Texto: MEDITAÇÃO XVII
Jonh Donne
[...] A Igreja é católica, universal, e
assim são os seus atos; tudo o que faz pertence a todos. Quando ela batiza uma
criança, tal ato me diz respeito; pois aquela criança, dessa forma, se une
àquele corpo que igualmente é minha cabeça, e se enxerta naquele corpo do qual
sou membro. E quando ela enterra um homem, tal ato me diz respeito: a
humanidade toda é de um só autor, e constitui um só volume; quando um homem
morre, não é um capítulo que se arranca do livro, mas é apenas um que se
traduziu para idioma melhor; e todos os capítulos devem ser traduzidos. Deus
emprega diversos tradutores; alguns trechos são traduzidos pela idade, outros
pela doenças, outros pela guerra, outros pela justiça; mas a mão de Deus está
presente em todas as traduções, e é sua mão que reencadernará todas as nossas
folhas dispersas para aquela biblioteca onde cada livro deverá jazer aberto um
para o outro. Portanto, assim como o sino ao anunciar o sermão não convoca
apenas o pregador, mas a congregação inteira, assim também este sino convoca a
todos nós [...]. Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma; todo homem é um
pedaço do continente, uma parte da terra firme. Se um torrão de terra for
levado pelo mar, a Europa fica menor, como se tivesse perdido um promontório,
ou perdido o solar de um teu amigo, ou o teu próprio. A morte de qualquer homem
diminui a mim, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca
mandes indagar por quem os sinos dobram; eles dobram por ti. [...]
Donne, Jonh. In: Vizioli, Paulo (Intr., sel.,
trad. e notas). Jonh Donne.
O
poeta do amor e da morte. Ed. bilíngue. São Paulo: J. C. Ismael, 1985. p.
103-105.
Interpretação do texto:
01 – No século XVII,
diferentes formas de arte exploram temas ligados à religião. O texto a seguir
foi retirado de uma das meditações escritas por Jonh Donne, um bispo da Igreja
Anglicana da Inglaterra.
Jonh Donne inicia sua
meditação explicitando a tese que irá defender ao longo do texto. Que tese é
essa?
A tese de que, na perspectiva cristã, há
uma irmandade entre os seres humanos. Portanto, aquilo que afeta uma pessoa
afeta todas as demais.
02 – Podemos afirmar que a
ideia básica por trás dessa tese é antecipada pela epígrafe: “Este sino, ora a
dobrar por outro lentamente, me diz: ‘Irás morrer’”. Por quê?
Para entender o sentido geral da epígrafe
é preciso saber que, no ritual fúnebre da Igreja Católica, os sinos dobram pela
pessoa que morreu. A epígrafe afirma que uma pessoa, ao ouvir o sino tocar pela
morte de outra, deve entender tal ação como um anúncio da sua própria
mortalidade. Sendo assim, a epígrafe também afirma o princípio geral da
universalidade dos atos da Igreja.
03 – Duas imagens são
utilizadas, por Jonh Donne, como uma “ilustração” metafórica da tese que
defende. Quais são elas?
A primeira imagem é a do corpo e seus
membros. A Igreja Católica seria um corpo formado por todos os católicos, seus “membros”.
Em seguida, aparece a imagem da humanidade como um livro, escrito por um só
autor. Essas duas metáforas mantêm o princípio da unidade de todos os fiéis,
que é a expressão da tese principal.
a)
Explique por que, na perspectiva cristã, tradução é uma boa metáfora para morte.
Como, para os católicos, o momento da
morte é um momento de passagem para a vida eterna, faz sentido representa-lo,
metaforicamente, pela ideia de tradução. A tradução é a transposição de um
texto escrito em sua língua para uma segunda língua. Nesse sentido, a morte
traduz a vida terrena em vida eterna. Segundo o texto, o fato de haver
diferentes tipos de morte poderia ser explicado porque Deus recorre a
diferentes “tradutores” para promover a passagem de um estado humano, finito,
terreno, para outro, celestial, eterno.
04 – Releia:
“Nenhum homem é uma ilha, completa em
si mesma; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. Se um
torrão for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se tivesse perdido um
promontório, ou perdido o solar de um teu amigo, ou o teu próprio.”
a)
Explique a nova metáfora utilizada pelo autor
nessa passagem.
Quando utiliza a metáfora da ilha para afirmar que a morte de um
indivíduo afeta a todos, o autor leva adiante a primeira afirmação feita no
teto. Por trás da universalidade da Igreja, o que Donne pretende afirmar é a
unidade de todos os seus membros a partir da figura central de Deus.
b)
De que modo ela expande a tese central do
texto?
A tese defendida por Donne, nesta meditação, é a da irmandade dos
seres humanos por meio de Deus. A ilha representa o isolamento, a solidão, a
individualidade. Na passagem citada, o autor volta a falar sobre a morte de um
indivíduo, recorrendo à imagem do torrão levado pelo mar, para explicitar que a
perda é muito maior, porque o próprio continente seria afetado.
05 – Podemos identificar uma
organização semelhante no quadro de El Greco e no texto de Jonh Donne no que
diz respeito às ideias católicas. Explique essa semelhança.
No quadro de El
Greco, observamos um movimento que sugere o caminho dos fieis em direção a
Deus. Soberano, Cristo preside o julgamento das almas que deixam a dimensão
terrestre, garantindo-lhes vida eterna. Nesse sentido, ele é o fator de união
de todos aqueles que se encontram sob sua proteção e misericórdia. Isso fica
representado, na tela, pela posição superior e central que Cristo ocupa. Jonh
Donne explora a mesma ideia, por meio de suas metáforas. A tese defendida por
ele é a de que a humanidade constitui um único corpo e, na hora da morte, Deus
se encarrega de “reencadernar” as folhas nos volumes que compõem a sua grande
biblioteca. Mas uma vez, Deus está presente como elemento central em torno do
qual se organizam os seres humanos.
Muito obrigado
ResponderExcluirIsso ajuda muito, obrigada
ResponderExcluir