores entusiastas da obra freudiana. Segundo ele mesmo, o objetivo de sua pintura era materializar as imagens de sua “irracionalidade concreta”.
Desde que se tornou fã declarado do
médico austríaco, Dalí tentou se encontrar com ele. Tanto insistiu que
conseguiu, quando Freud já estava idoso e bastante doente. A reunião não foi
das mais frutíferas, já que os dois eram incapazes de conversar: Dalí não
falava alemão nem inglês, e Freud, além do câncer de mandíbula, não estava
ouvindo bem. A interação ficou limitada: Freud analisou um quadro recente de
Dalí, enquanto esse passava o tempo desenhando o psicanalista e o observava a
conversar com o amigo e escritor Stephan Zweig.
O resultado tímido do encontro poderia
bem ser emblemático da complicada engenharia que é construir pontes entre tão
distantes universos. As conversas nem sempre são frutíferas, as trocas muitas
vezes são frustrantes. Mas a retomada desse episódio na peça Histeria, do
dramaturgo Terry Johnson, mostra que não desistimos, e que novas maneiras podem
ser tentadas. Usando a liberdade que só se encontra na arte, Johnson expande o
diálogo que não aconteceu, mostrando – ainda que numa realidade alternativa e
em chave cômica – que os caminhos que ligam arte e ciência podem ser
acidentados, mas não deixam de ser possíveis. Embora a psicanálise não seja
mais considerada científica pelos critérios atuais e o surrealismo já não
exista como movimento organizado, o encontro dessas duas formas de saber, no
alvorecer do século 20, persiste como emblema de um diálogo que, mesmo que
cheio de ruídos, não pode ser abandonado.
Adaptado de:
http://m.cultura.estadao.com.br/noticias/teatro-e-danca,
analise-o-dificil–mas-possivel–dialogo-entre-a-arte-e-a-ciencia,10000048930
Acesso em 17 de maio de 2016.
Em relação ao texto “O difícil, mas possível, diálogo entre a arte e a ciência”, assinale a alternativa correta.
a) Em um
contexto pós-revolução científica, é por meio dos trabalhos de Sigmund Freud e
Salvador Dalí, os quais representam respectivamente o movimento artístico do
surrealismo e o pensamento científico da psicanálise, que se estabeleceu um
diálogo entre a arte e a ciência.
b) A apropriação que o surrealista
Salvador Dalí fez da interpretação científica dos sonhos, proposta pela
psicanálise de Sigmund Freud, é um representante do difícil, mas possível,
diálogo entre a arte e a ciência, do qual trata o texto.
c) O interessante diálogo entre
ciência e arte, sobre o qual trata o texto, faz referência, especificamente, ao
evento em que o psicanalista Sigmund Freud recebeu a visita de Salvador Dalí,
quando, apesar das dificuldades comunicativas, puderam dialogar os
representantes da ciência e da arte daquele momento.
d) Por meio da revolução
científica, apesar de terem trazido inegáveis avanços para a humanidade,
ciência e arte se distanciaram à medida que o trabalho científico se distanciou
do homem comum, já que a arte é produzida de modo intuitivo por esse homem
comum.
e) Um dos diálogos entre a
ciência e a arte se estabeleceu na psicanálise, por meio da metodologia
psicanalítica de interpretação dos sonhos proposta por Sigmund Freud a partir
da publicação do livro Interpretação dos Sonhos.
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