Reportagem: Plantar árvores dá mais prazer do que fazer filmes
O cineasta paulista Fernando
Meirelles concilia o cinema com o ativismo em defesa das florestas e dedica boa
parte do seu tempo a acompanhar as questões ecológicas. Atualmente, anda pouco
entusiasmo com os eventos do setor no Brasil.
Por Maria da Paz Trefaut

Aos 56 anos, o cineasta Fernando
Meirelles integra a galeria dos melhores diretores do cinema brasileiro.
Entusiasta de filmes experimentais na juventude, criou programas para a
televisão, trabalhou com publicidade e dirigiu sucessos como Cidade de Deus, em
que usou a estética dos videoclipes para retratar a violência no Rio de Janeiro
– obra que concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2004. Depois,
vieram O jardineiro fiel e Ensaio sobre a cegueira, com atores e produtores
internacionais. Seu filme mais recente, 360, [...] foi filmado em Viena com os
atores Jude Law, Raquel Weisz e Anthony Hopkins. Em 2012, o cineasta iniciará
um longa baseado no livro Nêmesis, do inglês Peter Adams, sobre a vida do
multimilionário grego Aristóteles Onasis.
Tanto quanto [por] cinema, Meirelles
sempre se interessou por ecologia. No ano passado, chegou a ir ao Senado para
se posicionar contra o novo Código Florestal. Há cinco anos vem se dedicando a
um projeto de reflorestamento das matas ciliares da sua Fazenda Rifaina, em
Rifaina, no interior de São Paulo. Já replantou 2,8 hectares com 3 mil mudas de
32 espécies de árvores nativas, das quais muito se orgulha, e vai continuar
plantando. “Continuo melhorando meu viveiro de mudas nativas. Isso me dá mais
satisfação do que fazer filmes”, afirma. Nesta entrevista, Meirelles revela que
não está nada satisfeito com os rumos do Brasil.
Precisamos mudar de cultura para
adequar nossa civilização aos limites do planeta?
Sabemos que precisaríamos dos recursos
de três planetas para a população atual alcançar os padrões de consumo do
Primeiro Mundo. Esse parece ser o objetivo de todos os governos e habitantes.
Mas está claro que essas aspirações não cabem no espaço que temos. Apesar de
muitos estudos anunciando a falta iminente de minérios, de peixes ou de água
potável, nossa sociedade não sabe existir sem crescer. A mim parece óbvio que,
mesmo contando com a ciência para tornar mais eficiente o uso de energia e de
recursos naturais, uma hora vamos ter de inventar outra maneira de viver que
não dependa do crescimento.
Você integra o grupo Floresta Faz
Diferença. O que essa causa representa para você?
O www.florestafazdiferenca.org.br é o
site de uma associação de 144 ONGs criada para informar o debate sobre o Código
Florestal. Nele há informações a respeito das mudanças nocivas propostas para o
código e alternativas elaboradas pela Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência ou pela Academia Brasileira de Ciência. Há, também, depoimentos de
artistas, cientistas e técnicos. Tentamos iluminar a cabeça dos congressistas,
embora muitos pareçam ser à prova de luz. Esse novo Código Florestal pode vir a
ser um dos maiores erros já cometidos pelo Congresso, pois autoriza a derrubada
de uma quantidade de mata que dificilmente será recuperada um dia. A visão de
alguns ruralistas é estreita: eles não apresentam nenhum argumento que não seja
o lucro de curto alcance.
Há pessimismo sobre o esforço para se
controlar as mudanças climáticas. Estamos numa corrida contra o tempo?
Alguns cientistas dizem que estamos
quase no ponto em que o processo de aquecimento se torna irreversível. Outros,
que já ultrapassamos. Em 2000 estava claro que para o planeta não esquentar 2º
centígrados até 2050 as emissões de carbono teriam que ser reduzidas em 2% ao
ano, ao longo da década. Não aconteceu. Há indícios claros de que algo está
mudando muito mais rapidamente do que se previa.
