Romance: Flores artificiais – Fragmento
Luiz Ruffato
[...] Na passagem do milênio, fui para
o Brasil. Desembarquei no Galeão no dia 27 de dezembro de 1999, o
apartamento estava limpo graças a dona Vera, que o areja de quinze em quinze
dias. No começo da noite do dia 31, sentei na sala, enchi uma taça de
vinho tinto, coloquei um CD de músicas antigas do Roberto Carlos, e preparei para
esperar o século. A cidade fervia, foguetes estouravam, a vizinhança era
um barulho só. Uma hora, cheguei na janela e de repente pessoas que nunca
tinha visto me cumprimentavam, desejando Feliz Ano 2000.
Sentei de novo na poltrona e comecei a
pensar. O que tinha feito da vida? Não casei, não tive filhos, nunca
mais tinha falado com meu irmão e nem com minhas irmãs. Não tinha amigos
para conversar comigo. Quanto mais aproximava a meia-noite, mais
angustiado ficava. Lembrei da minha mãe, que morreu quando eu tinha dezessete
anos. Lembrei do meu pai, que na época ainda estava vivo, mas que eu não
procurava há anos. Lembrei das mulheres que cruzaram o meu caminho. Parecia
que naquela sala vazia estavam todos os meus fantasmas.
Ouvi a contagem regressiva, jogado no
sofá, de roupa e tudo, os olhos abertos, mas não vendo nada. Os barulhos
da rua aumentaram, carros passaram buzinando, o som nos apartamentos vizinhos era
ensurdecedor. Depois foi tudo diminuindo, e num momento determinado podia até
ouvir a conversa do porteiro lá embaixo. O dia amanheceu e aos poucos a
cidade foi acordando, deu meio-dia, veio a tarde, e de novo a noite, e eu deitado
no mesmo lugar.
RUFATO,
Luiz. Flores artificiais. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. p. 12-13.
Fonte: Livro Língua Portuguesa
– Trilhas e Tramas – Volume 1 – Leya – São Paulo – 2ª edição – 2016. p. 53-5.
Entendendo o romance:
01 – A ação é um elemento fundamental em sequências narrativas. O trecho lido pode ser determinado em
três partes, de acordo com o desenvolvimento cronológico das
ações. Determine quando inicia e quando termina cada uma dessas partes.
a) 1ª parte (no dia 27 de dezembro).
De “[...] Na passagem” até “[...] de quinze em quinze dias” (1°
parágrafo).
b) 2ª parte (no dia 31 de dezembro).
De “No começo da noite [...]” (1° parágrafo) até “[...] porteiro lá embaixo”
(3° e último parágrafo).
c) 3ª parte (no dia seguinte ao ano novo).
De “O dia amanheceu [...]” até “[...] no mesmo lugar” (3° e último
parágrafo).
d) No 1º parágrafo, que formas verbais foram usadas para indicar as ações da personagem?
As formas verbais fui, desembarquei, sentei, enchi, coloquei,
preparei, cheguei, comecei, etc. indicam a sequência das ações da personagem.
e) Por que esses verbos estão no pretérito perfeito do indicativo?
Para indicar fatos que ocorreram antes do momento da narrativa.
02 – Releia estas duas
passagens:
I. A cidade fervia, foguetes
estouravam, a vizinhança, era um barulho só. Uma hora, cheguei na janela e
de repente pessoas que nunca tinha visto me cumprimentavam, desejando Feliz Ano
2000.
II. O que tinha feito
da vida? Não casei, não tive filhos, nunca mais tinha falado com meu irmão
e nem com minhas irmãs. Não tinha amigos para conversar
comigo. Quanto mais aproximava a meia-noite, mais angustiado ficava. Lembrei
da minha mãe, que morreu quando eu tinha dezessete anos. Lembrei do meu
pai, que na época ainda estava vivo mas que eu não procurava há anos. Lembrei
das mulheres que cruzaram o meu caminho. Parecia que naquela sala vazia
estavam todos os meus fantasmas.
Compare os trechos e
responda:
a) O trecho I apresenta uma descrição. Qual é o objetivo dela?
Mostrar que o cenário externo ao narrador-personagem é alegre e
festivo.
b) Em que tempo estão os verbos da descrição, no trecho I? Exemplifique.
Pretérito imperfeito: “A cidade fervia,
foguetes estouravam, a vizinhança era um barulho só”; “[...] pessoas que
nunca tinha visto me cumprimentavam
[...]”.
c) O trecho II, predominantemente narrativo, mostra uma reflexão do narrador. Sobre o que ele reflete?
Ele refere sobre a própria vida; faz uma retrospeção, um balanço dos
fatos que viveu.
d) No trecho II, que palavra resumo o estado de espírito do narrador-personagem?
A palavra angustiado:
“Mais angustiado (eu) ficava”.
e) Os acontecimentos narrados nos trechos I e II mantêm uma relação de causa e consequência. Que contraste podemos estabelecer entre eles?
À medida que se aproxima a virada do ano, enquanto a cidade e as
pessoas vivem um clima de alegria e festa, pela passagem do ano (2000), o
narrador-personagem reflete sobre a própria vida e se sente angustiado.
03 – Outra marca das sequências
narrativas é o uso de palavras e expressões que indicam tempo e lugar. Identifique-as nos três parágrafos lidos. Copie a
tabela a seguir no caderno e separe-as em dois blocos, preenchendo os espaços
marcados com:
a) Palavras e expressões que indicam TEMPO.
“Na passagem do milênio”; “no dia 27 de dezembro de 1999”; “de
quinze em quinze dias”; “No começo da noite do dia 31”; “Uma hora”; “De
repente”; “Ano 2000”; “Quanto mais aproximava a meia-noite”; “Quando eu tinha
dezessete anos”; “Na época ainda estava vivo”; “há anos”; “contagem
regressiva”; “depois”; “num determinado momento”; “O dia amanheceu”; “aos
poucos”; “foi acordando”; “deu meio-dia”; “veio a tarde”; “e de novo a noite”.
b) Palavras e expressões que indicam LUGAR.
“Brasil”; “Galeão”; “o apartamento”; “na sala”; “A cidade fervia”;
“na janela”; “na poltrona”; “naquela sala vazia”; “jogado no sofá”; “barulhos
da rua”; “nos apartamentos vizinhos”; “lá embaixo”; “a cidade”; “no mesmo
lugar”.
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