domingo, 17 de julho de 2022

FÁBULA: O LEÃO E O RATO - MILLÔR FERNANDES - COM GABARITO

 Fábula: O Leão e o Rato  

              Millôr Fernandes

        Depois que o Leão desistiu de comer o Rato porque o Rato estava com espinho no pé (ou por desprezo, mas dá no mesmo), e, posteriormente, o Rato, tendo encontrado o Leão envolvido numa rede de caça, roeu a rede e salvou o Leão (por gratidão ou mineirice, já que tinha que continuar a viver na mesma floresta), os dois, Rato e Leão, passaram a andar sempre juntos, para estranheza dos outros habitantes da floresta (e das fábulas). E como os tempos são tão duros nas florestas quanto nas cidades, e como a poluição já devastou até mesmo as mais virgens das matas, eis que os dois se encontraram, em certo momento, sem ter comido durante vários dias. Disse o Leão:

        – Nem um boi. Nem ao menos uma paca. Nem sequer uma lebre. Nem mesmo uma borboleta, como hors-d’oeuvres de uma futura refeição.

        Caiu estatelado no chão, irado ao mais fundo de sua alma leonina. E, do chão onde estava, lançou um olhar ao Rato que o fez estremecer até a medula. “A amizade resistiria à fome?” – pensou ele. E, sem ousar responder à própria pergunta, esgueirou-se pé ante pé e sumiu da frente do amigo (?) faminto. Sumiu durante muito tempo. Quando voltou, o Leão passeava em círculos, deitando fogo pelas narinas, com ódio da humanidade. Mas o Rato vinha com algo capaz de aplacar a fome do ditador das selvas: um enorme pedaço de queijo Gorgonzola que ninguém jamais poderá explicar onde conseguiu (fábulas!). O Leão, ao ver o queijo, embora não fosse animal queijífero, lambeu os beiços e exclamou:

      – Maravilhoso, amigo, maravilhoso! Você é uma das sete maravilhas! Comamos, comamos! Mas, antes, vamos repartir o queijo com equanimidade. E como tenho receio de não resistir à minha natural prepotência, e sendo ao mesmo tempo um democrata nato e confirmado, deixo a você a tarefa ingrata de controlar o queijo com seus próprios e famélicos instintos. Vamos, divida você, meu irmão! A parte do Rato para o Rato; para o Leão, a parte do Leão.

        A expressão ainda não existia naquela época, mas o Rato percebeu que ela passaria a ter uma validade que os tempos não mais apagariam. E dividiu o queijo como o Leão queria: uma parte do Rato, outra parte do Leão. Isto é: deu o queijo todo ao Leão e ficou apenas com os buracos. O Leão segurou com as patas o queijo todo e abocanhou um pedaço enorme, não sem antes elogiar o Rato pelo seu alto critério:

        – Muito bem, meu amigo. Isso é que se chama partilha. Isso é que se chama justiça. Quando eu voltar ao poder, entregarei sempre a você a partilha dos meus bens que me couberem no litígio com os súditos. Você é um verdadeiro e egrégio meritíssimo! Não vai se arrepender!

        E o ratinho, morto de fome, riu o riso menos amarelo que podia, e ainda lambeu o ar para o Leão pensar que lambia os buracos do queijo, e enquanto lambia o ar, gritava, no mais forte que podiam seus fracos pulmões:

        – Longa vida ao Rei Leão! Longa vida ao Rei Leão!

        MORAL: Os ratos são iguaizinhos aos homens.

Disponível em: http://www2.uol.com.br/millor/fabulas/067.htm. Acesso em: 9 fev. 2015.

Fonte: Livro Língua Portuguesa – Singular & Plural – 7° ano – Laura de Figueiredo – 2ª edição. São Paulo, 2015 – Moderna. p. 163-5.

Entendendo a fábula:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Hors-d’oeuvres: prato leve e frio, servido antes da entrada ou do prato principal.

·        Esgueirou-se: saiu às escondidas.

·        Equanimidade: equilíbrio, imparcialidade.

·        Famélicos: famintos.

·        Litígio: conflito de interesses.

·        Súditos: aquele que estão submetidos à vontade de uma autoridade.

·        Egrégio: magnífico.

·        Meritíssimo: juiz.

02 – Essa fábula daria continuidade a que outra da tradição?

