quarta-feira, 3 de agosto de 2022

POEMA: COM LICENÇA POÉTICA - ADÉLIA PRADO - COM GABARITO

 Poema: Com licença poética

             Adélia Prado

Quando nasci um anjo esbelto,

desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.


Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.

Inauguro linhagens, fundo remos
– dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

PRADO, Adélia. Com licença poética. In: Cadernos de poesia brasileira: poesia contemporânea. São Paulo: Instituto Itaú Cultural, 1997. p. 44.

             Fonte: Livro Língua Portuguesa – Trilhas e Tramas – Volume 1 – Leya – São Paulo – 2ª edição – 2016. p. 185-7.

Entendendo poema:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Licença poética: liberdade tomada pelo poeta de transgredir as normas da poética ou da gramática.

·        Subterfúgio: artifício usado com o objetivo de não cumprir uma obrigação ou livrar-se de problemas.

·        Linhagem: genealogia, geração, estirpe, clã, família; indivíduos ligados a um ancestral comum por laços de descendência.

·        Pedigree: (do inglês) registro de uma linha de ancestrais de animais (de cães e cavalos, sobretudo).

·        Coxo: que coxeia ou manca de uma perna ou de um pé; que caminha com dificuldade.

·        Desdobrável: que se divide em dois; que faz várias coisas ao mesmo tempo; que se empenha a fundo em algo.

02 – A poeta Adélia Prado fez uma paródia de um poema de Carlos Drummond de Andrade intitulado Poema de sete faces, em que eu lírico masculino exprime seus sentimentos de abandono, impotência, deslocamento no mundo: “Quando nasci, um anjo torto / desses que vivem na sombra / disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida”. O título do poema de Adélia é um jogo com as expressões com licença e licença poética. Como você interpreta esse título?

      O jogo com as expressões com licença e licença poética expressa um pedido de permissão para apropriar-se do texto do poeta Drummond e pode ser também associado à condição ainda submissa da mulher. A expressão licença poética também remete à liberdade da autora de romper com certas normas.

03 – No caderno, explique os versos a seguir:

a)   Quando nasci um anjo esbelto, / desses que tocam trombeta, anunciou: / vai carregar bandeira. / Cargo muito pesado pra mulher, / esta espécie ainda envergonhada.

O eu lírico afirma ter sido convocado por um arauto divino (um anjo, um ser superior) para lutar: “um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou”. Nesses versos há ainda reflexão a respeito de que a luta da mulher não é fácil, pois ela ainda é tímida para reivindicar seus direitos.

b)   Não sou tão feia que não possa casar.

Esse verso refere-se a estereótipos relacionados à mulher: a exigência do atributo da beleza para que a mulher consiga se casar, assim como a exigência do casamento como uma forma de legitimação.

c)   Acho o Rio de Janeiro uma beleza e / ora sim, ora não, creio em parto sem dor. Minha tristeza não tem pedigree, / já a minha vontade de alegria, / sua raiz vai ao meu mil avô.

O eu lírico expressa o desejo de contemplar a beleza e de ser feliz, afirmando que sua alegria é hereditária.

d)   Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.

O eu lírico assume que o tema de sua poesia é a emoção, o sentimento, e que escrever é seu destino (até divino), não uma escolha.

e)   Aceito os subterfúgios que me cabem, / sem precisar mentir. [...] Cumpro a sina. / Inauguro linhagens, fundo remos / – dor não é amargura.

O eu lírico quer dizer que não foge de suas supostas obrigações (apesar de pesadas, doloridas) de mulher: casar-se, cuidar da casa, do marido e dos filhos.

04 – No poema de Drummond, o eu lírico confessa que um anjo torto profetizou que ele iria ser gauche na vida. A palavra gauche (do francês) tem o sentido de acanhado, sem aptidões, esquerdo; desajeitado, torto ou, ainda, incompleto. Releia esses versos do poema de Adélia:

        “Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. / Mulher é desdobrável. Eu sou.”

        Como você interpreta esses versos, que negam os de Drummond?

      O eu lírico afirma a capacidade da mulher de mudar, de adaptar-se, de buscar a completude.

05 – Qual é o tema de “Com licença poética”?

      A condição feminina, a luta ainda em curso pela igualdade de gêneros, o desejo de liberdade e a capacidade da mulher de ser flexível.

06 – Você sabe dizer quais poetas brasileiras têm se destacado na poesia contemporânea?

      Resposta pessoal do aluno.

07 – Que temas são mais recorrentes em suas obras, que você já leu?

      Resposta pessoal do aluno.

08 – Como elas abordam, refletem ou dialogam sobre as questões de gênero e do universo feminino?

      Resposta pessoal do aluno.

 

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