terça-feira, 24 de outubro de 2017

CRÔNICA: MEDO DA ETERNIDADE - CLARICE LISPECTOR - COM GABARITO

CRÔNICA: MEDO DA ETERNIDADE
                          Clarice Lispector

    Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade.
   Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.


        Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:
        --- Tome cuidado para não perder, porque esta bala nunca se acaba. Dura a vida inteira.
        --- Como não acaba? – Parei um instante na rua, perplexa.
        -- Não acaba nunca, e pronto.
        Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual já começara a me dar conta.
        Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.
        --- E agora que é que eu faço? – Perguntei para não errar no ritual que certamente deveria haver.
        --- Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E ai mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.
        Perder a eternidade? Nunca.
        O adocicado do chicle era bonzinho não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola.
        --- Acabou-se o docinho. E agora?
        --- Agora mastigue para sempre.
        Assustei-me, não sabia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da ideia de eternidade ou de infinito.
        Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.
        Até que não suportei mais, e, atravessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.
        --- Olha só o que me aconteceu! – Disse eu em fingidos espanto e tristeza. Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!
        --- Já lhe disse – repetiu minha irmã – que ele não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.
        Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra da boca por acaso.
        Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.

                               Clarice Lispector. A descoberta do mundo. 3. ed.
                              Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992. p. 309-10.

Elixir: tipo de xarope para fins medicamentosos; aquilo que tem efeito mágico ou miraculoso.
Ritual: conjunto de regras que se deve observar numa cerimônia religiosa.

Interpretação do texto:
1 – “[...] parecia-se ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas [...]”.
      a – Em seu caderno, explique o raciocínio do narrador.
      Somente no reino da fantasia poderiam existir coisas eternas.

      b – Que palavra e/ou expressão do sétimo parágrafo resume a mesma ideia? Copie-a em seu caderno.
      Milagre; mundo impossível.

2 – “Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer [...]”. Copie em seu caderno a metáfora do texto que está em antítese com essa primeira impressão.
      “... puxa-puxa cinzento de borracha”.

3 – Por que a narradora supõe a existência de um ritual para o simples ato de mascar chiclete?
      Porque, para ela, algo que não acaba nunca não poderia ser uma coisa simples.

4 – Como age a irmã da narradora diante da atitude reflexiva da narradora?
      À atitude de reflexão da narradora contrapõe-se a atitude prática da irmã.

5 – A narrativa é feita em primeira pessoa, por uma narradora adulta, que recorda um fato da infância. A que ela parece dar mais importância: ao fato em si ou à reflexão despertada pela lembrança do fato? Justifique sua resposta.
      À reflexão despertada pela lembrança; no texto, o ato de mascar chicletes é questionado, assim como as consequências dele.

6 – Empregando apenas substantivos abstratos, resuma em seu caderno o estado psicológico que parece envolvido nas reações da narradora em cada fragmento.
      a – “Parei um instante na rua, perplexa”.
        Perplexidade.

      b – “[...] quase não podia acreditar no milagre”.
        Descrença.

      c – “Perder a eternidade? Nunca”.
        Decisão; determinação.

7 – “[...] E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente [...]”. Inocente significa “simples”, “inofensivo”. Por que a aparência da bala causou espanto na menina?
      Por causa de suposta qualidade de eternidade: uma coisa eterna não poderia ser tão simples, inofensiva.

8 – O chiclete atua, na memória da narrador adulta, como metáfora para a eternidade. Logo, mascar chiclete é o mesmo que experimentar a eternidade. Qual seria então a reação da narradora diante da eternidade?
      Antes de mascar realmente, ou seja, enquanto só sonhava com isso, a narradora imaginava que sentiria muito prazer. Ao realmente realizar-se a ação, a atitude é de frustação e rejeição. Por isso, ela dá um jeito de “perder” o chiclete.

9 – Por que a narradora se sentiu envergonhada diante da atitude da irmã?
      Em nossa interpretação, isso ocorreu pelo fato de a narradora ter mentido para irmã, dizendo que o chiclete caíra acidentalmente.

10 – A narradora confessa seu medo diante da ideia de eternidade ou de infinito. E você, que sensações experimenta diante dessa ideia? descreva-as em seu caderno.

      Resposta pessoal do aluno.

11 - Qual o foco narrativo, neste texto?
       Foco narrativo de primeira pessoa - narrador-personagem, pois o mesmo narra e participa da história.

20 comentários:

  1. Olá,
    Foco narrativo de primeira pessoa - narrador-personagem, pois o mesmo narra e participa da história.
    Um abraço,
    Profa. Jaqueline

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  2. Por que a narradora supõe a existência de um ritual para o simples ato de mascar chicletes

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    Respostas
    1. porque a menina nunca tinha mascado um chiclete, e tinha aquilo como alguma norma ou pedido e ritual

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  3. Qual a situação inicial , o clímax , o desenvolvimento ,conflito e desfecho da história .?

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  4. A que episódio a crônica se refere?

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  5. O conto lido é um conto psicológico qual trecho que mostra o estado psigologico da narradora

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  6. A marca de espaço no texto ? Quais?

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  7. sobre as duas personagens , podemos afirmar que são pianas ou esféricas ?

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  8. Não nenhuma resposta qui eu precisava

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