Poema: Áries (21 de março a 20 de abril)
Thiago de Mello
Eu sei que Marte te
ajuda,
companheiro.
Conheço bem de perto esse poder apaixonado,
a generosa força do teu signo de fogo.
Mas não confies demasiado. Cuidado contigo,
vejo um cansaço ao oeste do teu olho.
É preciso ter paciência com as vaidades verdes.
Evita a canção do vento que inventa
o redemoinho nas palavras,
e quando o sol estiver a pino
evita as próprias palavras,
um autêntico Áries deve preferir não dizer
quando o dizer é confundir.
O sectarismo está cravando no teu sonho
os seus dentes de nácar,
e nem te dás conta. Ademais, não são de nácar.
Não desanimes nunca,
segue trabalhando
pelo reinado da claridão,
que, como sabes, ou precisas saber,
tem o gosto da vida
e a cor do sangue antes do amanhecer.
Tua luta te reserva grandes alegrias,
tanto mais belas porque repartidas,
e no começo do verão
resolverás definitivamente
teu grande problema secreto:
mas só se tiveres força
de olhar o sol de frente.
Pelo outono,
ligeiras perturbações cardiovasculares,
proporcionais ao medo
que circula em tuas artérias.
Os mais jovens,
ou os que ainda não perderam a juventude,
devem adiar sua noite de bodas
por umas poucas luas,
e ganhar bem esse tempo
para aprender devagarinho
que o compartir não dói e te acrescenta
de uma força maior que a das estrelas.
Os Áries que já se casaram,
que tratem de levar o barco
por águas mansas,
sem fazer mal a ninguém.
Haverá um instante da primavera
no qual os varões de Marte
que ainda resguardam a infância
(cuidado que ela está agonizante no peito!)
estarão extremamente sensíveis
à beleza das mulheres em geral.
Nem todos sucumbirão.
No meio do último decanato,
chegará um sol cinzento com grandes ameaças
à pobre face deste lindo mundo nosso.
Mas não te alteres:
continua fazendo a tua parte,
humilde e organizado,
na construção da alegria.
As mulheres morenas
devem acalmar o gênio,
e preferir
sobriamente
o sortilégio do quartzo rosado.
MELLO, Thiago
de. A canção do amor armado. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1978. p. 45-46.
Fonte: Livro Língua Portuguesa –
Trilhas e Tramas – Volume 1 – Leya – São Paulo – 2ª edição – 2016. p. 168-171.
Entendendo o poema:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Sectarismo: intolerância; intransigência.
·
Nácar: substância branca, brilhante, com reflexos coloridos
(róseos), que se encontra no interior das conchas.
·
Bodas: festa comemorativa de aniversário de casamento: bodas de
prata (25 anos de casados); bodas de ouro (50 anos de casados) etc.
·
Varão: indivíduo do sexo masculino; homem corajoso, esforçado,
respeitável.
·
Sucumbir: não resistir, ceder; ser vencido; ser derrotado.
·
Decanato: cada uma das três partes de dez graus em que se divide o
signo do zodíaco.
·
Sortilégio: fascinação, sedução; bruxaria.
·
Quartzo: mineral ou “cristal de rocha” dura e transparente, de várias
cores.
02 – Você já leu algum poema
de Thiago de Mello?
Resposta pessoal
do aluno.
03 – O que a expressão “horóscopo para os que estão vivos” lhe
sugere?
Resposta pessoal
do aluno.
04 – Que temáticas ou assuntos poderiam estar
presentes em um livro intitulado A
canção do amor armado?
Resposta pessoal do aluno.
“Horóscopo
para os que estão vivos”: intertextualidade
O poeta Thiago de Mello emprega o
recurso da intertextualidade para construir o poema “Áries”, que integra
um poema maior, intitulado “Horóscopo para os que estão vivos”, por sua
vez, parte do livro A canção do amor armado.
O poema “Áries” é uma paródia, pois sua
construção se apropria do sentido do gênero “horóscopo” e o transgride.
O termo horóscopo tem o sentido de
“previsão astrológica”, isto é, previsão baseada nas posições dos planetas e
dos signos zodiacais no momento em que a pessoa nasceu. Com base nisso,
são feitas análises da personalidade e previsões a respeito do futuro dos
nascidos em cada signo. Os horóscopos diários, publicados em veículos de
comunicação, têm o objetivo de orientar os leitores e/ou ouvintes a respeito de
suas emoções e comportamentos.
