sábado, 13 de agosto de 2022

POEMA EM PROSA: O CHÁ, OS FANTASMAS, OS VENTOS ENCANADOS ... - MARIO QUINTANA - COM GABARITO

 Poema em prosa: O chá, os fantasmas, os ventos encanados..          

             Mario Quintana

    Nasci no tempo dos ventos encanados, quando, para evitar compromissos, a “gente bem” dizia estar com enxaqueca, palavra horrível mas desculpa distinta. Ter enxaqueca não era para todos, mas só para essas senhoras que tomavam chá com o dedo mindinho espichado. Quando eu via aquilo, ficava a pensar sozinho comigo (menino, naqueles tempos, não dava opinião) por que é que elas não usavam, para cúmulo da elegância, um laçarote azul no dedo...

        Também se falava misteriosamente em “moléstias de senhoras” nos anúncios farmacêuticos que eu lia. Era decerto uma coisa privativa das senhoras, como as enxaquecas, pois as criadas, essas não tinham tempo para isso. Mas, em compensação, me assustavam deliciosamente com histórias de assombrações. Nunca me apareceu nenhuma.

        Pelo visto, era isso: nunca consegui comunicar-me com este nem com o outro mundo. A não ser através do “Tico-tico” e da poesia de Camões – do qual até hoje me assombra este verso único: “Que o menor mal de tudo seja a morte!”.

        Pois a verdadeira poesia sempre foi um meio de comunicação com este e com o outro mundo.

               QUINTANA, Mario. Sapo amarelo. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1984. p. 13. (Série O Menino Poeta, 5). © by Elena Quintana.

     Fonte: Língua Portuguesa – Se liga na língua – Literatura, Produção de texto, Linguagem – 2 Ensino Médio – 1ª edição – São Paulo, 2016 – Moderna – p. 277-8.

Entendendo o poema em prosa:

01 – Ao usar a expressão gente bem para designar um grupo de pessoas, o eu lírico sugere concordância ou discordância em relação a essa qualificação? Justifique.

      O eu lírico sugere discordância, como revela o uso de aspas, indicativo de que a expressão costuma ser empregada por outras pessoas e ele não a absorveu.

02 – No trecho “Ter enxaqueca não era para todos, mas só para essas senhoras que tomavam chá com o dedo mindinho espichado”, que palavra contrasta com ? Por quê? Como ela se classifica?

      O pronome indefinido todos, usado para indicar totalidade, contrasta com a noção de exclusividade sugerida por só.

03 – Por que o pronome demonstrativo essas, no mesmo trecho, sugere uma impressão pessoal do eu lírico? Qual seria essa visão?

      Essas adquire um sentido crítico, pois o eu lírico afasta-se do grupo de senhoras ao empregar um pronome de segunda pessoa para referir-se a elas.

04 – Que ideia é retomada pelo pronome demonstrativo na oração “Quando eu via aquilo”? De que modo tal pronome se relaciona com a expressão o tempo dos ventos encanados?

      O pronome aquilo retoma a cena das senhoras tomando chá com o dedo mindinho espichado e institui entre elas e o eu lírico uma grande distância temporal, coincidente com a expressão o tempo dos ventos encanados.

05 – Que pronome está relacionado à ideia expressa na oração “menino, naqueles tempos, não dava opinião”? Por quê?

      O pronome comigo, que sugere que os pensamentos do menino não eram compartilhados.

06 – No trecho “por que é que elas não usam, para cúmulo da elegância, um laçarote azul no dedo...”, qual é a função do pronome que em negrito?

      Ele questiona a causa.

07 – Quando menino, o eu lírico não compreendia o sentido da expressão moléstias de senhoras. Por que essa expressão pode ser considerada um eufemismo?

      Provavelmente, referia-se ao termo menstruação, substituindo-o por algo menos explícito, na época considerado mais elegante.

08 – De que forma o uso dessa expressão sugere um passado distante?

      Atualmente, não há constrangimento no emprego de um termo como esse, que apenas designa uma característica física da mulher.

09 – Releia agora este outro trecho: “Era decerto uma coisa privativa das senhoras, como as enxaquecas, pois as criadas, essas não tinham tempo para isso”. O pronome essas poderia ser excluído sem prejudicar a estrutura da oração? Que efeito seu uso produz?

      Sim, pois o pronome apenas coloca seu referente (as criadas) em evidência, não interferindo no sentido da oração.

10 – Em “me assustavam deliciosamente com histórias de assombração”, qual é o sujeito da ação? Que palavra expressa o alvo desse sujeito? Justifique o uso dessa palavra.

      O sujeito é criadas, e o alvo, me, um pronome oblíquo átono usado como complemento para se referir à 1ª pessoa do discurso.

11 – Como você interpretou a afirmação “nunca consegui comunicar-me com este nem com o outro mundo”? Que importância tem o pronome demonstrativo na caracterização de um dos dois mundos citados?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: O eu lírico sugere que teve dificuldades não apenas na comunicação com o outro mundo, aquele fantástico de que falavam as criadas, mas também com o mundo dele próprio, sugerindo que não se comunicava bem com as pessoas. O pronome este foi usado para enfatizar esse mundo real do eu lírico.

12 – De que maneira as memórias apresentadas no poema confirmam a dificuldade de comunicação do eu lírico?

      As memórias contadas revelam sua dificuldade em compreender certos atos das senhoras da época, sugerindo dificuldade de inserção no grupo social a que pertencia.

13 – No penúltimo parágrafo, a expressão a não ser introduz uma ressalva. Explique-a.

      A ressalva indica que, apesar da dificuldade de comunicação do eu lírico, a poesia funcionava como um elo entre ele e o mundo, fosse este o real ou o fictício.

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