Miniconto: Despedida
Dalton
Trevisan
Meu pai leva-me à porta do famoso
noturno para a cidade grande:
-- Cuide-se, meu filho. É um mundo
selvagem.
Esse verbo clamante no teu ouvido. Por
delicadeza, perdi a minha voz. Ó profetas ó sermões!

-- Longe da família, será você contra
todos.
Homem não se beija nem abraça, nos
apertamos duramente as mãos. Me instalo a uma das janelas, com a vidraça
descida. Mais que me esforce, impossível erguê-la. Já não podemos falar. Esse
pai dos pais ali na plataforma, mudo e solene. O trem não parte. Fumaça da
estação? De repente ei-lo de olhos marejados.
E, sem querer, também eu comovido.
Diante de mim o feroz tirano da família? Ditador da verdade, dono da palavra
final? Primeira vez, em tantos anos, vejo um senhor muito antigo. Pobre
velhinho solitário. o trem não parte. Meu pai saca o relógio do colete, dois
giros na corda. Pressuroso, digo que se vá. Doente, não apanhe friagem. E ele
sem escutar.
Olha
de novo o relógio. Aceno que pode ir, não espere a partida. Quer ver a hora?
Exibe o patacão na ponta da corrente dourada. Nosso último encontro, sei lá. E,
ainda na despedida, o eterno equívoco entre nós. Maldita vidraça de silêncio a
nos separar. Desta vez para sempre.
Dalton Trevisan. Quem tem medo de vampiro? São Paulo: Ática, 1998. p.
75-76.
Fonte: Livro –
Português: Linguagens, 2. William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 9ª Ed.
– Ensino médio. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 161.
Entendendo o miniconto:
01 – Qual o cenário e a
situação inicial apresentada no miniconto?
O cenário é a
plataforma de uma estação de trem, onde o pai leva o filho para se despedir
antes de sua partida para a cidade grande em um "famoso noturno". A situação
inicial é o momento da despedida entre pai e filho.
02 – Quais conselhos o pai
oferece ao filho antes da partida e como o narrador reage a essas palavras?
O pai oferece
dois conselhos ao filho: "Cuide-se, meu filho. É um mundo selvagem" e
"Longe da família, será você contra todos". O narrador descreve o
primeiro conselho como um "verbo clamante" que o silencia ("Por
delicadeza, perdi a minha voz. Ó profetas ó sermões!").
03 – Como a relação entre pai
e filho é retratada no momento da despedida, especialmente em relação à
demonstração de afeto e à comunicação?
A relação é
retratada como formal e distante em termos de afeto físico ("Homem não se
beija nem abraça, nos apertamos duramente as mãos"). A comunicação se
torna progressivamente mais difícil devido à vidraça que não se abre,
simbolizando uma barreira de silêncio entre eles.
04 – Que transformação na
percepção do filho em relação ao pai ocorre durante a despedida e qual o motivo
dessa mudança?
Durante a
despedida, o filho tem uma nova percepção do pai. Ele o vê pela primeira vez
como um "senhor muito antigo", um "pobre velhinho
solitário", em contraste com a imagem anterior de "feroz tirano da
família" e "ditador da verdade". Essa mudança ocorre ao perceber
a emoção do pai (olhos marejados) e sua aparente fragilidade e preocupação.
05 – Qual o significado da
insistência do pai em mostrar o relógio e da menção ao "eterno
equívoco" e à "maldita vidraça de silêncio"?
A insistência do
pai em mostrar o relógio pode simbolizar a preocupação com o tempo do filho na
cidade grande ou talvez uma tentativa de compartilhar um último gesto
significativo. O "eterno equívoco" e a "maldita vidraça de
silêncio" representam a dificuldade de comunicação e a distância emocional
que sempre existiu entre eles, culminando nessa despedida que o narrador
pressente ser definitiva ("Desta vez para sempre"). A vidraça se
torna uma metáfora da incomunicabilidade que os separou ao longo da vida e que
persiste no derradeiro encontro.
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