REPORTAGEM: Exame de admissão
As danças e cantos se estendem noite
adentro. Mas, assim que o dia amanhece, um grupo de índios corre até a pequena
maloca e liberta a menina que estava presa. Ela não tinha feito algo de errado.
Ao contrário, era personagem de uma festa — o ritual que os mamaindês de Mato
Grosso e Rondônia chamam de festa da moça nova. Três meses antes, a indiazinha
menstruara pela primeira vez e, como manda a tradição, ficou reclusa, sem poder
ver a luz do Sol, aos cuidados das mulheres mais velhas. Enquanto isso, o grupo
se esmerou em preparar a festa de sua libertação: o grande dia em que a pequena
mamaindê passaria a ser considerada apta ao casamento e à maternidade. Muito
mais complicada é a passagem da infância à vida adulta nas sociedades modernas.
Para começar, a transição leva muito mais tempo, a partir dos 12, 13 anos de
idade, e é chamada, desde o século XIX, de adolescência. “Nas sociedades mais
complexas não existe um momento determinado em que se reconheça essa passagem
como nas sociedades indígenas”, observa a socióloga Aspásia Camargo, da
Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. De fato, os rituais são outros,
próprios de um período longo, e se diluem pelos diferentes grupos sociais.
Determinar o início da adolescência é relativamente fácil, pois coincide com a
puberdade, quando ocorrem grandes mudanças biológicas.
Mais difícil é precisar o final dessa
fase. De qualquer forma, existem alguns marcos. O vestibular, por exemplo, é um
deles e se dá por volta dos 18 anos. Nessa idade os jovens adquirem algumas
prerrogativas dos adultos, embora, legalmente, não sejam ainda considerados
maiores de idade, o que só vai se dar aos 21 anos. Na faculdade, eles sabem que
têm de estudar para concluir o curso e já podem enfrentar o mercado de
trabalho. É também aos 18 anos que podem tirar carteira de motorista e pedir o
carro ao pai, que antes se negava a emprestar. Podem tirar título de eleitor e,
quem sabe, em breve, escolher o presidente da República. Casar, no entanto, só
aos 21 anos, a menos que sejam emancipados antes pelos pais. Se já tiverem um
emprego, não precisarão mais depender da mesada paterna — serão donos de seu
próprio nariz e, aos olhos da sociedade, adultos. Mas chegar até a esse
estágio, virar gente grande, são anos de indefinição: quando entram na
puberdade, os jovens deixam de ser crianças, mas ainda não são considerados
adultos.
Para marcar presença diante
da sociedade, chamando a atenção para essa travessia, assumem comportamentos e
atitudes peculiares. Aí vale tudo: desde cortar o cabelo estilo “calha” —
raspado dos lados, com uma franja em forma de onda caída na testa — até se
vestir de preto da cabeça aos pés, com as calças coalhadas de tachinhas
douradas ou prateadas, no melhor estilo “dark”. Os menos extremados usam os tão
comuns jeans, tênis e camisetas, e não se diferenciam tanto dos mais velhos,
acostumados a se vestir assim também. A peculiaridade está em usar geralmente
as mesmas marcas de jeans e determinados modelos de tênis, de preferência sem
cadarço. Os adolescentes adoram as bermudas largas e floridas, as saias
confortáveis e os relógios de pulseiras coloridas, que combinam com as cores
das roupas. A entrada na puberdade implica não só alterações corporais, mas
também uma reviravolta psicológica. “Garotos e garotas jogam fora aspectos
infantis e aspiram a ser adultos”, explica o psiquiatra paulista Içami Tiba,
que há dezoito anos trabalha com adolescentes. Nessa época. diz ele, “a
principal mudança é a atitude diante dos pais: se antes obedeciam, agora se
opõem às ordens recebidas, e o resultado são as primeiras desavenças
familiares”.
Revista Superinteressante, mar. 1988.
Entendendo o texto:
01 – Releia atentamente o
texto “Exame de admissão”. Em seguida, responda a estas questões:
a)
No início do primeiro parágrafo, o texto se
inicia com verbos no presente (estendem, amanhece, corre, liberta). Depois, o
enunciador-narrador utiliza uma série de verbos em tempos do passado. Que
significados têm esses tempos verbais nesse trecho do texto?
O presente utilizado no início marca uma época simultânea ao momento
da narração (presente do enunciador-narrador). Os tempos do passado remetem o
enunciatário-leitor a uma época de tempo anterior ao momento da narração expresso
pelo presente.
b)
Para assinalar a anterioridade, ou seja, o
momento anterior em relação ao momento da libertação da garota indígena, o
enunciador-narrador do texto utiliza, logo no primeiro parágrafo, uma expressão
de tempo. Localize essa expressão no texto. Que tempo verbal é utilizado para
reforçar a ideia de anterioridade
temporal?
A expressão é “três meses antes”, e o tempo verbal é o
mais-que-perfeito simples do indicativo (menstruará), que indica a
anterioridade em relação ao passado.
c)
No trecho a seguir, a que período de tempo a
expressão “enquanto isso” se refere?
Explique.
“Enquanto isso, o grupo se esmerou em
preparar a festa de sua libertação: o grande dia em que a pequena mamaindê
passaria a ser considerada apta ao casamento e à maternidade.”
A expressão se refere ao período em que a garota indígena ficou
reclusa, que é simultâneo à preparação da festa. Ela indica que as ações
(reclusão da garota e preparação da festa) são simultâneas.
d)
“Exame de admissão” é uma reportagem.
Localize no texto o início e o fim do trecho narrativo.
Início: “As danças e cantos...”. Fim: “... apta ao casamento e à
maternidade”.
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