Artigo expositivo: Literatura leitores e leitura
Marisa Lajolo
Não se pode dizer que literatura é
aquilo que cada um considera literatura? Por que não incluir no conceito de
literatura as linhas que cada um rabisca em momentos especiais, como o poema
que seu amigo fez para a namorada, mandou para ela e não mostrou para mais
ninguém? Por que não chamar de literatura a história de bruxas e bichos que de
noite, à hora de dormir, sua mãe inventava para você e seus irmãos? [...]
Esses textos não têm a mesma cidadania
literária que o romance famoso de Gustave Flaubert (1821-1880) ou de José de
Alencar (1829-1877)? [...]
E discutir literatura é abrir os olhos
e ouvidos, e olhar e ouvir em volta, ler livros, meditar sobre as frases
pintadas a spray em muros e edifícios da cidade, e fazer a eles a
pergunta: o que é literatura? [...]
Alguns livros são muito conhecidos e
estão em todas as livrarias, todos conhecem o nome de quem os escreveu.
[...]
Já outros – muitos e muitos outros –
não desfrutam desta festa toda.
Seus nomes são desconhecidos, suas
obras são difíceis de serem encontradas, não constam das bibliotecas, ninguém
fala delas. Eles imprimem às vezes seus próprios livros e não encontram
leitores para além da família e dos amigos mais próximos.
Em pequenas comunidades,
cantadores, repentistas, contadores de histórias – embora só raramente projetem
seus nomes nos circuitos eruditos das grandes cidades – são amados e
respeitados por um público, que é fiel a eles.
Enquanto isso, em segmentos modernos e
requintados da indústria livreira, livros de grande sucesso –
os best-sellers – podem ser escritos em uma espécie de linha de
montagem, começando a produção da obra por um levantamento das expectativas do
público: tipo de história de que gosta mais, frequência esperada de cenas de
sexo e de violência, cenários e ambientes preferidos, coisas assim. Com base
nesses dados, pode-se escrever um romance sob medida para um
certo tipo de público. Como investimento comercial, livros desse figurino
correm riscos mínimos e oferecem boas perspectivas de retorno financeiro. [...]
Com formas tão diferentes de produção e
circulação de objetos igualmente denominados literatura, será que é
possível defini-la? Vamos chamar igualmente de literatura os romances de
autores contemporâneos consagrados como Ariano Suassuna e Lya Luft, poesias de
Manoel de Barros ou de Adélia Prado e as produções quase anônimas de cantadores
de feira e autores marginais? Vão para o mesmo saco (de
gatos...) best-sellers escritos quase que de encomenda e requintadas
obras de vanguarda que apenas poucos leitores entendem? [...]
Será que são literatura os poemas
adormecidos em gavetas, pastas, fitas, disquetes, CDs, cadernos e arquivos pelo
mundo afora, os romances que a falta de oportunidade impediu que fossem
publicados, peças de teatro nunca lidas nem encenadas e que jamais encontrarão
ouvidos de gente? Será que tudo isso é literatura?
Pode ser, pode ser...
E, se não é literatura, por que
não é? Para uma coisa ser considerada literatura tem de ser escrita? Tem de ser
editada? Tem de ser impressa em livro e vendida ao público? [...]
A resposta é simples. Tudo
isso é, não é e pode ser que seja literatura. Depende
do ponto de vista, do significado que a palavra tem para cada um, da
situação na qual se discute o que é literatura. [...]
LAJOLO,
Marisa. Literatura: leitores e leitura. São Paulo: Moderna, 2001. p.
12-16.
Fonte: Livro Língua Portuguesa –
Trilhas e Tramas – Volume 1 – Leya – São Paulo – 2ª edição – 2016. p. 92-4.
Entendendo o artigo
expositivo:
01 – Registre no caderno a
alternativa que melhor sintetiza o objetivo do texto.
a) Conceituar literatura de forma objetiva.
b) Problematizar conceitos de literatura do ponto de vista da indústria cultural, dos leitores e da tradição.
c) Valorizar a literatura popular, os repentistas e os contadores de história.
d) Mostrar as origens da literatura do ponto de vista histórico.
e) Criticar uma certa parcela de leitores que valoriza best-sellers.
02 – Releia a seguinte
passagem:
“Esses
textos não têm a mesma cidadania literária que o romance famoso de Gustave
Flaubert (1821-1880) ou de José de Alencar (1829-1877)?”
a) A que se refere expressão Esses textos?
Refere-se aos exemplos de textos citados anteriormente: textos
escritos e não publicados, contos infantis, etc.
b) O que significa a expressão de sentido figurado cidadania literária?
A expressão foi usada para caracterizar os textos que costumam ser
destacados pela crítica dos jornais, pela mídia e o ambiente acadêmico
(escolas, universidades, etc.)
03 – Leia o verbete:
Best-seller:
[...] [Ingl.]
1.
Livro que é um sucesso de livraria, que vende
muito.
Dicionário
Aurélio Eletrônico – Século XXI.
a) Conforme a definição acima, você já leu algum best-seller? Qual?
Resposta pessoal do aluno.
b) Qual é a opinião da autora do texto sobre os best-sellers?
Ela os considera uma literatura com objetivo mais comercial.
c) Em que trecho do texto ela demonstra esse ponto de vista?
“Espécie de linha de montagem, começando a produção da obra com um
levantamento das expectativas do público”, “Como investimento comercial”.
d) Você concorda com a opinião de Marisa Lajolo a respeito dos best-sellers? Justifique sua resposta.
Resposta pessoal do aluno.
04 – Que tipo de frase é
usado nos dois parágrafos iniciais? Com que objetivo?
Frases interrogativas, usadas com o
objetivo de problematizar o conceito de literatura.
05 – Para garantir a
continuidade do assunto (a temática do texto), a autora articula as ideias
usando recursos sintáticos (relação
entre palavras e ideias) e semânticos
(escolha de vocábulos). Identifique a alternativa em que esses recursos não foram interpretados corretamente e
corrija-a no caderno.
a) [...] Esses textos não têm a mesma cidadania literária [...]
Retoma a ideia do parágrafo anterior, usando a palavra “textos”, de sentido mais amplo (hiperônimo).
b) [...] Já outros – muitos e muitos outros – não desfrutam desta festa toda. [...]
Contrapõe
escritores desconhecidos a escritores consagrados.
c) [...] Enquanto isso, em segmentos modernos e requintados da indústria livreira [...]
Introduz
uma situação simultânea mas contrastante em relação à do parágrafo anterior:
best-sellers x literatura popular.
d) [...] A resposta é simples. Tudo isso é, não é e pode ser que seja literatura. [...]
Enfatiza o que foi perguntado nos parágrafos anteriores.
A autora não enfatiza o que foi perguntado, mas responde, resumindo as questões apontadas ao longo do texto
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