Reportagem: SEM PRECONCEITO NENHUM SOU PRETO – Fragmento
Deu
no jornal: branco ganha mais que branca que ganha mais que negro, que ganha
mais que negra. Mas já foi pior. Com otimismo contagiante, Martinho da Vila
falou ao Almanaque Brasil Cultura Popular, no Papo-cabeça do mês em que se
celebra o Dia da Consciência Negra
“Nada antigamente era melhor do que hoje”
Como você vê as conquistas?
A mudança fundamental é a gente poder
falar. Houve um tempo no qual era muito difícil, para os militantes, falar do
movimento. Outro tempo foi o de contestação. A luta hoje é por participação na
sociedade. A estratégia de protestar é fácil, basta agredir. A de contestar é
mais difícil. Uns vinte anos atrás, vi em Nova York aqueles luminosos, achava
fantástico, ao mesmo tempo estranho: era porque havia negros nos cartazes. Uma
coisa que não havia no Brasil. Agora vemos aí vários cartazes com negros.

Mas nós temos a peculiaridade da
mestiçagem, que nos diferencia de vários países aos quais os negros chegaram
como escravos.
Isso é bom, porque criamos a raça-
Brasil. Mas não saiu tão perfeito, porque na América do Norte o negro vive
melhor e lá muito mais negros participam da administração, das universidades.
Cheguei a um banco, vi aquele monte de negros trabalhando, olhei na gerência:
só tinha negro! Uma coisa que não existe no Brasil. Aqui tratam você muito bem,
tanto quanto qualquer cliente que tenha conta, não discriminam, tudo bem. Então
a mestiçagem foi muito boa, mas contribui para manter essa diferença.
Nos estados unidos existe obrigatoriedade
de empregar uma proporção de negros, o sistema de cotas. Você é a favor?
Sou favorável. Subir na sociedade
depende da convivência. Um conhece um, outro conhece outro. Tanto é que a
pessoa, mesmo sem ter preconceito doentio, diz: “eu vou na escola de samba, eu
vou no botequim, eu vou na casa do empregado”, tudo certo. É uma coisa incrível.
Por isso, sou a favor das cotas.
O pessoal é contra, por quê?
Porque acha que devíamos lutar para
conquistar. E cada um que conquista é um exemplo. Dou razão a ele. Mas é um
processo muito longo. [...]
O povo negro tem consciência de sua
história? Se não tem, por que não tem?
Não tem. Nem o povo negro, nem o povo
brasileiro. Creio que a maioria de vocês não sabe quem foi o tetravô, nem o
bisavô, eu mesmo não sei direito.
Vamos pegar então você, a sua genealogia.
Tem aquela camisa “100% negro”; eu vou
botar uma camisa “70%”. Dentro da minha família, a gente evitava falar, era
perigoso. Você era doutrinado a não falar da cultura negra, religião afro, para
poder avançar, conseguir emprego, estudar. Tinha que renegar a origem. [...] A
gente nunca estudou o continente africano. Pulou! Éramos obrigados estudar
países nórdicos, mas ninguém perguntava onde fica Angola, Moçambique. [...]
A surrada questão que se discute é por
que negro que sobe na escala social casa com branca.
Primeiro, nós somos iguais a qualquer
um, influenciáveis. Os padrões de beleza que nos venderam a vida inteira qual
foi? A mulher branca. Isso fica no inconsciente, arquivado. O outro motivo:
quando ele sobe, nos lugares onde anda só tem branca. Se ele não casar com
branca, só se for racista. [...]
A oportunidade é hoje maior para o jovem,
a criança negra?
Com certeza. Um filho de pobre, de
negro, não podia sonhar em ser deputado, governador, senador. Hoje, qualquer
filho nosso pode ser presidente. Antes, nem era cidadão.
Resta algum preconceito em alguma camada?
A juventude brasileira, arrisco dizer,
é hoje sem preconceito. Existe ainda nas pessoas mais velhas, daquela classe
dominante antiga, que perderam muita coisa. O Brasil não tem 4 mais o
preconceito doentio. Estamos avançando. O Brasil está muito melhor. Minha mãe,
que tem 92 anos, analfabeta, tem uma sabedoria fantástica. Sempre que alguém
fala “ah, antigamente era melhor”, ela me chama e diz: “mentira, Martinho, nada
antigamente era melhor do que hoje”. E tem razão.
Almanaque Brasil
Cultura Popular, n. 8, nov. 1999, p. 22-23.
Fonte: Português. Uma
proposta para o letramento. Magda Soares – 8º ano – 1ª edição. Impressão
revista – São Paulo, 2002. Moderna. p. 147-148.
Entendendo a reportagem:
01 – Qual a observação inicial
da reportagem sobre a desigualdade racial no Brasil?
A reportagem aponta para a desigualdade salarial, onde
brancos ganham mais que brancas, que ganham mais que negros, que ganham mais
que negras, reconhecendo que, apesar de tudo, a situação já foi pior.
02 – Qual a principal mudança
observada por Martinho da Vila em relação à questão racial no Brasil?
A possibilidade
de falar abertamente sobre o movimento negro, algo que era difícil no passado.
03 – Como Martinho da Vila
compara a situação dos negros no Brasil com a dos Estados Unidos?
Ele reconhece que, apesar da mestiçagem
brasileira, os negros nos Estados Unidos têm maior participação na
administração e universidades, e vivem em melhores condições.
04 – Qual a opinião de
Martinho da Vila sobre o sistema de cotas?
Ele é favorável
às cotas, pois acredita que a convivência é fundamental para a ascensão social
dos negros.
05 – Por que algumas pessoas
são contra o sistema de cotas, segundo Martinho da Vila?
Porque acreditam
que os negros devem conquistar seu espaço por mérito próprio, sem auxílio de
cotas.
06 – Qual a observação de
Martinho da Vila sobre o conhecimento da história pelos brasileiros, incluindo
os negros?
Ele acredita que a maioria dos
brasileiros, incluindo os negros, desconhece sua própria genealogia e história.
07 – Qual a explicação de
Martinho da Vila para o fato de negros que ascendem socialmente frequentemente
se casarem com brancas?
Ele aponta para a
influência dos padrões de beleza impostos pela sociedade e para a maior
convivência com pessoas brancas em determinados ambientes sociais.
08 – Martinho da Vila acredita
que as oportunidades para jovens e crianças negras melhoraram?
Sim, ele acredita
que as oportunidades aumentaram significativamente, permitindo que negros
alcancem posições de destaque na sociedade.
09 – Em quais camadas da
sociedade Martinho da Vila acredita que ainda existe preconceito?
Ele acredita que
o preconceito ainda persiste em pessoas mais velhas, da antiga classe
dominante.
10 – Qual a opinião da mãe de
Martinho da Vila sobre a ideia de que "antigamente era melhor"?
Ela discorda
veementemente, afirmando que "nada antigamente era melhor do que
hoje", e que hoje em dia, as coisas estão melhores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário