segunda-feira, 2 de outubro de 2017

TEXTO LITERÁRIO: UM DIA TODOS SE ENCONTRAM(FRAGMENTO) - JOÃO GUIMARÃES ROSA - COM GABARITO

TEXTO LITERÁRIO: UM DIA TODOS SE ENCONTRAM
                                         João Guimarães Rosa

        De repente lá vinha um homem a cavalo. Eram dois. Um senhor de fora, o claro da roupa. Miguilim saudou, pedindo a bênção. O homem trouxe o cavalo cá bem junto. Ele era de óculos, corado, alto, com um chapéu diferente, mesmo.
        --- Deus te abençoe, pequeninho. Como é teu nome?
        --- Miguilim. Eu sou irmão do Dito.
        --- E seu irmão Dito é o dono daqui?
        --- Não, meu senhor. O Ditinho está em glória.
        O homem esbarrava o avanço do cavalo, que era zelado, manteúdo, formoso como nenhum outro. Redizia:
        --- Ah, não sabia, não. Deus o tenha em sua guarda... Mas, que é que há, Miguilim?
        Miguilim queria ver se o homem estava mesmo sorrindo para ele, por isso é que o encarava.
        --- Por que você aperta os olhos assim? Você não é limpo de vista? Vamos até lá. Quem é que está em tua casa?
        ---É mãe, e os meninos...
        Estava Mãe, estava Tio Terêz, estavam todos. O senhor alto e claro se apeou. O outro, que vinha com ele, era um camarada. O senhor perguntava à Mãe muitas coisas do Miguilim. Depois perguntava a ele mesmo: --- “Miguilim, espia daí: quantos dedos da minha mão você está enxergando? E agora?”.
        Miguilim espremia os olhos. Drelina e a Chica riam. Tomezinho tinha ido se esconder.
        --- Este nosso rapazinho tem a vista curta. Espera aí, Miguilim...
        E o senhor tirava os óculos e punha-os em Miguilim, com todo o jeito.
        --- Olha, agora!
        Miguilim olhou. Nem não podia acreditar! Tudo era uma claridade, tudo novo e lindo e diferente, as coisas, as árvores, as caras das pessoas. Via os grãozinhos de areia, a pele da terra, as pedrinhas menores, as formiguinhas passeando no chão de uma distância. E tonteava. Aqui, ali, meus Deus, tanta coisa, tudo... O senhor tinha retirado dele os óculos, e Miguilim ainda apontava, falava, contava tudo como era, como tinha visto. Mãe esteve assim assustada; mas o senhor dizia que aquilo era do modo mesmo, só que Miguilim também carecia de usar óculos, dali por diante. O senhor bebia café com eles. Era o doutor José Lourenço, do Curvelo. Tudo podia. Coração de Miguilim batia descompasso, ele careceu de ir lá dentro, contar à Rosa, à Maria Pretinha, à Mãitina. A Chica veio correndo atrás, mexeu: --- “, Miguilim você é piticego...” E ele respondeu: --- “Donazinha...”.
        Quando voltou, o doutor José Lourenço já tinha ido embora.
        --- “Você está triste, Miguilim?” --- Mãe perguntou.
        Miguilim não sabia. Todos eram maiores do que ele, as coisas reviravam sempre dum modo tão diferente, eram grandes demais.
        --- Pra onde ele foi?
        --- A foi p’ra a Vereda do Tipã, onde os caçadores estão. Mais amanhã ele volta, de manhã, antes de ir s’embora para a cidade. Disse que, você querendo, Miguilim, ele junto te leva... --- O doutor era homem muito bom, levava o Miguilim, lá ele comprava uns óculos pequenos, entrava para a escola, depois aprendia ofício. --- “Você mesmo quer ir?”.
         Miguilim não sabia. Fazia peso para não soluçar. Sua alma, até ao fundo, se esfriava. Mas Mãe disse:
         --- Vai, meu filho. É a luz dos teus olhos, que só Deus teve poder para te dar. Vai. Fim do ano, a gente puder, faz a viagem também. Um dia todos se encontram...

        João Guimarães Rosa. Campo geral. In: Manuelzão e Miguilim.
                                Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. p. 139-40.

1 – “O Ditinho está em glória”; “Você não é limpo de vista?”; “Você é piticego...” Você já tinha ouvido expressões como essas? Onde? Como será o lugar retratado pelo autor? Explique o que levou você a fazer essa suposição.
        Resposta pessoal do aluno. O aluno deve perceber que se trata de um linguajar interiorano.

2 – Miguilim pôde ver em detalhes um mundo que, para ele, até então não existia. Essa conquista, todavia, teve um preço alto. Terá valido a pena?
      Sim. As separações costumam ser dolorosas, mas muitas vezes contribuem para nosso próprio crescimento e amadurecimento.

3 – “Todos eram maiores do que ele, as coisas reviravam sempre dum modo tão diferente, eram grandes demais.” Com essas palavras o autor tenta demonstrar o que se passa no interior de Miguilim. Explique você, com suas palavras, o que o garoto estava sentindo.
      Resposta pessoal do aluno. Observar que o menino se sente dividido.

4 – Como está o estado interior de Miguilim a chance de tentar uma nova vida?
      Miguilim é uma criança que sente nos acontecimentos uma força contra a qual não pode lutar em sua fragilidade infantil. Por isso, e para não preocupar ainda mais a mãe, esforça-se por não chorar.

5 – O que demonstra a atitude da mãe de Miguilim?
     Demonstra desprendimento. Embora ela esteja sofrendo com a possível separação, esforça-se para se controlar.

6 – Faça um comentário sobre o modo de narrar do autor do texto “Um dia todos se encontram”.
      Neste texto, o substantivo comum mãe é transformado em próprio porque ele funciona mesmo como um nome. A personagem não é apenas mãe de Miguilim. Ela encarna a função de mãe na família e desempenha papel fundamental na história.

7 – Afinal, o que dói tanto numa separação?
      Resposta pessoal do aluno.
                                             



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