Reportagem: A ditadura da moda – Fragmento
Uma garota morre de
vontade de comer cachorro-quente e tomar sorvete, mas não come nada porque quer
que lhe caia bem uma calça de cintura baixa que acabou de comprar. Um rapaz
odeia fazer exercícios, mas passa horas na academia só pra ter o corpo malhado
e ser elogiado pelas garotas. Afinal, quem é que manda em nosso corpo e em
nossas vontades? Que valores são esses que, quando menos percebemos, começamos
a incorporar?

Diários
do terror
Garotas correm risco de
morrer ao defender em blogs a anorexia e a bulimia como estilo de vida
Um perigo para a saúde internet. Para
defender o que estilo de vida e que, na verdade, são dois distúrbios
alimentares graves que podem levar à morte, algumas meninas escrevem blogs,
participam de discussões e criam comunidades no Orkut dedicados à bulimia e à
anorexia.
A anorexia faz com que meninas, mesmo
magras, se sintam gordas e não comam; já a bulimia é marcada por episódios de
compulsão alimentar seguidos de culpa. É comum passar de urna doença para a
outra.
Cúmplices nesse suicídio lento, algumas
meninas criam uma rede amigas virtuais, na qual se conhecem apenas pelo MSN
(programa de mensagens instantâneas), por e-mail, cartas e pelos comentários
que deixam nos blogs (diários on-line) das outras. Com idades entre 15 e 17
anos, descobrem nos sites uma maneira de conseguir apoio para continuarem
doentes, usando esses blogs para confessar práticas como vomitar após comer e
dietas conhecidas por "no food" (sem comida), na qual ficam muitos
dias sem se alimentar.
Esses sites também acabam atraindo
garotas que têm todos os fatores de risco para desenvolver um distúrbio
alimentar para embarcar nessa prática mortal.
Chamam-se entre si de “ana” e “mia”,
nomes “carinhosos” para defender a anorexia e a bulimia. Nos blogs,
"miar" é sinônimo de "vomitar". Sem limites, elas querem
ser as mais magras possíveis. Sofrem ainda de forte depressão e são
indiferentes quanto ao risco de morte que correm.
Sem sair da frente do computador, elas
trocam dicas de corno provocar o vômito, de como enganar os familiares e amigos
e de como suportar ficar dias sem comer. "A anorexia e a bulimia” são dois
grandes estados de solidão. Elas dizem que não é doença, é opção de vida. Não é
verdade. Quando a doença toma conta, tira delas qualquer opção", afirma a
psiquiatra Tatiana Moya, que defendeu tese na USP sobre transtornos
alimentares.
"Fiz o blog há um ano para contar
a minha vida. Começaram a visitá-lo e daí conheci outros. Na internet eu posso
ser qualquer um", conta Renata, 17 anos, que tem 1,63 m e 48 kg. Para ela,
"35 kg estará de bom tamanho", apesar de saber que, antes de chegar a
esse peso, já poderá estar morta. "Sinto os meus batimentos cardíacos
fracos e a capacidade dos meus pulmões meio reduzida. Não é agradável, mas é
necessário, embora eu saiba que posso morrer antes."
A família dela já sabe do problema, mas
não do blog. Renata é tratada por um psicólogo e um psiquiatra. "Eles me
dizem o quanto é bom comer, que é sinal de felicidade. Para meu psiquiatra,
tenho um misto de anorexia e bulimia, mas para mim não é. Não estou doente.
Sinto-me indiferente."
Nesse universo secreto, há até uma
certa disputa macabra de quem consegue ficar mais tempo em uma dieta "no
food". "Já fiquei oito dias sem comer nada. Depois, o corpo não vai
aguentar uma quantidade estúpida de comida."
A desculpa de muitas garotas para
seguir essa dieta mortal é à pressão da mídia e da publicidade. "Vivemos
vendo aquelas modelos magérrimas em propagandas e todas aquelas mulheres
maravilhosas na TV Com isso nos sentimos inferiores. A mais feia das
feias", diz a gaúcha Karina, 16 anos, 1,70 m de altura, 55 kg, que quer
pesar menos de 50 kg. "As adolescentes são mais suscetíveis às pressões para
emagrecer. O estopim para desencadear esse processo doentio pode ser a imagem
de magreza que o mercado da moda e a mídia colocam como ideal", diz a
psicanalista Maria Beatriz Meirelles Leite, consultora de agências de modelos.
