POEMA: O OVO DE GALINHA
João Cabral de Melo Neto
I
Ao
olho mostra a integridade
De
uma coisa num bloco, um ovo.
Numa
sé matéria, unitária,
Maciçamente
ovo, num todo.
Sem
possuir um dentro e um fora,
Tal
como as pedras, sem miolo:
E só
miolo: o dentro e o fora
Integralmente
no contorno.
No
entanto, se ao olho se mostra
Unânime
em si mesmo, um ovo,
A
mão que o sopesa descobre
Que
nele há algo suspeitoso:
Que
seu peso não é o das pedras,
Inanimado,
frio, goro;
Que
o seu é um peso morno, túmido,
Um
peso que é vivo e não morto.
II
O
ovo revela o acabamento
A
toda mão que o acaricia,
Daquelas
coisas torneadas
Num
trabalho de toda a vida.
E
que se encontra também noutras
Que
entretanto mão não fabrica:
Nos
corais, nos seixos rolados
E em
tantas coisas esculpidas.
Cujas
formas simples são obra
De
mil inacabáveis lixas
Usadas
por mãos escultoras
Escondidas
na água, na brisa.
No
entretanto, o ovo, e apesar
Da
pura forma concluída,
Não
se situa no final:
Está
no ponto de partida.
[...]
João Cabral de Melo Neto. Obra completa. Rio de Janeiro.
Aguilar, 1994. p. 302-3. By
Herdeiros de João de Melo Neto.
Goro: choco, podre.
Seixo: cascalho.
Sopesar:
calcular com a mão o peso de alguma coisa.
Túmido: dilatado, intumescido.
Interpretação
do texto:
1 –
O poeta escolheu como motivo de seu poema um elemento do mundo físico: o ovo de
galinha. Que aspectos desse elemento mais impressionam o eu poético?
O acabamento perfeito e
o peso.
2 –
Sopesar o ovo leva a sentir nele um “peso vivo”. Como você entendeu essa
característica do objeto descrito?
No poema, o peso
é classificado como “morno”, “túmido”. Comente com os alunos que o eu poético
exemplifica cada característica que percebe no objeto descrito.
3 – A
palavra acabamento remete à ideia de objeto concluído. Que metáforas do poema
designam:
a –
O agente desse acabamento;
“... mãos
escultoras/escondidas na água, na brisa”.
b –
A ferramenta utilizada por esse agente;
“... mil inacabáveis
lixas”.
c –
A contradição que o eu poético identifica nesse acabamento.
“No entretanto, o ovo, e
apesar/da pura forma concluída,/não se situa no final:/está no ponto de
partida”.
Professor(a): as ideias de partida e acabamento são antitéticas.
4 –
Como você entendeu a contradição exposta pelo eu poético na estrutura do ovo?
Ovos encerram
matrizes de novas vidas; são, por isso, ponto de partida, não de chegada,
embora sua forma pareça já concluída, esculpida.
5 –
Pense nos cinco sentidos humanos. Na descrição do ovo, quais desses sentidos
são privilegiados?
O tato e a visão.
6 –
Esse poema é constituído de cinco partes, das quais transcrevemos duas. A
estrutura de cada uma delas é idêntica: São dezesseis versos distribuídos em
quatro estrofes. Logo, cada estrofe tem quatro versos. Esse tipo de preocupação
formal é bem diferente da que predominou entre os modernistas da primeira fase.
Explique essa afirmativa em seu caderno.
A liberdade formal foi a
reivindicação fundamental dos modernistas da primeira fase.
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