quarta-feira, 2 de abril de 2025

CONTO: A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA - FRAGMENTO - GUIMARÃES ROSA - COM GABARITO

 Conto: A hora e a vez de Augusto Matraga – Fragmento

           Guimarães Rosa

        Mas, afinal, as chuvas cessaram, e deu uma manhã em que Nhô Augusto saiu para o terreiro e desconheceu o mundo: um sol, talqualzinho a bola de enxofre do fundo do pote, marinhava céu acima, num azul de água sem praias, com luz jogada de um para o outro lado, e um desperdício de verdes cá embaixo – a manhã mais bonita que ele já pudera ver.

 Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEimtXtzrxY2ucsUMNmt5b95OMueUkTs8XGOuU5uZtLofNXYSeK8GL-AuRuOuVZXbzFksxg7rgzT5aZzSDbpg0g9D5axQuM7wvUCDaep0RMFY2zjsaW1Df0-uqC9hecVW51uZL-XV3gIvta6A35oPsEaFhZ8mpGPmj0ALf-V_gbNN4re9vSILtVDitAwmEg/s1600/images.jpg


        Estava capinando, na beira do rego.

        De repente, na altura, a manhã gargalhou: um bando de maitacas passava, tinindo guizos, partindo vidros, estralejando de rir. E outro. Mais outro. E ainda outro, mais baixo, com as maitacas verdinhas, grulhantes, gralhantes, incapazes de acertarem as vozes na disciplina de um coro.

        Depois, um grupo verde-azulado, mais sóbrio de gritos e em fileiras mais juntas.

        – Uai! Até as maracanãs!

        E mais maitacas. E outra vez as maracanãs fanhosas. E não se acabavam mais. Quase sem folga: era uma revoada estrilando bem por cima da gente, e outra brotando ao norte, como pontozinho preto, e outra – grão de verdura – se sumindo no sul.

        – Levou o diabo, que eu nunca pensei que tinha tantos!

        E agora os periquitos, os periquitos de guinchos timpânicos, uma esquadrilha sobrevoando outra ... E mesmo, de vez em quando, discutindo, brigando, um casal de papagaios ciumentos. Todos tinham muita pressa: os únicos que interromperam, por momentos, a viagem, foram os alegres tuins, os minúsculos de cabecinha amarela, que não levam nada a sério, e que choveram nos pés de mamão e fizeram recreio, aos pares, sem sustar o alarido — rrr!-rrri!! rrr!-rrri!! ...

        Mas o que não se interrompia era o trânsito das gárrulas maitacas. Um bando grazinava alto, risonho, para o que ia na frente:
— Me espera! Me espera!... — E o grito tremia e ficava nos ares, para o outro escalão, que avançava lá atrás.


        — Virgem! Estão todas assanha­das, pensando que já tem milho nas roças... Mas, também, como é que podia haver um de-manhã mesmo bonito, sem as maitacas?!...

        O sol ia subindo, por cima do voo verde das aves itinerantes. Do outro lado da cerca, passou uma rapariga. Bonita! Todas as mulheres eram boni­tas. Todo anjo do céu devia de ser mulher."

        [...]

João Guimarães Rosa, em “A hora e a vez de Augusto Matraga”.

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 423-424.

Entendendo o conto:

01 – Qual a transformação na paisagem que Nhô Augusto observa após as chuvas?

      Após as chuvas, Nhô Augusto se depara com uma manhã ensolarada e vibrante, com um céu azul intenso e uma profusão de verde na vegetação, descrevendo a manhã como a mais bonita que já viu.

02 – Que elementos da natureza chamam a atenção de Nhô Augusto na manhã descrita?

      Nhô Augusto fica impressionado com a quantidade e variedade de aves que cruzam o céu, como maitacas, maracanãs, periquitos e papagaios, além da beleza do sol e da paisagem verdejante.

03 – Como as aves são descritas no texto?

      As aves são descritas com uma linguagem rica em sons e cores, com referências aos seus gritos, como "tinindo guizos" e "grulhantes, gralhantes", e às suas cores, como "verdinhos" e "verde-azulado".

04 – Qual a reação de Nhô Augusto ao observar a revoada de aves?

      Nhô Augusto expressa surpresa e admiração diante da quantidade de aves, exclamando: "Levou o diabo, que eu nunca pensei que tinha tantos!".

05 – Que reflexão Nhô Augusto faz sobre as maitacas?

      Nhô Augusto comenta que as maitacas parecem estar "assanhadas", como se estivessem ansiosas pela colheita de milho, e reconhece que a beleza da manhã está intrinsecamente ligada à presença delas.

06 – Como a figura da mulher é apresentada no final do fragmento?

      A figura da mulher é idealizada e associada à beleza da paisagem e à figura angelical, com a frase: "Todas as mulheres eram bonitas. Todo anjo do céu devia de ser mulher.".

07 – Qual a importância da descrição da natureza no fragmento?

      A descrição da natureza exuberante serve como um contraponto à aridez do sertão e à violência presente em outras partes do conto, além de revelar a sensibilidade de Nhô Augusto e sua capacidade de se maravilhar com a beleza do mundo.

 

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