segunda-feira, 6 de novembro de 2017

ROMANCE(FRAGMENTO): A ESPERANÇA -(GUERRA CIVIL ESPANHOLA)- ANDRÉ MALRAUX -COM GABARITO

ROMANCE:  A Esperança (Fragmento)
                        André Malraux

   O silêncio, já profundo, aprofundou-se ainda mais: Guernico teve a impressão de que, daquela vez, o céu estava cheio. Não era aquele barulho de carro de corrida que, em geral, identifica um avião; era uma vibração muito ampla, cada vez mais profunda, sustentada como uma nota grave.

    O barulho dos aviões que ele tinha ouvido até então era como que alternado, subia e descia; dessa vez, os motores eram numerosos o suficiente para que tudo se misturasse, em um avanço implacável e mecânico.
        A cidade estava quase sem luzes; como os aviões de caça governistas, ou o que restava deles, poderiam encontrar os fascistas naquela escuridão? E aquela vibração profunda e grave que enchia o céu e a cidade como se enchesse a noite, irritando Guernico e percorrendo seus cabelos, tornava-se intolerável, pois as bombas não caíam.
        Por fim, uma explosão abafada veio da terra, como uma mina distante e, de repente, três explosões de extrema violência. Outra explosão surda; mas nada. Mais uma: acima de Guernico e todas ao mesmo tempo, as janelas de um grande apartamento se abriram.
        Ele não acendeu sua lanterna elétrica; os milicianos estavam sempre prontos a acreditar em sinais luminosos. Sempre o barulho dos motores, mas nada de bombas. Naquela escuridão completa, a cidade não via os fascistas, e os fascistas mal viam a cidade.
        Guernico tentou correr. As pedras acumuladas o faziam tropeçar sem parar, e a escuridão muito densa tornava impossível seguir a calçada. Um carro passou em velocidade, os faróis azulados. Cinco novas explosões, alguns tiros de fuzil, uma vaga rajada de metralhadora. As explosões pareciam vir da terra, e os estrondos, de uma dezena de metros acima dela. Nenhum raio de luz: Janelas se abriam, Empurradas de dentro. Numa explosão mais próxima, vidros se espatifaram, caíram de muito alto no asfalto.

Com o barulho, Guernico se deu conta de que só enxergava até o primeiro andar. Como um eco do vidro quebrado, um som de sirene tornou-se perceptível, aproximou-se, passou diante dele, perdeu-se no negror: a primeira de suas ambulâncias. Chegou finalmente à Central Sanitária; a rua se encheu de gente na escuridão.
        Médicos, enfermeiros, organizadores, cirurgiões se juntavam, ao mesmo tempo que ele, a seus colegas de serviço. Finalmente havia ambulâncias. Um médico era o responsável pela parte sanitária do trabalho, Guernico, pela organização do socorro. [...]

                          Malraux, André. Sangue de esquerda. A esperança.
                                                                 Tradução de Eliana Aguiar.
                                          Rio de Janeiro: Record, 2000. p. 317-318.
Interpretação do texto:

1 – Leia um fragmento do romance A Esperança, de André Malraux, que tem como pano de fundo a Guerra Civil Espanhola de 1936.
a)   Qual é o acontecimento central da cena?
O acontecimento central é o bombardeio que está prestes a ocorrer em uma cidade.

b)   No início, parece que Guernico está fugindo dos aviões, mas a sua intensão é outra. Para onde ele corre e por quê?
Guernico corre para a Central Sanitária, onde é o responsável pela organização do socorro aos feridos. Ele corre, portanto, para socorrer aqueles que serão atingidos pelas explosões.

2 – Quais são as referências feitas no texto que podem ajudar o leitor a identificar que o episódio narrado ocorreu no século XX?
      Os aviões, os carros, as armas (bombas, metralhadora, fuzil), a lanterna elétrica, as ambulâncias são indicadores de que a ação se passa no século XX. Além disso, a alusão aos “fascistas” faz referência ao regime político (e à ideologia a ele associada) estabelecido por Benito Mussolini, na Itália, em 1922.

3 – Releia:
        “[...] dessa vez, os motores eram numerosos o suficiente para que tudo se misturasse, em um avanço implacável e mecânico.”
Os dois adjetivos destacados levam o leitor a refletir sobre a violência da guerra? Por quê?
      SIM. O adjetivo implacável sugere que o avanço dos aviões não pode ser evitado. Como esse avanço será sinônimo de destruição, o adjetivo pode também ser ampliado para indicar que o bombardeio e a destruição não têm como ser evitados. O segundo adjetivo, mecânico, destaca o aspecto desumano da ação.

4 – A descrição do ataque noturno explora diferentes elementos sensoriais.
a)   Destaque alguns desses elementos.
A audição: o barulho dos aviões e das explosões.
A visão: a escuridão da noite.
O tato: a vibração provocada pelos aviões.

b)   De que modo o uso desses elementos contribui para transmitir ao leitor as sensações que tomam conta de Guernico?
A referência constante ao barulho dos aviões e à escuridão da noite faz com que o leitor perceba melhor os diferentes estados de espirito de Guernico: a expectativa pelo início do ataque, a irritação pela demora, a urgência para chegar ao local de socorro.


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