Crônica: Ô Copacabana! – Fragmento
João Antônio
[...] Das praças do nosso bairro,
poucas e mirradas, uma é um capítulo nordestino, com variações para o norte,
inda mais naquele trecho em que há uma touceira de palmeiras ao lado dos bancos
laterais.
Ali, ninguém sabe quem foi quem. E,
menos ainda, quem foi Serzedelo Correia. Senador da República Velha, cientista,
vendedor de terrenos, líder de alguma revolução democrática que tenha salvado o
País de alguma ideologia esquisita? Um velho morador, dos poucos que têm trinta
anos de bairro, garantiu que não foi nenhum homem famoso, importante ou
“sério”. Também não soube dizer quem era e o que fazia, quando vivo,
Serzedelo Correia. Hoje, o nome virou estátua, um busto lá no meio da praça.
Ainda não tivemos tempo, cá no bairro,
para termos nomes famosos e, como num verso de Mário de Andrade, na Praça
Serzedelo Correia envelhecemos sem saber de nada. E, desconfiando que tenha
sido hábil especulador imobiliário desses que correm a perna até na sombra, já
que as maiores estrelas cariocas, festejadas em cartazes, placas e luminosos de
preço pelos pontos principais da cidade são os nomes desses senhores poderosos.
Poucos a chamam Serzedelo, que o
carioca abrevia os nomes para os desmoralizar ou humanizar. Necessário não
esquecer que vivemos numa cidade em que chope é garoto, jirimum é abóbora,
camarada é cara, ônibus refrigerado é frescão. A Serzedelo passou a Praça dos
Paraíbas. Ou Praça dos Paus de Arara, devido aos pingentes urbanos
nordestinos, que tangidos pela fome e falta de condições de vida, juntam-se aos
sábados e domingos no pequeno pedaço de território democrático dentro de Copa.
Cada milímetro tem história. Cada
horário, seu povo particular. Seu chão é talvez o mais vivido e sofrido de
Copacabana. Recebe de tudo, rejeita nada, espécie de capital cultural do
bairro, inda mais aos domingos, quando abriga crianças, babás, velhos
senhores aposentados quentando sol, empregadinhas domésticas e seus namorados que
batalham na construção civil, bíblias, lambe-lambes, engraxates, Exército da
Salvação, consertadores de persianas e de cadeiras de palhinha, sorveteiro,
vendedores de amendoim e de algodão de açúcar e gentes variadas, numa
misturação de cores, cheiros, nacionalidades. A noite, invariavelmente é um
circo que junta homem que engole fogo, gilete ou metais, mulher-que-sobe-em-escada,
cantadores nordestinos, sanfona, triângulo, pandeiro, violões e até guitarras
elétricas, flertes, namoros, brigas, gentes nos pontos de ônibus, lá defronte
aos correios, cachorros, esmoleiros, desocupados, domingueiramente. A noite,
parece nascer gente do chão. [...]
JOÃO ANTÔNIO. Ô
Copacabana! Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1978. p. 35-36.
Fonte: Livro Língua Portuguesa –
Trilhas e Tramas – Volume 1 – Leya – São Paulo – 2ª edição – 2016. p. 112-4.
Entendendo a crônica:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Serzedelo
Correia: (1858-1932) militar, economista
e político que foi prefeito do Rio de Janeiro em 1910.
·
Especulador
imobiliário: pessoa que compra um
grande número de imóveis ou terrenos, geralmente concentrados em uma
determinada área, com o objetivo de obter grandes lucros por causa da redução
de oferta.
·
“Correr
a perna até na sombra”: enganar, mentir.
·
Pingente: passageiro que viaja no estribo de um bonde, de um ônibus, ou
pendurado em qualquer veículo.
·
Lambe-lambe: fotógrafo ambulante.
02 – Explique o título “Ô Copacabana!”.
O título indica
que o autor usou o recurso da personificação, pois a interjeição Ô é usada para chamar alguém.
Dependendo do contexto e da entonação em que é usada, essa interjeição pode
exprimir emoção, surpresa, pesar, repreensão ou invocação.
03 – Qual é o tema central
desse texto?
A praça Serzedelo
Correia, que fica em Copacabana, popularmente chamada Praça dos Paraíbas ou
Praça dos Paus de Arara por ser ponto de encontro de migrantes do Norte e do
Nordeste do Brasil.
04 – Que tom o narrador usa
para se referir ao político Serzedelo Correia, que foi prefeito do Rio de
Janeiro em 1910? O que pode ser inferido desse tom?
Ele usa um tom
irônico e crítico do qual se pode inferir que o político tenha sido também um
especulador imobiliário, um vendedor de terrenos: “E, desconfiando que tenha
sido hábil especulador imobiliário desses que correm a perna até na sombra
[...]”.
05 – Releia e explique os
trechos a seguir:
a) Das
praças do nosso bairro, poucas e mirradas, uma é um
capítulo nordestino, com variações para o norte, inda mais naquele
trecho em que há uma touceira de palmeiras ao lado dos bancos laterais.
Crítica à falta de espaços verdes
destinados ao lazer no bairro de Copacabana e referência à praça como um ponto
de encontro de imigrantes das regiões Norte e Nordeste do Brasil.
b) Ali,
ninguém sabe quem foi quem.
Referência ao anonimato e à
inconsciência das pessoas em relação ao espaço que frequentam.
c) E,
desconfiando que tenha sido hábil especulador imobiliário desses que correm a
perna até na sombra, já que as maiores estrelas
cariocas, festejadas em cartazes, placas e luminosos de preço pelos pontos
principais da cidade são os nomes desses senhores poderosos.
Crítica à especulação imobiliária e
ao modelo de urbanização.
d) Cada
milímetro tem história. Cada horário, seu povo particular. Seu chão é talvez o
mais vivido e sofrido de Copacabana.
Referência à memória histórica e
afetiva da praça, construída pelas pessoas do povo, que a frequentam, e ao tipo
de frequentador, que muda conforme o horário.
e) Recebe
de tudo, não rejeita nada, espécie de capital cultural do
bairro, inda mais aos domingos, quando abriga crianças, babás, velhos
senhores aposentados quentando sol [...].
Reconhecimento da praça como espaço
social de convivência democrática.
06 – Faça uma analogia entre
o tom das narrativas “Ai de ti, Copacabana” e “Ô Copacabana!”.
A narrativa “Ai de ti, Copacabana” apresenta tom
bíblico, solene, proferindo ameaças e profecias, e tem como foco especialmente
a Copacabana boêmia, voltada para o lazer e o entretenimento. A narrativa “Ô Copacabana!” apresenta um tom mais
poético, envolvendo-se com o cenário que descreve, e foca, especialmente, a
praça Serzedelo Correa – espaço democrático de convivência entre pessoas e
grupos diferentes.
07 – Leia:
As crônicas têm diversas motivações e formas de apresentação, como:
·
Provocar riso por meio da narração ou da
descrição objetiva de um fato real ou imaginário;
·
Promover uma reflexão por meio de uma
exposição argumentativa, narração ou descrição de um fato de conhecimento
público ou pessoal;
· Definir um sentimento por meio de um relato ou descrição, baseando-se, por exemplo, em uma experiência pessoal.
a) De qual dos recursos acima Rubem Braga se utiliza, na crônica que você leu, e com que finalidade?
Ele faz uma exposição argumentativa de fatos para promover uma
reflexão a respeito do futuro de Copacabana, que, segundo o narrador ficcional,
pode ser comprometido pela desigualdade social, pela especulação imobiliária,
pela prostituição, pelo desprezo pela natureza, etc.
b) De qual dos recursos acima João Antônio se utiliza, na crônica que você leu, e com que finalidade?
Ele faz uma descrição de um espaço público para provocar uma
reflexão a respeito da importância das áreas verdes e de outros espaços
públicos para o convívio social.
08 – O narrador de “Ô Copacabana!” refere-se a
características da linguagem carioca (no caso, dos moradores do Rio de
Janeiro).
a) Quais são essas características? Identifique exemplos dados pelo narrador.
Tendência a abreviar as palavras, com objetivo pejorativo ou afetivo: “[...] o carioca abrevia os nomes para os desmoralizar ou humanizar”. Variação lexical: “[...] chope é garoto, jirimum é abóbora, camarada é cara, ônibus refrigerado é frescão.”.
b) Com que objetivo o narrador usa a palavra Copa, abreviada, para se referir a Copacabana?
Apesar das críticas feitas ao bairro, o narrador usa a forma
abreviada com sentido afetivo, demonstrando carinho pelo bairro: “[...] no
pequeno pedaço de território democrático dentro de Copa”.
09 – Explique o uso da
primeira pessoa do plural e do advérbio cá em:
·
Das praças do nosso bairro [...].
·
Ainda não tivemos tempo, cá no
bairro [...].
O narrador de “Ô Copacabana!” inclui-se entre os moradores do
bairro, manifesta sua percepção, assim como suas avaliações, estabelecendo uma
relação de intimidade com o cenário. Isso confere subjetividade à narrativa.
10 – Como são as
pessoas, as ruas, as casas e as praças de seu bairro? Você sabe como ele foi
formado?
Resposta pessoal
do aluno.
11 – Se tivesse que falar ou
escrever algo a respeito de seu bairro, quais aspectos abordaria?
Resposta pessoal
do aluno.
12 – Você já leu algum
texto do jornalista, contista e cronista João Antônio?
Resposta pessoal
do aluno.
Nenhum comentário:
Postar um comentário