sábado, 27 de abril de 2019

POEMA: OS SAPOS - MANUEL BANDEIRA - COM GABARITO

Poema: Os sapos
              Manuel Bandeira


Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."

Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...
  
  Manuel Bandeira. Estrela da vida inteira. 2. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1970. p. 51-2.

Entendendo o poema:

01 – Os modernistas dos anos 1920 frequentemente tinham atitudes de ironia, deboche e crítica em relação à cultura oficial.
a)   Aponte no poema um exemplo de ironia ou deboche.
A própria crítica a poetas do passado, identificados como “sapos”; a provável referência ao pai de Olavo Bilac, herói na Guerra do Paraguai; o emprego de expressões como “parnasiano aguado”.

b)   Que movimento literário, visto como representante da cultura oficial, é satirizado? Comprove sua resposta com elementos do texto.
O Parnasianismo, que tinha uma concepção formalista de arte. A referência ao movimento se encontra na expressão “parnasiano aguado” e nos versos “—A grande arte é como / Lavor de Joalheiro”, que lembram o poema “A profissão de fé”, de Olavo Bilac.

c)   A fala do sapo-tanoeiro, delimitada pelas aspas, veicula o princípio básico do movimento literário satirizado. Qual é esse princípio?
O princípio da perfeição formal.

02 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:
·        Cético: cheio de dúvida.

·        Cognatos: termos que têm o radical em comum, como, por exemplo, pedra e pedreiro.

·        Frumento: o melhor trigo.

·        Joio: planta que nasce entre o trigo e prejudica seu desenvolvimento.

·        Perau: barranco, abismo.

·        Transido: penetrado, repassado de frio, dor ou medo.

03 – Explique a oposição feita entre poesia e artes poéticas na 7ª estrofe.
      Considerando que são os sapos que estão falando, poesia corresponde à “verdadeira poesia”, na concepção parnasiana, ou seja, perfeita formalmente; em oposição a ela, as “artes poéticas”, vistas com desprezo, correspondem à poesia de orientação modernista.

04 – Faça uma pesquisa, no dicionário ou com o professor de biologia, sobre os quatro tipos de sapo mencionados no poema: Sapo-boi; sapo-tanoeiro (ou ferreiro), sapo-cururu e sapo-pipa. Depois responda:
a)   De que modo o poeta sugere o som característico dos sapos?
Empregando expressões e versos bastante ritmados, que têm uma função onomatopeia no texto, “— ‘Não foi’ / -- ‘Foi’ / -- ‘Não foi!’”.

b)   Na hierarquia dos sapos, pelo critério da raridade, qual dos sapos mencionados é o mais simples e comum em nosso país?
O sapo-cururu.

c)   Nesse poema, os sapos são metáforas de tendências estéticas da literatura brasileira. Considerando-se a condição precária (“Sem glória, sem fé”) do sapo-cururu, o que ele pode representar no cenário cultural brasileiro?
Pode representar o nascer de uma nova poesia ou arte brasileira: simples, cotidiana e à margem da “grita” acadêmica.

05 – Que recurso sonoro o poeta utiliza na primeira estrofe para imitar a marcha saltitante dos sapos?
      O poeta utiliza a aliteração: papos, pulos, sapos.

06 – Em meio à algazarra dos medíocres, quem simboliza a solidão do artista superior?
      O sapo-cururu.

07 – Em que versos o poeta resume a sua denúncia do equívoco parnasiano de que a boa métrica e a rima constituiriam a excelência da forma e da poesia?
      Em “Reduzi sem danos / A formas a forma”.

08 – Qual dos sapos caracteriza a vaidade excessiva de alguns parnasianos?
      O sapo-pipa.

09 – Sabendo-se que os três primeiros sapos simbolizam os poetas parnasianos, quem estaria sendo simbolizado pelo sapo-cururu?

      Os poetas modernistas.



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