Que exemplos o preocupam?
No norte do Canadá existe a chamada
Passagem do Nordeste, que era atravessada por barcos quebra-gelo no verão.
Desde 2007 ela fica completamente aberta durante o verão e, para a alegria dos
cargueiros, não há mais gelo. Em 2011 houve o maior degelo já registrado na
região. Quando essa passagem deixar de se fechar no inverno, a água aquecida
vai acelerar o degelo do Ártico. Isso pode causar um tal aumento do nível dos
oceanos que a rua Ataulfo de Paiva, no Leblon, no Rio, poderá se transformar
num embarcadouro mais cedo do que imaginamos. Mesmo assim o Brasil investe toda
sua energia em mais extração de óleo e tenta acelerar o crescimento. Maluco,
não?
O desenvolvimento da China, da Índia
e do Brasil diminui a pobreza global, mas aumenta os impactos socioambientais.
Dá para desarmar o impasse?
Uma hora não será uma questão de querer
ou não desarmar o impasse. Não haverá mais recursos naturais e ponto. Segundo a
ONU, há 1,1 bilhão de pessoas sem acesso a água potável. Massas de refugiados
estão começando a se deslocar no norte da África. Isso pode provocar mudanças
geopolíticas e conflitos entre países. a China tem planos para ampliar a
dessalinização da água do mar. Como essa água é mais cara, será usada de
maneira mais racional. É pena que só assim consigamos ser mais racionais.
Você acha que há empenho em mudar o
modelo de vida consumista que temos?
Muito pouco. Ambientalista ainda é
sinônimo de chato, quando não de hippie maconheiro. “É gente contra o
progresso, que acredita que comida nasce em supermercado”, diz a inacreditável
senadora Kátia Abreu. Em curto prazo entendo por que se associa crescimento a
bem-estar. O problema é que a visão de longo prazo não cabe no sistema visual
dos homens públicos: eles trabalham com horizontes que vão, no máximo, até as
próximas duas ou três eleições.
A mensagem ambiental prega comprar
menos, gastar menos, dirigir menos, compartilhar recursos, sacrifícios e
severidade. É avessa à abundância e ao desfrute. Dá para mudar essas
percepções?
Não acho que haveria menos desfrute num
mundo que consumisse menos bens. Desfruto mais da minha vida quando uso meu
dinheiro e meu tempo para ler, estudar, ir ao cinema, praticar esporte,
encontrar os amigos ou ouvir música. Essas atividades são sustentáveis e mais
desfrutáveis do que achar vaga em estacionamento de shopping para comprar
bugigangas que não preciso e que entopem armários.
Qual é sua atitude diante do automóvel,
da bicicleta e dos meios de transporte urbanos?
Moro fora da cidade de São Paulo, num
lugar que, infelizmente, não tem opção de transporte público. Organizei minha
vida para não ter que sair de casa todos os dias. Quando tenho que ir ao
centro, deixo meu carro próximo a uma estação e vou de metrô. Quase não uso
ônibus, devido à falta de qualidade do serviço – não há corredores de trânsito,
as viagens são muito demoradas, há poluição –, mas seria um usuário assíduo se
houvesse opção melhor. Fora do Brasil, raramente tomo táxi. Só uso bicicleta ou
transporte público. Em Los Angeles sou obrigado a alugar carro, pois, como
aqui, as opções de transporte público são pouco eficientes.
No passado todos se diziam
democratas. Agora todas as empresas e todos os países se dizem sustentáveis. A
palavra está desgastada?
Virou um ponto de venda, uma questão de
marketing, mais do que uma efetiva preocupação com os processos de produção e
uso de energia e de recursos. Mesmo assim, é louvável que a sustentabilidade
tenha se tornado um valor desejável. Ao anunciar um apartamento sustentável,
mesmo que o imóvel não seja de fato lá essas coisas, vende-se a ideia de
responsabilidade ambiental como um valor desejável.
[...]
Você é contra o eucalipto?