      A do leão e do rato, contada por Esopo.

03 – A voz do narrador está preocupada em recuperar exatamente o que acontecia na história original? O que você observou para chegar a essa conclusão?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Não, como ela manifesta em certas passagens entre parênteses, por exemplo: “(ou por desprezo, mas dá no mesmo”).

04 – Em nossa cultura, muitos estereótipos são atribuídos às pessoas de diferentes estados e regiões. O texto brinca com isso, ao dizer que talvez o rato tenha salvado o leão por mineirice. O que seria a “mineirice”?

      Mineirice, quer dizer que seria sujeitos moderados, sempre agindo com cautela, para não se comprometerem.

05 – Como você interpretaria a expressão “fábulas!”, no terceiro parágrafo?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Trata-se de certo deboche do narrador pelo absurdo de aparecer um queijo caro em meio à floresta, acontecimento só possível no mundo da imaginação.

06 – Localize no texto uma referência que pode ser tomada como discurso crítico à ação do homem no meio ambiente.

      “E como a poluição já devastou até mesmo as mais virgens das matas.”

07 – Releia: “– Nem um boi. Nem ao menos uma paca. Nem sequer uma lebre. Nem mesmo uma borboleta, como hors-d’oeuvres de uma futura refeição.”

a)   O que você percebe na enumeração dos animais: há uma lógica na sequência dessa enumeração?

Sim, vai do maior ao menor animal.

b)   Que ideia é reforçada com esse jeito de apresentar os animais na fala do leão?

A de falta absoluta de alimento.

c)   Por que o leão estava “com ódio da humanidade”?

Ele culpa o ser humano, como já havia feito explicitamente o narrador, pela falta de alimentos.

08 – Que parte do texto poderia ser relacionada com a parábola bíblica?

      A fala do leão ao rato: “A parte do rato para o rato; para o leão, a parte do leão”.

a)   Com que possíveis intenções de sentido ela foi usada pela personagem?

O leão quis lembrar ao rato que ele era o mais poderoso e, por isso, mereceria a maior parte.

b)   Você acha que ao dar essa fala para a personagem, o narrador reforça o que o leitor espera desse tipo? Por quê?

Resposta pessoal do aluno. Sugestão: A fala da personagem reforça as características e ações esperadas em relação ao que o leão representa no mundo das fábulas: prepotência, abuso de autoridade, etc.

09 – Releia: “A expressão ainda não existia naquela época, mas o Rato percebeu que ela passaria a ter uma validade que os tempos não mais apagariam.”. Estabeleça relações com as informações do boxe “Clipe”.

        Clipe

        Sem correção da tabela, mordida do IR será maior

        Acaba este ano o compromisso do governo federal de corrigir a tabela do Imposto de Renda (IR) em 4,5% para repor as perdas provocadas pela inflação [...]. Caso uma nova correção não seja definida até o fim do ano, o trabalhador pagará mais IR em 2011. O pagamento de mais imposto ocorre porque o contribuinte que teve aumento de renda poderá deixar de ser isento ou subir de faixa de tributação e receber uma mordida maior do Leão.

Publicado em: 17 nov. 2010. Disponível em: http://blogs.estaadao.com.br/jt-seu-bolso/sem-correcao-da-tabela-mordida-do-ir-sera-maior/. Acesso em: 2 fev. 2015. Fragmento.

a)   O que é imposto de renda?

O imposto que todo trabalhador precisa pagar sobre sua renda ou salário.

b)   A notícia é favorável ao contribuinte, isto é, ao trabalhador que paga os impostos?

Não, ela mostra que o contribuinte poderá pagar ainda mais impostos.

c)   Quem é o leão a que se refere a notícia?

O imposto de renda.

d)   Sabendo disso, que crítica pode estar implícita na parte da fábula que você releu?

Resposta pessoal do aluno. Sugestão: O texto permite pensar em nosso próprio contexto, em que o leão ainda exige sua, bem grande, parte.

10 – Como você interpretaria a moral da fábula?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: O rato precisou ceder a parte do leão para sobreviver, como fazem os cidadãos que estão na economia ativa.

11 – Agora é a sua vez! Pensando nas relações que o texto permite com a parábola e com a cobrança de imposto de renda em nossa sociedade, invente outra moral para a fábula com foco no leão.

      Resposta pessoal do aluno.

 

 

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