domingo, 28 de abril de 2019

POEMA: JOGOS FLORAIS - CACASO - COM QUESTÕES GABARITADAS

Poema: Jogos florais
           
      Cacaso

Minha terra tem palmeiras
onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá
vive comendo o meu fubá.

Ficou moderno o Brasil
ficou moderno o milagre:
a água já não vira vinho,
vira direto vinagre.
Minha terra tem Palmares
memória cala-te já.
Peço licença poética
Belém capital Pará.



Bem, meus prezados senhores
dado o avançado da hora
errata e efeitos do vinho
o poeta sai de fininho.
(Será mesmo com dois esses
que se escreve paçarinho?)

                        Cacaso. “Jogos florais”. In: Lero-lero, Rio de Janeiro, Cosac & Naify, 2002.

Entendendo o poema:

01 – Além da citação dos dois primeiros versos de Gonçalves Dias, que elementos rítmicos do poema de Cacaso trazem a “Canção do exílio” à memória do leitor?
      A metrificação (sete sílabas), a estrofação (quadras), a rima oxítona em à (sabiá / fubá; já / Pará).

02 – A partir do poema ufanista de Gonçalves Dias, o sabiá tornou-se símbolo das excelências da terra natal, enquanto, na tradição popular, o tico-tico representa a esperteza, por aproveitar-se do trabalho já feito por outros pássaros (numa conhecida música popular, o tico-tico rouba o fubá). Explique a utilização crítica desses símbolos no poema de Cacaso.
      No poema de Cacaso, o tico-tico, que não é um pássaro canoro, substitui o sabiá como símbolo da pátria; este, por sua vez, assume a esperteza do tico-tico. Há, portanto, uma versão irônica dos símbolos, como crítica ao nacionalismo ufanista do regime militar, usado como propaganda para enganar a população.

03 – Entende-se por “licença poética” a liberdade de linguagem que os poetas se concedem para atingir seus objetivos de expressão ou para atender às exigências da métrica, da rima, da estrofação, etc.
a)   Explique a licença poética “solicitada” por Cacaso na terceira estrofe.
O quarto verso seria “Pará capital Belém”. Esse verso não atenderia à sua única função, que é a de completar a estofe de quatro versos. Assim o poeta inverteu a ordem das palavras e as funções sintáticas, criando um verso absurdo e conseguindo a rima tônica em à, conformando-a ao modelo parodiado. Ironicamente, o verso absurdo e a rima forçada acentuam a crítica ao ufanismo nacionalista do texto original.

b)   Na terceira estrofe, outro símbolo nacionalista tirado da natureza – as palmeiras – é substituído por Palmares, com letra maiúscula. Escreva um pequeno comentário sobre essa estrofe, a partir dessa substituição.
Essa substituição, irônica, é um acrítica ao nacionalismo ufanista, que procura encobrir as mazelas de nossa história (“memória cala-te já”). Enquanto as palmeiras simbolizam o orgulho pelas belezas naturais da terra natal, Palmares, quilombo chefiado por Zumbi no século XVII, é o símbolo da resistência dos negros à escravidão, uma das maiores chagas em nossa memória coletiva.

04 – O “milagre econômico” dos anos 1970 era apresentado como a arrancada do Brasil como país emergente. Os problemas sociais, entretanto, eram aprofundados, como sugere, ironicamente, a segunda estrofe. Comente os dois últimos versos, colocados entre parênteses pelo autor.
      Esses versos sugerem, ironicamente, o aprofundamento de um dos maiores problemas brasileiros, a educação, na fase do “milagre econômico”. O poeta duvida da grafia de uma palavra comum, “passarinho”, e escreve-a incorretamente, com ç.


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