Não. Acho que serve como combustível e
para a produção de celulose. Mas querer usar plantação de eucalipto como
reserva legal de floresta é palhaçada. Quantos passarinhos você já ouviu num
bosque de eucaliptos? Não é por ser árvore que vamos acreditar que lavoura de
eucalipto seja floresta. Floresta tem que ter diversidade.
O cinema pode mitigar as emissões de
carbono?
Como toda forma de comunicação, o
cinema pode ajudar a mudar comportamentos ao informar e tocar as pessoas.
Lembro que fiquei extremamente impactado ao assistir a filmes como o francês
Home – nosso Planeta, nossa casa ou o norte-americano Food Inc. São filmes
sensacionais a respeito dos temas desta entrevista.
Planeta, nº 472.
Fonte: Livro –
Português: Linguagens, 2. William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 9ª Ed.
– Ensino médio. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 240-241.
Entendendo a reportagem:
01 – Quem é Fernando Meirelles
e qual a sua principal atividade profissional mencionada na reportagem?
Fernando
Meirelles é um cineasta paulista, conhecido por dirigir filmes como
"Cidade de Deus", "O Jardineiro Fiel" e "Ensaio sobre
a Cegueira".
02 – Além do cinema, qual
outra área de interesse e atuação é destacada em relação a Fernando Meirelles?
Além do cinema,
Meirelles demonstra um grande interesse e atuação na área da ecologia e do
ativismo em defesa das florestas.
03 – Qual projeto de reflorestamento
Meirelles está desenvolvendo e onde ele está localizado?
Meirelles está
dedicando-se a um projeto de reflorestamento das matas ciliares de sua Fazenda
Rifaina, localizada em Rifaina, no interior de São Paulo.
04 – Segundo Meirelles, o que
lhe proporciona mais satisfação atualmente: plantar árvores ou fazer filmes?
Segundo
Meirelles, melhorar seu viveiro de mudas nativas e plantar árvores lhe dá mais
satisfação do que fazer filmes.
05 – Qual a crítica de
Meirelles em relação ao novo Código Florestal brasileiro?
Meirelles critica
o novo Código Florestal por considerar que ele autoriza a derrubada de uma
grande quantidade de mata que dificilmente será recuperada, e por perceber uma
visão estreita dos ruralistas focada apenas no lucro de curto alcance.
06 – Qual exemplo geográfico
preocupa Meirelles em relação ao aquecimento global e suas consequências?
Meirelles se
preocupa com o degelo da Passagem do Nordeste, no norte do Canadá, que está
ficando completamente aberta durante o verão, acelerando o degelo do Ártico e
podendo causar um aumento significativo no nível dos oceanos.
07 – Qual a visão de Meirelles
sobre o modelo de vida consumista e o empenho em mudá-lo?
Meirelles
acredita que há pouco empenho em mudar o modelo de vida consumista, e que
ambientalista ainda é visto de forma negativa por muitos, com uma visão de
curto prazo prevalecendo entre os homens públicos.
08 – Como Meirelles descreve
suas preferências de lazer em relação ao consumo de bens materiais?
Meirelles afirma
que desfruta mais da vida ao investir seu tempo e dinheiro em atividades como
leitura, estudo, cinema, esportes, amigos e música, considerando-as mais
sustentáveis e prazerosas do que o consumo excessivo de bens desnecessários.
09 – Qual a opinião de
Meirelles sobre a palavra "sustentabilidade" no contexto atual?
Meirelles
acredita que a palavra "sustentabilidade" se tornou um ponto de venda
e marketing, muitas vezes sem uma preocupação efetiva com os processos de
produção e uso de recursos, embora reconheça que é positivo que tenha se
tornado um valor desejável.
10 – Qual a ressalva de
Meirelles em relação ao plantio de eucalipto como reserva legal de floresta?
Meirelles não é contra o eucalipto para
certos fins, como combustível e celulose, mas considera um erro utilizá-lo como
reserva legal de floresta, pois um bosque de eucaliptos não possui a
diversidade de uma floresta nativa.
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