Todas as entrevistadas pelo Folha Teen
concordam que os blogs as influenciaram a seguir práticas que podem levar à
anorexia. A gaúcha Karina aprendeu técnicas de como vomitar em um dos sites.
"Os blogs me dão força de vontade. Fiz amigas, com as quais converso no
MSN, mas não nos conhecemos pessoalmente." Disfarçar a existência do blog'
é fácil; difícil é esconder às vezes que se vomita. "Procuro não fazer
barulho. Lavo o rosto e vou para o quarto. Já vomitei sete vezes num dia",
diz Karina.
A paranaense Isabel, 15 anos, 1,70 m de
altura, 64 kg, quer pesar 45 kg. Ela sobe na balança todos os dias, pela manhã,
e diz que se sente horrível. Criou o blog há menos de um mês. "Fiquei
sabendo deles quando, por curiosidade, resolvi ver blogs de anas e mias."
Isabel sabe que pode morrer se
continuar nesse regime, mas não pensa em se tratar. "Acho que todas as
anas e as mias sabem que isso leva à morte. Várias meninas já perderam amigas
anas por isso. Mas, mesmo assim, isso não nos leva a desistir."
[...]
Folha de São Paulo,
7/2/005. FolhaTeen.
Fonte: Livro –
Português: Linguagem, 8ª Série – William Roberto Cereja, Thereza Cochar
Magalhães, 4ª ed. – São Paulo: Atual Editora, 2006. p. 12-14.
Entendendo a reportagem:
01 – Qual o principal problema
abordado na reportagem?
A reportagem
aborda a influência da moda e da mídia na imposição de padrões de beleza
irreais, levando jovens a desenvolverem distúrbios alimentares como anorexia e
bulimia.
02 – Como a internet contribui
para a disseminação desses distúrbios?
A internet serve
como um espaço onde jovens compartilham dicas e incentivam uns aos outros a
manterem práticas prejudiciais à saúde, como dietas extremas e indução de
vômito.
03 – Quais são os principais
riscos à saúde mencionados na reportagem?
A anorexia e a
bulimia são destacadas como distúrbios alimentares graves que podem levar à
morte, além de causarem depressão e outros problemas de saúde mental.
04 – Qual a influência da
mídia e da publicidade nos padrões de beleza?
A mídia e a publicidade promovem imagens de modelos
extremamente magras, o que leva jovens a se sentirem pressionados a alcançar
esses padrões irreais.
05 – Como os blogs e
comunidades online influenciam as jovens com distúrbios alimentares?
Esses espaços
virtuais oferecem um senso de comunidade e apoio, mas também reforçam
comportamentos doentios e dificultam a busca por tratamento.
06 – Qual o papel dos
profissionais de saúde no tratamento desses distúrbios?
Psicólogos e
psiquiatras são essenciais para ajudar as jovens a reconhecerem a gravidade de
seus problemas e a desenvolverem uma relação mais saudável com a comida e seus
corpos.
07 – Qual a importância do
apoio familiar no tratamento desses distúrbios?
O apoio familiar
é fundamental para o sucesso do tratamento, pois ajuda as jovens a se sentirem
amadas e aceitas, independentemente de sua aparência.
08 – Como a reportagem
descreve a relação das jovens com seus corpos?
As jovens se
sentem constantemente insatisfeitas com seus corpos, buscando incessantemente a
magreza extrema, mesmo colocando em risco suas próprias vidas.
09 – Qual a mensagem principal
da reportagem sobre a "ditadura da moda"?
A reportagem
critica a imposição de padrões de beleza irreais pela moda e pela mídia,
destacando os perigos que esses padrões representam para a saúde física e
mental dos jovens.
10 – Quais são os sinais de
alerta que indicam que uma jovem pode estar sofrendo de anorexia ou bulimia?
Perda de peso
excessiva, obsessão por dietas e exercícios, isolamento social, mudanças de
humor repentinas e comportamentos como induzir o vômito ou esconder alimentos
são sinais de alerta importantes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário