terça-feira, 14 de novembro de 2017

CRÔNICA: DEFENESTRAÇÃO- LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO

CRÔNICA: Defenestração

   Luís Fernando Veríssimo

   Certas palavras têm o significado errado. Falácia, por exemplo, devia ser o nome de alguma coisa vagamente vegetal. As pessoas deveriam criar falácias em todas as suas variedades. A Falácia Amazônica. A misteriosa Falácia Negra.
     Hermeneuta deveria ser o membro de uma seita de andarilhos herméticos. Onde eles chegassem, tudo se complicaria.
        – Os hermeneutas estão chegando!
        – Ih, agora é que ninguém vai entender mais nada…
        Os hermeneutas ocupariam a cidade e paralisariam todas as atividades produtivas com seus enigmas e frases ambíguas. Ao se retirarem deixariam a população prostrada pela confusão. Levaria semanas até que as coisas recuperassem o seu sentido óbvio. Antes disso, tudo pareceria ter um sentido oculto. (…)
        Traquinagem devia ser uma peça mecânica.
        – Vamos ter que trocar a traquinagem. E o vetor está gasto.
        Mas nenhuma palavra me fascinava tanto quanto defenestração. A princípio foi o fascínio da ignorância. Eu não sabia o seu significado, nunca lembrava de procurar no dicionário e imaginava coisas. Defenestrar devia ser um ato exótico praticado por poucas pessoas. Tinha até um certo tom lúbrico.
        Galanteadores de calçada deviam sussurrar no ouvido das mulheres:
        – Defenestras?
     A resposta seria um tapa na cara. Mas algumas… Ah, algumas defenestravam.
        Também podia ser algo contra pragas e insetos. As pessoas talvez mandassem defenestrar a casa. Haveria, assim, defenestradores profissionais. Ou quem sabe seria uma daquelas misteriosas palavras que encerravam os documentos formais? “Nestes termos, pede defenestração…” Era uma palavra cheia de implicações. Devo até tê-la usado uma ou outra vez, como em:
        – Aquele é um defenestrado.
      Dando a entender que era uma pessoa, assim, como dizer? Defenestrada. Mesmo errada, era a palavra exata. Um dia, finalmente, procurei no dicionário. E aí está o Aurelião que não me deixa mentir. “Defenestração” vem do francês “defenestration”. Substantivo feminino. Ato de atirar alguém ou algo pela janela.
Ato de atirar alguém ou algo pela janela! Acabou a minha ignorância, mas não a minha fascinação. Um ato como este só tem nome próprio e lugar nos dicionários por alguma razão muito forte. Afinal, não existe, que eu saiba, nenhuma palavra para o ato de atirar alguém ou algo pela porta, ou escada abaixo. Por que, então, defenestração?
        Talvez fosse um hábito francês que caiu em desuso. Como o rapé. Um vício como o tabagismo ou as drogas, suprimido a tempo. (…)
        Quem entre nós nunca sentiu a compulsão de atirar alguém ou algo pela janela?
        A basculante foi inventada para desencorajar a defenestração. Toda a arquitetura moderna, com suas paredes externas de vidro reforçado e sem aberturas, pode ser uma reação inconsciente a esta volúpia humana, nunca totalmente dominada. Na lua-de-mel, numa suíte matrimonial no 17º andar.
        – Querida…
        – Mmmm?
        – Há uma coisa que preciso lhe dizer…
        – Fala, amor!
        – Sou um defenestrador.
        E a noiva, em sua inocência, caminha para a cama:
        – Estou pronta para experimentar tudo com você!
        Em outra ocasião, uma multidão cerca o homem que acaba de cair na calçada.
        Entre gemidos, ele aponta para cima e balbucia:
        – Fui defenestrado…
        Alguém comenta:
        – Coitado. E depois ainda atiraram ele pela janela?
        Agora mesmo me deu uma estranha compulsão de arrancar o papel da máquina, amassá-lo e defenestrar esta crônica. Se ela sair é porque resisti.
 Interpretação do texto:
1.   De acordo com esse texto, o que é defenestração?
a) Dedetizar insetos pelas ruas.
b) Fazer solicitação ao juiz.
c) Galantear alguém nas calçadas.
d) Atirar algo ou alguém pela janela.
e) Uma peça mecânica.

2.   Considerando-se o conjunto de informações do texto, o narrador se diz fascinado pela palavra defenestração, porque:
a) ele desconhecia o significado da palavra.
b) ele imaginava o significado da palavra como algo exótico.
c) ele imaginava o significado da palavra como algo proibido.
d) ele ligava a palavra à linguagem jurídica ou técnica.
e) ele se encantava com a palavra, primeiro por causa dos significados que imaginava para ela, depois por causa do significado dicionarizado dela.
  
3.   No decorrer do texto, o narrador imaginava possíveis significados para defenestração. Pela ordem, poderíamos dizer que ele atribuía à palavra os seguintes sentidos:
a) conduta sexual não convencional, dedetização, deferimento.
b) prática ilegal, arrumação, requerimento.
c) xingamento, cuidados domésticos, documento formal.
d) indiscrição, arrumação, providências.
e) conduta imprópria, consertos, aprovação.

4.   No trecho “Ou quem sabe seria uma daquelas misteriosas palavras que encerravam os documentos formais”, o narrador utiliza o termo misteriosas referindo-se:
a) ao fato de que as palavras sempre podem ser utilizadas de várias maneiras.
b) ao fato de que a linguagem formal (jurídica, no caso) utiliza palavras cujo significado é desconhecido pela maioria das pessoas.
c) ao fato de que as pessoas em geral não se preocupam em ler os documentos formais.
d) ao fato de haver baixo nível de formação escolar neste país.
e) ao fato de as palavras sempre possuírem significados ocultos.

 5.   Depois de descobrir o real significado de defenestração, o narrador continua fascinado pela palavra porque:
a) o significado dela remete a um ato pouco comum, e ele fica imaginando as razões da existência de tal palavra.
b) ele não havia pensado na possibilidade do significado real.
c) ele não vê utilidade na palavra.
d) ele não se mostra favorável a estrangeirismos.
e) o significado da palavra remete a uma ação que não praticamos em nossa cultura.

6.   “A princípio foi o fascínio da ignorância”. Nesta frase, as palavras receberam acento por serem:
a) proparoxítonas.
b) paroxítonas terminadas em o.
c) paroxítonas terminadas em ditongo crescente.
d) proparoxítonas terminadas em ditongo crescente.
e) paroxítonas terminadas em a.
  
7.   “E aí está o Aurelião que não me deixa mentir”. A palavra  é acentuada pelo mesmo motivo de:
a) nó
b) táxi
c) até
d) dói
e) contribuí

8.   Assinale o item em que todas as palavras são acentuadas pela mesma regra de: exótico, até e dicionário.
a) óculos, café, água
b) lâmina, ré, aquário
c) biólogo, pé, necessária
d) comprássemos, fé, língua
e) impaciência, você, dúvida

 9.   Marca o item em que necessariamente o vocábulo deve receber acento gráfico:
a) esta
b) próprio
c) rape
d) habito
e) vicio

10. Assinala a alternativa correta:

a) Na primeira frase do texto, a palavra têm foi empregada com acento para diferenciar o plural.
b) Assim como lua-de-mel, a palavra auto-escola deve ser escrita com hífen.
c) São exemplos de proparoxítonas: mecânica, herméticos, óbvio.
d) “Defenestração” vem do francês… Nesse trecho, a palavra vem é uma forma do verbo ver.
e) amassá-lo recebe acento por se tratar de uma proparoxítona

15 comentários:

  1. Na questão 2, não deveria ser a letra b?

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    1. Não, porque ela não se interessou pela palavra apenas por achar ser exótica, ela também pensou em outros significados. Depois disso ela ainda se interessou, porque se indagou do motivo de ter uma palavra para o ato de jogar algo ou alguém violentamente pela janela.

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  2. Obrigado pela a resposta da minha prova kkk

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  3. Nossa me ajudou demais obg de todo meu coração quem feiz isso foi mais que um abençoado!!

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  4. O texto lido foi construído em versos ou prosa? Explique

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  5. O autor identifica significados diferentes para algumas palavras . Cite essas palavras,Por favor .

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  6. Muito obrigado. Sua resposta mim ajudou bastante!

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