segunda-feira, 22 de agosto de 2022

CRÔNICA: PARA O PEQUENO PRÍNCIPE - FERNANDA YOUNG - COM GABARITO

Crônica: PARA O PEQUENO PRÍNCIPE

             FERNANDA YOUNG

        Nossa, há quanto tempo... Como vão as coisas no seu pequeno planeta? Aqui, no meu, andam imensamente estranhas – muito baobá para pouca flor, se é que você entende meus simbolismos.

        Quem sempre fala de você é aquela ex-miss que vivia chorando por sua causa, lembra? Ela me contou da sua amizade com a Raposa.

        Príncipe, como você é meu amigo de infância, não posso deixar de alertá-lo. Cuidado com a Raposa. Ela parece uma coisa, mas é outra. Faz-se de fofa e é uma cobra, uma chantagista.

        Quando a conheci, ela disse que não podia conversar comigo, pois não sabia quem eu era. “A gente só conhece bem as coisas que cativou”, ela falou, toda insinuante.

        Respondi que, se nós duas nos cativássemos, ela ficaria triste quando eu fosse embora. Foi quando saquei que ela queria ter um cacho comigo, pois a Raposa pegou no meu cabelo – eu estava loira na época – e disse que tudo bem, porque ela olharia os campos de trigo e se lembraria de mim.

        Marcamos um encontro para o dia seguinte, às 4. E ela me pediu para chegar às 4 em ponto, dessa forma ela ficaria feliz desde as 3 somente por esperar o momento do nosso encontro. Achei estranho, mas pensei que fosse charme. Não era.

        Cheguei 15 minutos atrasada e a Raposa surtou. Falou que nós somos eternamente responsáveis por aquilo que cativamos. E perguntou para mim, olhando diretamente nos meus olhos, se eu tinha consciência de que “perder tempo” com o outro é o que faz essa história importante. Percebeu o tom de chantagem? Ela joga na cara tudo o que faz em nome do outro. Ela deseja afeto, mas o quer como uma responsabilidade de mão única. Porém, também somos responsáveis quando nos deixamos cativar – relacionamentos são vias de mão dupla.

        A Raposa exige a certeza de um compromisso com hora marcada, impondo regras à troca afetiva. As regras dela, claro, já que ela quer todo o afeto a favor de seu bem-estar. Chega a ponto de dizer que será feliz porque você virá. Como se a felicidade fosse algo condicionado ao outro, à espera do outro, ao encontro com o outro.

        Veja que coisa infantil. São as crianças que precisam de horários certinhos e de associar suas emoções às pessoas com quem se relacionam. Sentindo prazer ou desprazer diante da ausência ou presença da mãe ou do pai ou de quem quer que seja. Na criança, ainda não há um universo interior, entendeu? Quando nós crescemos, temos de conseguir ver o mundo através das próprias perspectivas. Enxergar a beleza de um trigal sem nos lembrar de ninguém.

        A Raposa, como uma criança assustada, quer que aqueles que a amam estejam com ela na hora em que ela deseja. Achando que eles são “responsáveis” pela felicidade dela. Ou seja, o outro lhe deve algo por tê-la cativado.

        Desde esse dia, não falo mais com ela. E aconselho você a fazer o mesmo. Ela não é flor que se cheire.

        Saudades distantes, Fernanda Young.

YOUNG, Fernanda. Para o pequeno príncipe. Claudia, São Paulo, 13 jun. 2008. Disponível em: https://fernandayoung.wordpress.com/2012/11/18/para-o-pequeno-principe/. Acesso em: 13 maio 2020.

Fonte: Língua Portuguesa – Estações – Ensino Médio – Volume Único. 1ª edição, São Paulo, 2020 – editora Ática – p. 98-9.

Entendendo a crônica:

01 – Fernanda Young adotou uma estratégia ao escrever o texto lido: fazer uma crônica em formato de carta pessoal.

a)   Quem é o destinatário da carta pessoal e quem é o destinatário da crônica?

O destinatário da carta pessoal é o pequeno príncipe, personagem do livro de Saint-Exupéry; já o destinatário da crônica é o leitor da revista em que o texto foi publicado e que possivelmente leu. O pequeno príncipe.

b)   O que motivou a escritora a escrever a carta e a crônica?

Logo no início do texto, Fernanda Young revela que o objetivo da “carta” é alertar o pequeno príncipe de que a raposa é falsa e chantagista, embora pareça confiável; ao longo do texto, ela apresenta argumentos para justificar seu ponto de vista. Já o objetivo da crônica é desconstruir a frase “tu te tornas responsável por aquilo que cativas”.

c)   De que modo a escolha dessa estratégia provoca humor?

Por meio da paródia, a cronista expõe que a raposa fala para outros o mesmo que disse para o príncipe, o que atribui ao texto, além de um efeito de crítica, um efeito de humor. Esse efeito é construído pelo fato de Young optar por protestar a moral da história por meio da conversa com as personagens.

d)   Por que a cronista se refere a alguns trechos de O pequeno príncipe de modo literal?

Ao fazer referências muito próximas ao livro, a escritora permite que as pessoas que não leram O pequeno príncipe compreendam a sua proposta crítica; ao mesmo tempo, faz uma homenagem à obra, pois ela se refere ao pequeno príncipe como seu amigo.

02 – Na história de Saint-Exupéry, os baobás são árvores que podem destruir o planetinha do pequeno príncipe e impedir que as rosas cresçam.

a)   O que os baobás poderiam simbolizar nessa narrativa?

Muitas interpretações da obra de Saint-Exupéry associam os baobás que ameaçam o planeta do pequeno príncipe aos perigos do nazismo na Segunda Guerra Mundial, período no qual a obra foi escrita.

b)   O que simbolizam os baobás e as rosas na crônica de Fernanda Young? Que trecho do texto permite essa interpretação?

No primeiro parágrafo, a crônica afirma que no seu planeta há “muito baobá para pouca flor”. Considerando que Young dialoga com Saint-Exupéry, os baobás podem simbolizar os problemas do mundo. A cronista sugere que na Terra há muito mais mal do que bem.

03 – Releia os trechos a seguir.

        “[...]Ela parece uma coisa, mas é outra. Faz-se de fofa e é uma cobra, uma chantagista.”

        “[...]Foi quando saquei que ela queria ter um cacho comigo, pois a Raposa pegou no meu cabelo – eu estava loira na época – e disse que tudo bem, porque ela olharia os campos de trigo e se lembraria de mim.”

        “Cheguei 15 minutos atrasada e a Raposa surtou. [...]”.

        “Desde esse dia, não falo mais com ela. E aconselho você a fazer o mesmo. Ela não é flor que se cheire.”

        Que escolhas linguísticas a escritora usa nesses trechos para produzir humor?

      A cronista fala que a raposa se passa por “fofa”, mas é uma “cobra” – o uso da linguagem figurada cria um contraste entre a importância do que se diz e a forma como se escolheu dizer, tornando leve o alerta sério que se faz. Quando critica a raposa, dizendo que ela “surtou” e que “não é flor que se cheire”, a autora usa gírias; assim, o texto é atualizado, e essa informalidade gera também o humor.

04 – Por que, embora apresente estrutura semelhante à de uma carta pessoal, o texto de Fernanda Young é uma crônica?

      O texto de Young é uma crônica porque faz uma crítica, de forma humorística e autoral, veiculada em uma revista, expressando sua opinião sobre um texto conhecido de muitos leitores.

 


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