quarta-feira, 9 de abril de 2025

CONTO: ME RESPONDA, SARGENTO - DALTON TREVISAN - COM GABARITO

 Conto: Me responda, sargento 

            Dalton Trevisan

        Dez anos, sargento, apartada do João. Uma tarde, sem se despedir, montou no cavalinho pampa, em dez anos de espera nunca deu notícia. Com a morte do meu velho, que me deixou o sítio, quinze dias atrás lá estava eu, bem quieta, cuidando da casa e da criação, ajudada pelo meu afilhado José, esse anjo de oito aninhos. Quem vai entrando sem bater palma nem pedir licença? Chegou maltrapilho, chapéu na mão me rogou para fazer vida comigo. Mais de espanto que de saudade aceitei, bom ou mau, eu disse, é o meu João. 

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi1MGTFza2Tp4zynINPMNu-L5R-QUh274-oLdSYZs3dhlyBJ9-3LbpAY08T2VwXtQJ9t01Cj3DqyRlw1EtxMmfZtB4S31RGasB8rDx7X5bw4NYiyGBhDZNSsKE09EQO9gdd73MnDlJ0XBA6E8PKdPwUu_PK5YA6cBA3CcHJTklTJwsM1Ly9n2nj93mt_sw/s320/SARGENTO.jpeg


        Nos primeiros dias foi bonzinho, quem não gosta de uma cabeça de homem no travesseiro? Logo começou a beber, não me valia em nada no sítio. Eu saía bem cedo com o menino a lidar na roça, o bichão ficava dormindo. Bocejando de chinelo e desfrutando as regalias, não quer castigar o corpinho, não joga um punhado de milho para as galinhas. Só então, sargento, burra de mim, descobri o mistério: ele voltou por amor da herança. Na primeira semana vendeu o leitão mais gordo do chiqueiro, não me deu satisfação, o sargento viu algum dinheiro? Nem eu. 

        Ontem chegou bêbado e de óculos escuro, espantou o menino para o terreiro e, fechados no quarto, bradou que eu tinha um amante, o meu afilhado bem que era filho e, antes de contar até três, eu dissesse o nome do pai. Por mais que, de joelho e mão posta, negasse que havia outro homem, por mim o testemunho dos vizinhos, ele me cobriu de palavrão, murro, pontapé. Pegou da espingarda, me bateu com a coronha na cabeça. Obrigou a rezar na hora da morte e pedir louvado. Que eu abrisse a boca, encostou o cano, fez que apertava o gatilho. Não satisfeito, sacou da garrucha, apagou o lampião a bala. Disparou dois tiros na minha direção, só não acertou porque me desviei. Uma bala se enterrou na porta, a outra furou a cortina, em três pedaços a cabeça do São Jorge. 

        Cansado de reinar, deitou-se vestido e de sapato, que a escrava servisse a janta na cama. Provou uma garfada e atirou o prato, manchando de feijão toda a parede: “Quero outra, esta não prestou”. Deus me acudiu, ao voltar com a bandeja ele roncava espumando pelo dente de ouro. Agarrei meu filho, chorando e rezando corri a noite inteira, ficasse lá no sítio era dona morta. E agora, sargento, que vai ser da minha vida, que é que eu faço? 

Dalton Trevisan. Vozes do retrato. São Paulo: Ática, 1991. p. 47.

Fonte: Livro – Português: Linguagem, 8ª Série – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 4ª ed. – São Paulo: Atual Editora, 2006. p. 118.

Entendendo o conto:

01 – Qual é o tema central do conto?

      O conto aborda a violência doméstica e a exploração, retratando a história de uma mulher que sofre nas mãos do marido. Dalton Trevisan explora as profundezas da crueldade humana e a fragilidade das relações interpessoais.

02 – Como a linguagem utilizada por Dalton Trevisan contribui para a atmosfera do conto?

      Trevisan utiliza uma linguagem crua e direta, com frases curtas e objetivas, que intensificam a sensação de urgência e desespero da narradora. A ausência de floreios e a precisão das descrições criam uma atmosfera sufocante e opressiva.

03 – Qual o significado da figura do sargento na narrativa?

      O sargento representa a figura da autoridade, a quem a narradora recorre em busca de ajuda e proteção. Ele é o ouvinte silencioso da história, e sua presença implícita intensifica a sensação de impotência da narradora diante da violência que sofre.

04 – Como a personagem feminina é retratada no conto?

      A personagem feminina é retratada como uma vítima da violência doméstica, mas também como uma mulher forte e resiliente. Apesar do sofrimento, ela busca ajuda e tenta proteger seu afilhado. A personagem é complexa e multifacetada, e sua voz ressoa com a dor e a esperança de muitas mulheres que sofrem com a violência.

05 – Qual a importância do cenário rural na narrativa?

      O cenário rural, com o sítio e a vida simples, contrasta com a violência e a brutalidade das ações do marido. Essa dicotomia intensifica a sensação de isolamento e vulnerabilidade da narradora, que se encontra à mercê do marido em um ambiente remoto e isolado.

06 – Como o título do conto se relaciona com a narrativa?

      O título "Me responda, sargento" expressa o apelo desesperado da narradora por ajuda e orientação. A pergunta implícita no título reflete a sua incerteza quanto ao futuro e a sua busca por respostas em meio ao caos e à violência.

07 – Qual a mensagem principal que Dalton Trevisan transmite com esse conto?

      Dalton Trevisan transmite uma mensagem de alerta sobre a violência doméstica e a necessidade de combater esse problema social. O conto expõe a crueldade e a brutalidade da violência, mas também celebra a força e a resiliência das vítimas.

 

 

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