domingo, 14 de abril de 2019

CRÔNICA: O SÓSIA - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO

Crônica: O sósia
     
         Luís Fernando Veríssimo

        Da primeira vez que lhe falaram ele nem ligou.
        -- Como é, não cumprimenta mais os amigos?
        -- Por quê?
        -- Anteontem. Você passou por mim, me olhou e não me cumprimentou.
        -- Eu?!
        -- Sim, senhor. Na Rua da Praia.
        -- Não era eu. Há duas semanas que não passo pela Rua da Praia.
        -- Então era um sósia. Era você sem tirar nem pôr.
        Poucos dias depois:
        -- Aí, hein? Tomando seu sorvetinho.
        -- Eu?
        -- Não era você? Ontem, quatro da tarde? Na Rua 7?
        -- O que eu ia estar fazendo ontem, às quatro da tarde, na 7 de setembro?
        -- Tomando um sorvetinho.
        -- Estava no meu escritório, rapaz. Dando duro.
        -- Era você sem tirar nem pôr!
        -- A terceira vez foi pouco antes do Carnaval. Telefonou um amigo:
        -- Eu te fiz alguma coisa?
        -- Por quê?
        -- Hoje. Eu passei por você de carro. Chamei. Buzinei. Você nem olhou e nem...
        -- Não era eu.
        -- Mas então...
        -- Anda um cara por aí com a minha cara. É a terceira vez que me confundem.
        -- Olha. É você sem tirar nem...
        -- Eu sei.
        Foi então que teve a premonição, como um frio na barriga. Tinha planejado passar o Carnaval na cidade, aproveitando a folga para pôr algumas coisas em ordem no escritório. Mas foi para a praia. Assustou a mulher. “Que foi que houve?” “Nada. Me deu saudades.” Passou os quatro dias de Carnaval colado na mulher. Cuidando para não sair da vista dela nem um minuto. E aconteceu o que ele tinha previsto. Na quarta-feira, no noticiário sobre o Carnaval nas boates, lá estava ele – ou o seu sósia – agarrado com uma morena que em alguma fase da sua vida alegre já fora um moreno. Era ele sem tirar nem pôr.
        Os amigos comentaram:
        -- Aí, hein?
        -- A Dalinda é testemunha. Não sai do lado dela nem um minuto.
        -- É – confirmava a Dalinda. – Ele é inocente.
        Mas não parecia muito convencida. Sozinhos, ela olhava a fotografia do formal e sacudia a cabeça. Ele protestava:
        -- O que é isso. Dá? Eu não passei todo o Carnaval na praia ao seu lado? Como é que eu podia estar em dois lugares ao mesmo tempo?
        -- Aí é que está. Se você não tivesse aparecido na praia de surpresa e feito questão de não sair do meu lado um só minuto ia ter certeza que não era você na foto. Agora, não sei não.
        -- Mas Dalinda...
        -- Não sei não...
                            Luís Fernando Verissimo. O sósia. O suicida e o computador.
 Porto Alegre: L&PM, 2000.
Entendendo a crônica:
01 – Releia o trecho:
        “[...]Telefonou um amigo:
        -- Eu te fiz alguma coisa?”
        Não é necessário reler o que vem antes desse trecho para entender a pergunta do amigo. Explique por que e o que o amigo quis dizer.
      Porque os parágrafos anteriores mostram que a situação do protagonista se repete: o amigo queria saber por que não tinha sido cumprimentado.

02 – “-- Olha. É você sem tirar nem...”. As reticências indicam a interrupção da fala do amigo. Complete essa fala com o único verbo possível no contexto.
      Cabe apenas o verbo pôr para completar a expressão “sem tirar nem pôr”. A expressão aparece anteriormente duas vezes.

03 – “Foi então que teve a premonição, como um frio na barriga”.
a)   O que a personagem previa?
Que seu sósia pudesse aparecer em algum noticiário sobre o Carnaval e que a mulher desconfiasse dele.

b)   O homem previu um acontecimento bom ou ruim? Justifique sua resposta.
Ruim, pois ele sentiu um frio na barriga.

c)   Para não contrariar sua premonição, o protagonista teve de abrir mão de um projeto. Qual?
Ele pretendia aproveitar os dias do Carnaval para colocar algumas coisas em ordem no seu escritório.

04 – Como você completaria a última fala da personagem na penúltima linha do texto?
      Resposta pessoal do aluno.

05 – Apesar das evidências, a mulher continuou desconfiada e desenvolveu um raciocínio que o marido não esperava. Releia o parágrafo que começa na linha 52 e explique esse raciocínio.
      O fato de o marido não ter desgrudado dela fez Dalinda supor que ele estivesse forçando um comportamento com o objetivo de disfarçar alguma falta cometida.

06 – O texto é quase todo escrito em forma de diálogo. Algumas duplas de alunos vão fazer uma leitura dramatizada do trecho que vai da linha 2 até 9.
a)   Agora, a classe comenta: que recurso da língua falada dá vida ao diálogo?
A entonação.

b)   Como a língua escrita procura indicar esse recurso? Dê exemplo que se encontra no próprio trecho dramatizado.
A língua escrita indica esse recurso por meio da pontuação. No trecho, o sinal de interrogação e o de exclamação.

07 – O autor emprega linguagem coloquial no texto. Reescreva no caderno as frases citadas a seguir, substituindo o que estiver destacado por termos ou expressões da língua formal:
a)   “Da primeira vez que lhe falaram ele nem ligou.”
Ele nem se importou/nem se preocupou/nem deu importância.

b)   “--- Estava no meu escritório, rapaz. Dando duro.”
Trabalhando com afinco.

c)   “--- Aí, hein?”
Divertindo-se, não?

d)   “--- Anda um cara por aí com a minha cara.”
Um indivíduo/uma pessoa; muito parecido(a) comigo/que é, eu(minha)sósia.

08 – “Como é que eu podia estar em dois lugares ao mesmo tempo?” Há uma palavra em língua portuguesa que define essa propriedade de estar em vários lugares ao mesmo tempo. Você a conhece? Qual é?
      Ubiquidade, sinônimo de onipresença.

09 – “—Tomando um sorvetinho”. O sufixo -inho, nesse contexto, indica tamanho ou ironia?
      Indica ironia.


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