Poema: Jogos
florais
Cacaso
Minha terra tem palmeiras
onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá
vive comendo o meu fubá.
onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá
vive comendo o meu fubá.
Ficou moderno o Brasil
ficou moderno o milagre:
a água já não vira vinho,
vira direto vinagre.
ficou moderno o milagre:
a água já não vira vinho,
vira direto vinagre.
Minha terra tem Palmares
memória cala-te já.
Peço licença poética
Belém capital Pará.
memória cala-te já.
Peço licença poética
Belém capital Pará.
Bem, meus prezados senhores
dado o avançado da hora
errata e efeitos do vinho
o poeta sai de fininho.
dado o avançado da hora
errata e efeitos do vinho
o poeta sai de fininho.
(Será mesmo com dois esses
que se escreve paçarinho?)
que se escreve paçarinho?)
Cacaso.
“Jogos florais”. In: Lero-lero, Rio de Janeiro, Cosac & Naify, 2002.
Entendendo o poema:
01 – Além da citação dos
dois primeiros versos de Gonçalves Dias, que elementos rítmicos do poema de
Cacaso trazem a “Canção do exílio” à memória do leitor?
A metrificação (sete sílabas), a
estrofação (quadras), a rima oxítona em à (sabiá / fubá; já / Pará).
02 – A partir do poema
ufanista de Gonçalves Dias, o sabiá tornou-se símbolo das excelências da terra
natal, enquanto, na tradição popular, o tico-tico representa a esperteza, por
aproveitar-se do trabalho já feito por outros pássaros (numa conhecida música
popular, o tico-tico rouba o fubá). Explique a utilização crítica desses
símbolos no poema de Cacaso.
No poema de
Cacaso, o tico-tico, que não é um pássaro canoro, substitui o sabiá como
símbolo da pátria; este, por sua vez, assume a esperteza do tico-tico. Há,
portanto, uma versão irônica dos símbolos, como crítica ao nacionalismo
ufanista do regime militar, usado como propaganda para enganar a população.
03 – Entende-se por “licença
poética” a liberdade de linguagem que os poetas se concedem para atingir seus
objetivos de expressão ou para atender às exigências da métrica, da rima, da
estrofação, etc.
a)
Explique a licença poética “solicitada” por
Cacaso na terceira estrofe.
O quarto verso seria “Pará capital Belém”. Esse verso não atenderia
à sua única função, que é a de completar a estofe de quatro versos. Assim o
poeta inverteu a ordem das palavras e as funções sintáticas, criando um verso
absurdo e conseguindo a rima tônica em à,
conformando-a ao modelo parodiado. Ironicamente, o verso absurdo e a rima
forçada acentuam a crítica ao ufanismo nacionalista do texto original.
b)
Na terceira estrofe, outro símbolo
nacionalista tirado da natureza – as palmeiras – é substituído por Palmares, com letra maiúscula. Escreva
um pequeno comentário sobre essa estrofe, a partir dessa substituição.
Essa substituição, irônica, é um acrítica ao nacionalismo ufanista,
que procura encobrir as mazelas de nossa história (“memória cala-te já”).
Enquanto as palmeiras simbolizam o orgulho pelas belezas naturais da terra
natal, Palmares, quilombo chefiado por Zumbi no século XVII, é o símbolo da
resistência dos negros à escravidão, uma das maiores chagas em nossa memória
coletiva.
04 – O “milagre econômico”
dos anos 1970 era apresentado como a arrancada do Brasil como país emergente.
Os problemas sociais, entretanto, eram aprofundados, como sugere, ironicamente,
a segunda estrofe. Comente os dois últimos versos, colocados entre parênteses
pelo autor.
Esses versos
sugerem, ironicamente, o aprofundamento de um dos maiores problemas
brasileiros, a educação, na fase do “milagre econômico”. O poeta duvida da
grafia de uma palavra comum, “passarinho”, e escreve-a incorretamente, com ç.
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