05 – Explique o título do
poema: “Áries (21
de março a 20 de abril)”
É composto de elementos linguísticos do
gênero parodiado, o horóscopo: o nome de um dos signos do zodíaco (Áries) e os
dias de nascimento de todos os nascidos sob esse signo: de 21 de março a 20 de
abril.
06 – Explique o uso dos
seguintes termos e expressões:
Marte te
ajuda; signo de fogo; um autêntico Áries; último decanato.
São termos e
expressões específicos do gênero parodiado: o horóscopo.
07 – Releia e explique os
seguintes versos:
Conheço
bem de perto esse poder apaixonado, a generosa força do teu signo de fogo.
Descrição
positiva de quem pertence a um dos signos influenciados pelo elemento fogo (no
caso, o signo de Áries).
08 – Releia e explique as
seguintes expressões:
Mas
não confies demasiado; Cuidado contigo; É preciso ter paciência; evita as
próprias palavras; Não desanimes nunca, segue trabalhando; Mas não te
alteres
São conselhos e
advertências presentes em textos de autoajuda, como os horóscopos.
09 – Releia e explique estas
outras expressões:
Ganhar
bem esse tempo / para aprender devagarinho; levar o barco / por águas
mansas; sem fazer mal a ninguém; continua fazendo a tua parte,
/ humilde e organizado; devem acalmar o gênio
São incentivos à prática de atos
virtuosos, de boas ações, presentes em textos de autoajuda, como os horóscopos.
Comente o uso do diminutivo devagarinho
que dá um tom coloquial e afetivo aos versos.
10 – Para divulgar mensagens
políticas, durante o período da censura e da ditadura militar (após 1964), os
artistas empregavam a linguagem figurada em suas obras. Considerando essa
informação:
a) Explique o uso de metáforas nos versos a seguir.
· No meio do último decanato, / chegará um sol cinzento com grandes ameaças / à pobre face deste lindo mundo nosso.
· Mas não te alteres: / continua fazendo a tua parte, / humilde e organizado, / na construção da alegria.
· Pelo outono, / ligeiras perturbações cardiovasculares, / proporcionais ao medo / que circula em tuas artérias.
· Não desanimes nunca, segue trabalhando / pelo reinado da claridão.
As metáforas podem estar associadas a denúncias à censura, à
ditadura militar, constituir um apelo ao engajamento nas causas políticas e
sociais, assim como um apelo pela defesa dos direitos humanos. O eu poético
pede ao leitor que não desanime de lutar pelo fim da ditadura.
b) Explique o título do poema maior, no qual está inserido o poema “Áries”, entre outros onze signos/ poemas: “Horóscopo para os que estão vivos”.
Provavelmente, esse título faz referência às pessoas que
sobreviveram a perseguições políticas, prisões, sequestros, torturas,
desaparecimentos e assassinatos praticados durante a ditadura militar. O poema
seria dedicado às pessoas que sobreviveram a isso, fazendo previsões a respeito
de seu “futuro”.
c) Explique o título do livro de Thiago de Mello em que o poema foi publicado: A canção do amor armado.
A expressão “amor armado” é um paradoxo, que consiste no emprego de
palavras com sentidos contrários: amor = o bem; armado = o mal. Assim, ele pode
ser interpretado como a necessidade de lutar sem cometer violência; de lutar
sem abrir mão do sentimento amoroso.
11 – Quais são os objetivos
comunicativos desse poema? Explique.
Objetivo poético
e estético, por meio do trabalho com a linguagem; objetivo de emocionar o
leitor e de convencê-lo a lutar pela construção da alegria, da liberdade, da
solidariedade e do compartilhamento, sem desanimar.
12 – Explique o uso na
construção do poema de:
a) Verbos no modo imperativo, como em:
·
[...] não confies demasiado.
·
[...] não te alteres: / continua
fazendo a tua parte.
O modo imperativo é usado para dar orientações, conselhos: o tom do
poema é de autoajuda.
b) Verbos no futuro do presente do indicativo, como em:
·
Haverá um
instante da primavera.
·
Chegará um
sol cinzento com grandes ameaças.
Os verbos estão no futuro do presente do indicativo são usados para
fazer previsões, como nos horóscopos.
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