terça-feira, 28 de novembro de 2017

TEXTO: MEDITAÇÃO XVII - JONH DONNE - COM GABARITO

Texto: MEDITAÇÃO XVII
           Jonh Donne


     [...] A Igreja é católica, universal, e assim são os seus atos; tudo o que faz pertence a todos. Quando ela batiza uma criança, tal ato me diz respeito; pois aquela criança, dessa forma, se une àquele corpo que igualmente é minha cabeça, e se enxerta naquele corpo do qual sou membro. E quando ela enterra um homem, tal ato me diz respeito: a humanidade toda é de um só autor, e constitui um só volume; quando um homem morre, não é um capítulo que se arranca do livro, mas é apenas um que se traduziu para idioma melhor; e todos os capítulos devem ser traduzidos. Deus emprega diversos tradutores; alguns trechos são traduzidos pela idade, outros pela doenças, outros pela guerra, outros pela justiça; mas a mão de Deus está presente em todas as traduções, e é sua mão que reencadernará todas as nossas folhas dispersas para aquela biblioteca onde cada livro deverá jazer aberto um para o outro. Portanto, assim como o sino ao anunciar o sermão não convoca apenas o pregador, mas a congregação inteira, assim também este sino convoca a todos nós [...]. Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. Se um torrão de terra for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se tivesse perdido um promontório, ou perdido o solar de um teu amigo, ou o teu próprio. A morte de qualquer homem diminui a mim, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca mandes indagar por quem os sinos dobram; eles dobram por ti. [...]

  Donne, Jonh. In: Vizioli, Paulo (Intr., sel., trad. e notas). Jonh Donne.
                O poeta do amor e da morte. Ed. bilíngue. São Paulo: J. C. Ismael, 1985. p. 103-105.

Interpretação do texto:

01 – No século XVII, diferentes formas de arte exploram temas ligados à religião. O texto a seguir foi retirado de uma das meditações escritas por Jonh Donne, um bispo da Igreja Anglicana da Inglaterra.
Jonh Donne inicia sua meditação explicitando a tese que irá defender ao longo do texto. Que tese é essa?
      A tese de que, na perspectiva cristã, há uma irmandade entre os seres humanos. Portanto, aquilo que afeta uma pessoa afeta todas as demais.

02 – Podemos afirmar que a ideia básica por trás dessa tese é antecipada pela epígrafe: “Este sino, ora a dobrar por outro lentamente, me diz: ‘Irás morrer’”. Por quê?
      Para entender o sentido geral da epígrafe é preciso saber que, no ritual fúnebre da Igreja Católica, os sinos dobram pela pessoa que morreu. A epígrafe afirma que uma pessoa, ao ouvir o sino tocar pela morte de outra, deve entender tal ação como um anúncio da sua própria mortalidade. Sendo assim, a epígrafe também afirma o princípio geral da universalidade dos atos da Igreja.

03 – Duas imagens são utilizadas, por Jonh Donne, como uma “ilustração” metafórica da tese que defende. Quais são elas?
      A primeira imagem é a do corpo e seus membros. A Igreja Católica seria um corpo formado por todos os católicos, seus “membros”. Em seguida, aparece a imagem da humanidade como um livro, escrito por um só autor. Essas duas metáforas mantêm o princípio da unidade de todos os fiéis, que é a expressão da tese principal.

a)   Explique por que, na perspectiva cristã, tradução é uma boa metáfora para morte.
      Como, para os católicos, o momento da morte é um momento de passagem para a vida eterna, faz sentido representa-lo, metaforicamente, pela ideia de tradução. A tradução é a transposição de um texto escrito em sua língua para uma segunda língua. Nesse sentido, a morte traduz a vida terrena em vida eterna. Segundo o texto, o fato de haver diferentes tipos de morte poderia ser explicado porque Deus recorre a diferentes “tradutores” para promover a passagem de um estado humano, finito, terreno, para outro, celestial, eterno.

04 – Releia:
        “Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. Se um torrão for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se tivesse perdido um promontório, ou perdido o solar de um teu amigo, ou o teu próprio.”
a)   Explique a nova metáfora utilizada pelo autor nessa passagem.
Quando utiliza a metáfora da ilha para afirmar que a morte de um indivíduo afeta a todos, o autor leva adiante a primeira afirmação feita no teto. Por trás da universalidade da Igreja, o que Donne pretende afirmar é a unidade de todos os seus membros a partir da figura central de Deus.

b)   De que modo ela expande a tese central do texto?
A tese defendida por Donne, nesta meditação, é a da irmandade dos seres humanos por meio de Deus. A ilha representa o isolamento, a solidão, a individualidade. Na passagem citada, o autor volta a falar sobre a morte de um indivíduo, recorrendo à imagem do torrão levado pelo mar, para explicitar que a perda é muito maior, porque o próprio continente seria afetado.

05 – Podemos identificar uma organização semelhante no quadro de El Greco e no texto de Jonh Donne no que diz respeito às ideias católicas. Explique essa semelhança.
      No quadro de El Greco, observamos um movimento que sugere o caminho dos fieis em direção a Deus. Soberano, Cristo preside o julgamento das almas que deixam a dimensão terrestre, garantindo-lhes vida eterna. Nesse sentido, ele é o fator de união de todos aqueles que se encontram sob sua proteção e misericórdia. Isso fica representado, na tela, pela posição superior e central que Cristo ocupa. Jonh Donne explora a mesma ideia, por meio de suas metáforas. A tese defendida por ele é a de que a humanidade constitui um único corpo e, na hora da morte, Deus se encarrega de “reencadernar” as folhas nos volumes que compõem a sua grande biblioteca. Mas uma vez, Deus está presente como elemento central em torno do qual se organizam os seres humanos.


2 comentários: