terça-feira, 9 de agosto de 2022

CRÔNICA: PESCADORES - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

 CRÔNICA: PESCADORES

                   Carlos Drummond de Andrade

Domingo pede cachimbo, todo domingo aquele esquema: praia, bar, soneca, futebol, jantar em restaurante. Acaba em chatura. Os quatro jovens executivos sonhavam com um programa diferente.

— Se a gente desse uma de pescador?

— Falou.

Muniram-se do necessário, desde o caniço até o sanduíche incrementado, e saíram rumo à praia mais deserta, mais viscosa, mais sensacional.

Lá estavam felizes da vida, à espera de peixe. Mas os peixes, talvez por ser domingo, e todos os domingos serem iguais, também tinham variado de programa — e não se deixavam fisgar.

— Tem importância não. Daqui a pouco aparecem. De qualquer modo, estamos curtindo.

— É.

Peixe não vinha. Veio pela estrada foi a Kombi, lentamente. Parou, saltaram uns barbudos:

— Pescando, hem? Beleza de lugar. Fazem muito bem aproveitando a folga num programa legal. Saúde. Esporte. Alegria.

— Estamos só arejando a cuca, né? Semana inteira no escritório, lidando com problemas.

— Ótimo. Assim é que todos deviam fazer. Trocar a poluição pela natureza, a vida ao ar livre. Somos da televisão, estamos filmando aspectos do domingo carioca. Podem colaborar?

— Que programa é esse?

- Aprenda a Viver no Rio. Programa novo, cheio de bossas. Vai ser lançado semana que vem. Gostaríamos que vocês fossem filmados como exemplo do que se pode curtir num dia de lazer, em benefício do corpo e da mente.

— Pois não. O grilo é que não pescamos nada ainda.

— Não seja por isso. Tem peixe na Kombi, que a gente comprou para uma caldeirada logo mais.

Desceram os aparelhos e os peixes, e tudo foi feito com técnica e verossimilhança, na manhã cristalina. Os quatro retiravam do mar, em ritual de pescadores experientes, os peixes já pescados. O pessoal da TV ficou radiante:

— Um barato. Vocês estavam ótimos.

— Quando é que passa o programa?

— Quinta-feira, horário nobre. Já está sendo anunciado.

Quinta-feira, os quatro e suas jovens mulheres e seus encantadores filhos reuniram-se no apartamento de um deles — o que tivera a ideia da pescaria.

— Vocês vão ver os maiores pescadores da paróquia em plena ação.

O programa, badaladíssimo, começou. Eram cenas do despertar e da manhã carioca, trens superlotados da Linha Auxiliar, filas no elevador, escritórios em atividade, balconistas, telefonistas, enfermeiras, bancários, tudo no batente ou correndo para. O apresentador fez uma pausa, mudou de tom:

“— Agora, o contraste. Em pleno dia de trabalho, com a cidade funcionando a mil por cento para produzir riqueza e desenvolvimento, os inocentes do Leblon dedicam-se à pescaria sem finalidade. Aí estão esses quatro folgados, esquecidos de que a Guanabara enfrenta problemas seríssimos e cada hora desperdiçada reduz o produto nacional bruto…”

— Canalhas!

— Pai, você é um barato!

— E eu que não sabia que você, em vez de ir para o escritório, vai pescar com a patota, Roberto!

— Se eu pego aqueles safados mato eles.

— E o peixe, pai, você não trouxe o peixe pra casa!

 

— Não admito gozação!

— Que é que vão dizer amanhã no escritório!

— Desliga! Desliga logo essa porcaria!

Para aliviar a tensão, serviu-se uísque aos adultos, refrigerante aos garotos.

Fonte:

Carlos Drummond de Andrade. 70 Historinhas. 

São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

Fonte: Maxi: ensino fundamental 2:multidisciplinar:6 º ao 9º ano/obra coletiva: Thais Ginicolo Cabral. 1.ed. São Paulo: Maxiprint,2019.7º ano Caderno 2 p.97-100.

 

Entendendo o texto

01. Indique as informações pedidas nos quadros a seguir.

Elementos da narrativa

Personagens – Quatro jovens amigos.

Tempo – Um dia de domingo e quinta-feira à noite.

Espaço – Em uma praia do Rio de Janeiro e na casa de um dos amigos.

Enredo

Início – Em um domingo alguns amigos decidem fazer uma pescaria.

Conflito – Durante a pescaria, aprecem uns barbudos, numa kombi e convidam os jovens pescadores a fazerem parte de um programa de televisão.

Clímax – Os rapazes convidam os familiares a assistir ao programa de TV.

Desfecho – Ao assistir ao programa percebem que foram enganados.

02. O que você pensa a respeito do que os barbudos fizeram? Isso é possível de acontecer? Registre sua resposta e, depois, troque ideias com o professor e com os colegas.

Resposta pessoal.

03. Releia as falas, no final do texto, e explique a reação das esposas e dos filhos dos executivos.

Os filhos parecem zombar dos pais, enquanto as esposas parecem acreditar no que estavam vendo na TV.

04. Como você sabe, as crônicas costumam fazer uso de linguagem informal, a fim de aproximar o leitor da história narrada. Nessa crônica, há grande ocorrência de gírias.

a)   Pesquise, no dicionário, a definição de gíria e registre neste espaço.

Linguagem informal com vocabulário rico em expressões metafóricas, jocosas, elípticas, usada inicialmente por um determinado grupo, mas que pode se estender a outros, passando a fazer parte do uso corrente.

b)   Releia algumas frases em que as gírias aparecem e, pelo contexto e com o auxílio do professor, anote os significados delas nesse texto.

Uma chatura!

É uma chatice, algo chato, desinteressante, monótono.

[...] aproveitando a folga num programa legal.

Um programa interessante.

Estamos só arejando a cuca, né.

Estamos só relaxando.

[...] como exemplo do que se pode curtir num dia de lazer [...]

Exemplos do que se pode desfrutar, aproveitar, em um dia de lazer.

O grilo é que não pescamos nada ainda.

O problema é que não pescamos nada.

05. Escreva as características que classificam esse texto como crônica humorística.

- Uso de linguagem informal.

- Personagens comuns, presentes no dia a dia.

- Texto de curta extensão.

- Crítica com humor.

 

 

 

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