Romance: Mãos de cavalo / “O Ciclista Urbano” – Fragmento
Daniel Galera
[...]
Após esses segundos iniciais de
avaliação do percurso, [...], o Ciclista Urbano se joga ladeira abaixo
pedalando numa velocidade suicida que deixa perplexo qualquer observador.
Com um punhado de giros nos pedais, a
velocidade cresce tanto que a trepidação das rodas contra as pedras da rua se
torna quase insuportável. Mas o Ciclista conhece bem aquele trecho e sabe que
precisa aguentar com os pulsos firmes por mais alguns instantes até que, numa
manobra angulosa para a esquerda que pareceria loucura a um ciclista comum, ele
salta sobre o canteiro central da rua do Canteiro aproveitando um ponto rebaixado
do meio-fio, cruza a pista oposta, sobe na calçada em trajetória diagonal por
uma rampa de garagem e maneja com destreza o guidom da bicicleta para fazer uma
rápida correção da roda para a direita, bem a tempo de evitar o choque frontal
com um muro de cimento sem reboco cuja superfície parece bastante aderente a
pedaços de pele e carne humana. É o primeiro ponto delicado, de um total de
cinco, no percurso que ele completará hoje, supondo, é claro, que não haja
surpresas. Atravessa agora as calçadas de cinco casas em sequência, sem grandes
desníveis ou mudanças de terreno, de modo que o Ciclista se sente à vontade
para relaxar por alguns segundos, reacomodar a palma das mãos nos manetes,
afrouxar a tensão dos joelhos e cotovelos e apreciar rapidamente a vista até
que o olhar trave na água do Guaíba lá longe, salpicada do branco das velas dos
veleiros. À sua direita, agora, os quarteirões são ocupados por casas
construídas há não mais de um ano, várias delas com a pintura e as telhas ainda
imaculadas, separadas entre si por miniaturas de matas fechadas. À sua esquerda
predomina um terreno árido coberto por longas faixas de areia dura, alaranjada
e erodida que se estendem em declive até a base do morro e dão lugar a uma zona
plana onde ruas rigorosamente retas delimitam quarteirões retangulares
subdivididos em lotes à venda. [...]
GALERA,
Daniel. Mãos de cavalo. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 11-12.
(Fragmento).
Fonte: Língua Portuguesa – Se liga na
língua – Literatura, Produção de texto, Linguagem – 2 Ensino Médio – 1ª edição
– São Paulo, 2016 – Moderna – p. 303-4.
Entendendo o romance:
01 – Os demais capítulos do
livro apresentam a narrativa em 1ª pessoa. Como o leitor reconhece, nesse
capítulo, que o relato dos fatos se faz em 3ª pessoa?
Pela flexão dos verbos, principalmente.
02 – Releia os três
primeiros períodos do texto. Que efeito o narrador obtém com o uso da 3ª pessoa
para referência a suas próprias ações, já que ele é o Ciclista Urbano?
O uso da
3ª pessoa faz dele um personagem, aproximando o relato de suas
experiências ao relato de aventuras ou ações dos personagens de ficção.
03 – No primeiro período,
qual verbo sugere que o movimento feito com a bicicleta é extremamente rápido?
Que outra expressão confirma essa característica?
A forma
verbal joga sugere rapidez, confirmada pela expressão velocidade
suicida.
04 – O terceiro período é o
mais longo do trecho. Qual foi o critério para a segmentação, isto é, para
marcar seu começo e seu fim?
O terceiro
período agrupa todas as ações feitas para superar um determinado trecho do
percurso, que é considerado “delicado”.
05 – Releia o seguinte
trecho do mesmo período: “[...] ele
salta sobre o canteiro central da rua do Canteiro [...], cruza a pista oposta,
sobe na calçada em trajetória diagonal por uma rampa de garagem e maneja com
destreza o guidom da bicicleta para fazer uma rápida correção da roda para a
direita, bem a tempo de evitar o choque frontal [...]”. A escolha do tempo
verbal descreve uma ação anterior, simultânea ou posterior ao momento da fala?
Os verbos no
presente do indicativo descrevem uma ação simultânea ao momento da fala.
06 – Que efeito se obtém com
essa referência temporal?
Os verbos no presente dão dinamismo às
ações e levam o leitor a compartilhar as emoções do personagem.
07 – Compare agora o trecho
lido com outra sequência do texto: “[...]
o Ciclista se sente à vontade para relaxar por alguns segundos, reacomodar a palma
das mãos nos manetes, afrouxar a tensão dos joelhos e cotovelos e apreciar
rapidamente a vista”. Que impressão o conjunto dos verbos cria? Como ela
contrasta com os verbos anteriores?
Esses verbos
criam a impressão de ações menos vigorosas, mais descontraídas, o que contrasta
com a tensão do bloco anterior.
08 – A sequência de orações
iniciadas por verbos no infinitivo, nesse trecho, sugere ações simultâneas ou
progressivas? Como ela contribui para criar um ritmo diferente do que havia na
narrativa?
Sugere ações
simultâneas e ajuda a criar um ritmo mais distenso, menos acelerado, que
contrasta com o anterior.
09 – Releia os dois últimos
períodos do texto. Que palavra indica que o Ciclista continua em movimento?
Justifique.
A palavra agora, que sugere uma mudança em
relação ao momento e à paisagem anteriores.
10 – Por que o leitor tem a
impressão de que o ritmo diminuiu?
Porque o texto
passa a descrever detalhadamente o cenário.
11 – Divida mentalmente o
texto em duas partes: uma antes do verbo atravessar e outra depois.
Em que se concentra o protagonista em cada uma delas?
Na primeira
parte, ele se concentra na condução da bicicleta; na segunda, um trecho menos
acidentado, ele se concentra na paisagem.
12 – De que posição o leitor
“vê” o protagonista: está longe ou
próximo dele? Justifique sua resposta.
O leitor está
bastante próximo, parecendo acompanhá-lo na bicicleta, visto que experimenta
rapidez e tensão, na primeira parte, bem como o relaxamento e a contemplação da
paisagem, na segunda parte.
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