domingo, 31 de julho de 2022

POEMA: ÁRIES (21 DE MARÇO A 20 DE ABRIL) - THIAGO DE MELLO - COM GABARITO

 Poema: Áries (21 de março a 20 de abril)

            Thiago de Mello

Eu sei que Marte te ajuda,

companheiro.
Conheço bem de perto esse poder apaixonado,
a generosa força do teu signo de fogo.
Mas não confies demasiado. Cuidado contigo,
vejo um cansaço ao oeste do teu olho.
É preciso ter paciência com as vaidades verdes.
Evita a canção do vento que inventa
o redemoinho nas palavras,
e quando o sol estiver a pino
evita as próprias palavras,
um autêntico Áries deve preferir não dizer
quando o dizer é confundir.
O sectarismo está cravando no teu sonho
os seus dentes de nácar,
e nem te dás conta. Ademais, não são de nácar.

 

Não desanimes nunca, segue trabalhando

pelo reinado da claridão,
que, como sabes, ou precisas saber,
tem o gosto da vida
e a cor do sangue antes do amanhecer.
Tua luta te reserva grandes alegrias,
tanto mais belas porque repartidas,
e no começo do verão
resolverás definitivamente
teu grande problema secreto:
mas só se tiveres força
de olhar o sol de frente.


Pelo outono,

ligeiras perturbações cardiovasculares,
proporcionais ao medo
que circula em tuas artérias.

 

Os mais jovens,

ou os que ainda não perderam a juventude,
devem adiar sua noite de bodas
por umas poucas luas,
e ganhar bem esse tempo
para aprender devagarinho
que o compartir não dói e te acrescenta
de uma força maior que a das estrelas.
Os Áries que já se casaram,
que tratem de levar o barco
por águas mansas,
sem fazer mal a ninguém.
Haverá um instante da primavera
no qual os varões de Marte
que ainda resguardam a infância
(cuidado que ela está agonizante no peito!)
estarão extremamente sensíveis
à beleza das mulheres em geral.
Nem todos sucumbirão.

 

No meio do último decanato,

chegará um sol cinzento com grandes ameaças
à pobre face deste lindo mundo nosso.
Mas não te alteres:
continua fazendo a tua parte,
humilde e organizado,
na construção da alegria.

 

As mulheres morenas

devem acalmar o gênio,
e preferir
sobriamente
o sortilégio do quartzo rosado.

MELLO, Thiago de. A canção do amor armado. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. p. 45-46.

              Fonte: Livro Língua Portuguesa – Trilhas e Tramas – Volume 1 – Leya – São Paulo – 2ª edição – 2016. p. 168-171.

Entendendo o poema:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Sectarismo: intolerância; intransigência.

·        Nácar: substância branca, brilhante, com reflexos coloridos (róseos), que se encontra no interior das conchas.

·        Bodas: festa comemorativa de aniversário de casamento: bodas de prata (25 anos de casados); bodas de ouro (50 anos de casados) etc.

·        Varão: indivíduo do sexo masculino; homem corajoso, esforçado, respeitável.

·        Sucumbir: não resistir, ceder; ser vencido; ser derrotado.

·        Decanato: cada uma das três partes de dez graus em que se divide o signo do zodíaco.

·        Sortilégio: fascinação, sedução; bruxaria.

·        Quartzo: mineral ou “cristal de rocha” dura e transparente, de várias cores.

02 – Você já leu algum poema de Thiago de Mello?

      Resposta pessoal do aluno.

03 – O que a expressão “horóscopo para os que estão vivos” lhe sugere?

      Resposta pessoal do aluno.

04 – Que temáticas ou assuntos poderiam estar presentes em um livro intitulado A canção do amor armado?

      Resposta pessoal do aluno.

Horóscopo para os que estão vivos”: intertextualidade

        O poeta Thiago de Mello emprega o recurso da intertextualidade para construir o poema “Áries”, que integra um poema maior, intitulado “Horóscopo para os que estão vivos”, por sua vez, parte do livro A canção do amor armado.

        O poema “Áries” é uma paródia, pois sua construção se apropria do sentido do gênero “horóscopo” e o transgride.

        O termo horóscopo tem o sentido de “previsão astrológica”, isto é, previsão baseada nas posições dos planetas e dos signos zodiacais no momento em que a pessoa nasceu. Com base nisso, são feitas análises da personalidade e previsões a respeito do futuro dos nascidos em cada signo. Os horóscopos diários, publicados em veículos de comunicação, têm o objetivo de orientar os leitores e/ou ouvintes a respeito de suas emoções e comportamentos.

