ARTIGO DE OPINIÃO: OS
FREMENTES ANOS 20
[...]
Por trás dessa vertigem
coletiva da ação e da velocidade, engendrando-a,
estimulando-a, sem permitir a reflexão sobre suas consequências nas mentes e na
cultura, as inovações tecnológicas invadiam o cotidiano num surto inédito, multiplicando-se mais rapidamente do
que as pessoas pudessem se adaptar a elas e corroendo os últimos resquícios de um mundo estável e um curso de vida que
as novas gerações pudessem modelar pelas antigas. As novas formas de energia
ampliavam o tempo sem parar, na proporção inversa em que encurtavam os espaços.
A matéria passava a obedecer cegamente a essas fontes invisíveis de energia e
tudo parecia instável, a se mover, até as estruturas de aço maciço da Torre
Eiffel subindo aos céus, ou as seculares muralhas de Viena desaparecendo da
noite para o dia, para dar lugar a novas avenidas cheias de veículos velozes e
palácios modernos erguidos num piscar de olhos. É muito sugestivo, nesse
sentido, o depoimento de Raymond Loewy.
Aos catorze anos, em Paris, onde eu
havia nascido, eu já tinha visto o nascimento do telefone, do aeroplano, do
automóvel, da eletricidade doméstica, do fonógrafo,
do cinema, do rádio, dos elevadores, dos refrigeradores, dos raios X, da
radioatividade e, não menos importante, da moderna anestesia.
Pode parecer impressionante, mas o fato
é que Loewy foi muito discreto na sua avaliação. Ele, por exemplo, deixou de
mencionar as linhas de montagem, os transatlânticos,
as motocicletas, as instalações de gás domésticas, os modernos fogões e
sistemas de aquecimento, a máquina de costura, o aspirador de pó, as máquinas
de lavar, as instalações sanitárias e válvulas hídricas modernas, o concreto
armado, os alimentos enlatados, os refrigerantes gaseificados, os sorvetes
industrializados, a aspirina, as lâmpadas elétricas, as máquinas de escrever e
de calcular, o ditafone, a caixa registradora e
– essas revoluções dos sentidos – o parque de diversões eletrificadas, a
roda-gigante e a montanha-russa. A lista é ainda muito modesta, mas pode servir
como referência. Num intervalo menor que o de uma geração, o mundo se
transformara completamente. A voracidade de
mercados de consumo dos grandes complexos industriais o forçava a orientarem a
sua produção para as grandes massas urbanas, o que também era inédito. O
automóvel, aparecido como extravagância no final do século XIX, tornou-se
produto de luxo no começo do século e recebeu suas primeiras versões populares
no contexto da Guerra, tornando-se imediatamente uma necessidade. O problema
geral das imaginações era menos o de conceber o novo mundo do que livrar-se do
antigo. A Guerra se encarregaria disso em grande parte. Seu rescaldo, porém, seria o culto da ação coletiva e da
violência, que ela decantara em estado puro em
suas várias manifestações.
As modernas formas de comunicação de
massas, a fotografia, o cinema e os cartazes reiteravam essa ênfase tecnológica
sobre a ação e a velocidade, ressaltando ademais o papel privilegiado conceito
nessa nova ordem cultural à imagem, à luz e à visualidade.
[...]
Nicolau
Sevcenko. Orfeu extático na Metrópole:
São Paulo, sociedade e
cultura nos frementes anos 20.
São Paulo: Companhia
das Letras, 1992. p. 162-3.
DECANTAR: livrar-se das
impurezas, voltar ao estado puro.
DITAFONE: aparelho que grava
textos ditados para transcrição.
REITERAR: confirmar.
RESCALDO: resultado de
alguma coisa, saldo.
VORACIDADE: grande atividade,
avidez.
Interpretação do texto:
1 – O primeiro parágrafo do
texto trata das inovações tecnológicas e suas consequências.
a)
No próprio texto, o autor dá inúmeros
exemplos dessas inovações tecnológicas. Há alguma(s) delas que ainda provoca(m)
surpresa no meio em que você vive? Quais?
Resposta pessoal do aluno.
b)
Cite duas consequências dessas inovações
tecnológicas no início do século XX.
- Estimular a ação e a velocidade.
- Corroer os últimos resquícios de um mundo estável.
2 – Veja a litogravura ao lado.
Que trecho do primeiro parágrafo tem relação com essa litogravura?
“... tudo parecia instável, a se
mover...”.
3 – No terceiro parágrafo,
caracteriza-se a roda-gigante e a montanha-russa como “revoluções do sentido”.
Em sua opinião, por quê?
Porque permitem o deslocamento rápido do
ponto de vista do observador.
4 – Explique, com suas
palavras, estre trecho do texto:
[...] “A voracidade dos mercados de
consumo dos grandes complexos industriais os forçava a orientar a sua produção
para as grandes massas urbanas” [...].
Resposta pessoal do aluno.
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