Crônica: Conversa contemporânea – Fragmento
FABRÍCIO CORSALETTI
-- Hmmm, Renata, tá uma delícia!
-- Que bom que vocês gostaram.
-- Fantástico!
-- Incrível!
-- Ma-ra-vi-lho-so!
-- Genial, Renatinha!

-- É fácil de fazer. É só escolher bem
os olhos de tatu, temperar com capacetes frescos...
-- De motoboy?
-- Não. Tem que ser de motocross.
-- Tá. E que mais?
-- Aí afogam-se as folhas de manjericão
em azeite de lágrimas, e forno!
-- Eu disse que era azeite de lágrimas!
-- E essa torta, como você conseguiu
essa textura?
-- Me passa o vinho, por favor?
-- Simples. Vai no Santa Bárbara,
compra picanha de grilo moída e mistura com polvilho alemão. Pronto. Se quiser,
joga umas presilhas por cima que fica ótimo. O Túlio não gosta. Né, amor?
-- Demais, Renatinha, demais!
-- Mano, ontem fui no Le Bateau, ou Le
Manteau, não lembro agora...
-- É Le Manteau.
-- Tá, não importa. Comi uma quiche que
foi a melhor quiche que comi na vida. De cebolinha com fios de cabelo de
albinos calvos. Coisa de louco.
[...]
-- Ixe, esqueci a sobremesa no fogo. Já
volto.
-- Ela tá feliz, né?
-- Super!
-- E como ela tá mandando bem!
-- As suas massas também são ótimas,
Marcos.
-- Por que cê tá me falando isso? Não
precisa me comparar com a Renata. Parece que eu tô com inveja dela.
-- Tá um pouquinho...
-- Era só o que me faltava.
-- Abram espaço que eu tô chegando...
Licença! Licençaaa...
-- Uhu!
-- Aêêê!
-- O que é?
-- Doce de leite de baby camelo com
pêssegos frígidos aquecidos em banho josé maria.
-- Hmmmmm...
-- Arrasou!
-- Me passa o vinho? Ei, me passa o
vinho aí!
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/1076377-conversa-contemporanea.shtml. Acesso em: 27/4/2012.
Fonte: Livro –
Português: Linguagens, 2. William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 9ª Ed.
– Ensino médio. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 205.
Entendendo a crônica:
01 – Qual a atmosfera geral da
conversa inicial entre os personagens e como eles avaliam a comida de Renata?
A atmosfera
inicial da conversa é bastante efusiva e elogiosa. Os personagens utilizam
exclamações e adjetivos como "delícia", "fantástico",
"incrível", "maravilhoso" e "genial" para
expressar que gostaram muito da comida de Renata.
02 – Qual é o tom predominante
nas "receitas" apresentadas por Renata e qual o efeito desse tom na
conversa?
O tom
predominante nas "receitas" de Renata é claramente irônico e absurdo.
Ela descreve ingredientes e preparações surreais, como "olhos de tatu
temperados com capacetes frescos de motocross" e "folhas de
manjericão afogadas em azeite de lágrimas". Esse tom cria um efeito cômico
e de estranhamento na conversa, contrastando com os elogios exagerados e
revelando uma possível crítica à superficialidade dos comentários.
03 – Como os outros
personagens reagem às descrições inusitadas dos pratos de Renata?
Inicialmente, os
outros personagens parecem não notar a estranheza das descrições de Renata,
seguindo com seus elogios entusiásticos. Há uma breve confusão sobre o tipo de
capacete ("de motoboy?" / "Não. Tem que ser de
motocross."), mas logo a conversa prossegue sem questionamentos sobre a
veracidade dos ingredientes.
04 – Qual a reação de Marcos
ao elogio feito às suas massas e o que essa reação sugere sobre seus sentimentos
em relação a Renata?
Marcos reage com irritação ao elogio de
suas massas, interpretando-o como uma comparação desfavorável com Renata e
insinuando que ele estaria com inveja dela ("Por que cê tá me falando
isso? Não precisa me comparar com a Renata. Parece que eu tô com inveja
dela."). Essa reação sugere que Marcos se sente inseguro ou competitivo em
relação ao sucesso culinário de Renata.
05 – Qual a natureza da
sobremesa trazida pelo último personagem a chegar e como os outros reagem a
ela?
A sobremesa
trazida pelo último personagem é descrita de forma igualmente extravagante e
incomum: "Doce de leite de baby camelo com pêssegos frígidos aquecidos em
banho josé maria". A reação dos outros é positiva e entusiástica, com
exclamações como "Hmmm..." e "Arrasou!".
06 – Que elemento se repete ao
longo da conversa, indicando talvez um certo foco ou desejo dos personagens?
A pergunta
"Me passa o vinho?" se repete ao longo da conversa, sugerindo que a
bebida é um elemento importante e presente no encontro, talvez indicando um
desejo de descontração ou um acompanhamento constante da refeição.
07 – Qual a possível crítica
ou reflexão que a crônica pode estar levantando sobre as conversas
contemporâneas a partir desse fragmento?
A crônica pode
estar levantando uma crítica à superficialidade e à falta de profundidade em
algumas conversas contemporâneas, onde elogios vazios e descrições absurdas são
aceitas sem questionamento. A ausência de uma reação genuína às
"receitas" de Renata e a preocupação de Marcos com a comparação
sugerem uma sociedade focada na aparência e na competição, em vez de uma
comunicação autêntica e atenta aos detalhes. A crônica utiliza o humor e o
absurdo para satirizar essa dinâmica social.
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