05 – Explique o título do poema: “Áries (21 de março a 20 de abril)”

      É composto de elementos linguísticos do gênero parodiado, o horóscopo: o nome de um dos signos do zodíaco (Áries) e os dias de nascimento de todos os nascidos sob esse signo: de 21 de março a 20 de abril.

06 – Explique o uso dos seguintes termos e expressões:

        Marte te ajuda; signo de fogo; um autêntico Áries; último decanato.

      São termos e expressões específicos do gênero parodiado: o horóscopo.

07 – Releia e explique os seguintes versos:

        Conheço bem de perto esse poder apaixonado, a generosa força do teu signo de fogo.

      Descrição positiva de quem pertence a um dos signos influenciados pelo elemento fogo (no caso, o signo de Áries).

08 – Releia e explique as seguintes expressões:

        Mas não confies demasiado; Cuidado contigo; É preciso ter paciência; evita as próprias palavras; Não desanimes nunca, segue trabalhando; Mas não te alteres

      São conselhos e advertências presentes em textos de autoajuda, como os horóscopos.

09 – Releia e explique estas outras expressões:

        Ganhar bem esse tempo / para aprender devagarinho; levar o barco / por águas mansas; sem fazer mal a ninguém; continua fazendo a tua parte, / humilde e organizado; devem acalmar o gênio

      São incentivos à prática de atos virtuosos, de boas ações, presentes em textos de autoajuda, como os horóscopos. Comente o uso do diminutivo devagarinho que dá um tom coloquial e afetivo aos versos.

10 – Para divulgar mensagens políticas, durante o período da censura e da ditadura militar (após 1964), os artistas empregavam a linguagem figurada em suas obras. Considerando essa informação:

a)   Explique o uso de metáforas nos versos a seguir.

·        No meio do último decanato, / chegará um sol cinzento com grandes ameaças / à pobre face deste lindo mundo nosso.

·        Mas não te alteres: / continua fazendo a tua parte, / humilde e organizado, / na construção da alegria.

·        Pelo outono, / ligeiras perturbações cardiovasculares, / proporcionais ao medo / que circula em tuas artérias.

·        Não desanimes nunca, segue trabalhando / pelo reinado da claridão.

As metáforas podem estar associadas a denúncias à censura, à ditadura militar, constituir um apelo ao engajamento nas causas políticas e sociais, assim como um apelo pela defesa dos direitos humanos. O eu poético pede ao leitor que não desanime de lutar pelo fim da ditadura.

b)   Explique o título do poema maior, no qual está inserido o poema “Áries”, entre outros onze signos/ poemas: “Horóscopo para os que estão vivos”.

Provavelmente, esse título faz referência às pessoas que sobreviveram a perseguições políticas, prisões, sequestros, torturas, desaparecimentos e assassinatos praticados durante a ditadura militar. O poema seria dedicado às pessoas que sobreviveram a isso, fazendo previsões a respeito de seu “futuro”.

c)   Explique o título do livro de Thiago de Mello em que o poema foi publicado: A canção do amor armado.

A expressão “amor armado” é um paradoxo, que consiste no emprego de palavras com sentidos contrários: amor = o bem; armado = o mal. Assim, ele pode ser interpretado como a necessidade de lutar sem cometer violência; de lutar sem abrir mão do sentimento amoroso.

11 – Quais são os objetivos comunicativos desse poema? Explique.

      Objetivo poético e estético, por meio do trabalho com a linguagem; objetivo de emocionar o leitor e de convencê-lo a lutar pela construção da alegria, da liberdade, da solidariedade e do compartilhamento, sem desanimar.

12 – Explique o uso na construção do poema de:

a)   Verbos no modo imperativo, como em:

·        [...] não confies demasiado.

·        [...] não te alteres: / continua fazendo a tua parte.

O modo imperativo é usado para dar orientações, conselhos: o tom do poema é de autoajuda.

b)   Verbos no futuro do presente do indicativo, como em:

·        Haverá um instante da primavera.

·        Chegará um sol cinzento com grandes ameaças.

Os verbos estão no futuro do presente do indicativo são usados para fazer previsões, como nos horóscopos.

 

 

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