segunda-feira, 22 de abril de 2019

CONTO: LONGE COMO O MEU QUERER - (FRAGMENTO) - MARINA COLASANTI - COM GABARITO

Conto: Longe como o meu querer - Fragmento
                                     Marina Colasanti

        Regressava ao castelo com suas damas, quando do alto do cavalo o viu, jovem de longos cabelos à beira de um campo. E embora fossem tantos os jovens que cruzavam seu caminho, a partir daquele instante foi como se não houvesse mais nenhum. Nenhum além daquele.
        À noite, no banquete, não riu dos saltimbancos, não aplaudiu os músicos, mal tocou na comida. As mãos pálidas repousavam. O olhar vagava distante.
        --- Que tens, filha, que te vejo tão pensativa? – Perguntou-lhe o pai.
        --- Oh! pai, se soubesses! – Exclamou ela, feliz de partilhar aquilo que já não lhe cabia no peito. E contou do rapaz, do seu lindo rosto, dos seus longos cabelos.
        O que o pai pensou, não disse. Mas no dia seguinte, senhor que era daquele castelo e das gentes, ordenou que se decapitasse o jovem e se atirasse seu corpo ao rio. A cabeça entregou à filha em bandeja de prata, ele que sempre havia satisfeito todas as suas vontades.
        --- Aqui tens o que tanto desejavas.
        E sem esperar resposta, sem sequer procurá-la em seus olhos retirou-se.
        Saído o pai, a castelã lavou aquele rosto, perfumou e penteou os longos cabelos, acarinhou a cabeça no seu colo. À noite pousou-a no travesseiro ao lado do seu, e deitou-se para dormir.
        Porém, no escuro, fundos suspiros barraram a chegada seu sono.
        --- Por que suspiras, doce moço? – Perguntou voltando-se para o outro travesseiro.
        --- Porque deixei a terra arada no meu campo. E as sementes preparadas no celeiro. Mas não tive tempo de semear. E no meu campo nada crescerá.
        --- Não te entristeças – respondeu a castelã.  Amanhã semearei teu campo. No dia seguinte chamou sua dama mais fiel, pretextou um passeio, e saíram ambas a cavalo.
        Apearam no campo onde ela o havia visto a primeira vez. A terra estava arada. No celeiro encontraram as sementes. A castelã calçou tamancos sobre seus sapatinhos de cetim, não fosse a lama denunciá-la ao pai. E durante todo o dia lançou sementes nos sulcos.
        À noite deitou-se exausta. Já ia adormecer, quando fundos suspiros a retiveram à beira do sono.
        --- Por que suspiras, doce moço, se já semeei teu campo?
        --- Porque deixei minhas ovelhas no monte, e sem ninguém para trazê-las ao redil serão devoradas pelos lobos.
        --- Não te entristeças. Amanhã buscarei tuas ovelhas.
        No dia seguinte, chamou aquela dama que mais do que as outras lhe era fiel e, pretextando um passeio, saíram juntas além dos muros do castelo.
        Subiram a cavalo até o alto do monte. As ovelhas pastavam. A castelã cobriu sua saia com o manto, não fossem folhas e espinhos denunciá-la ao pai. Depois, com a ajuda da dama reuniu as ovelhas e, levando o cavalo pelas rédeas, desceu com o rebanho até o redil.
        Que tão cansada estava à noite, quando o suspiro fundo pareceu chamá-la!
        --- Por que suspiras, doce moço, se já semeei teu campo e recolhi tuas ovelhas?
        --- Porque não tive tempo de guardar a última palha do verão, e apodrecerá quando as chuvas chegarem.
        --- Não te entristeças. Amanhã guardarei a tua palha.
        Quando no dia seguinte mandou chamar a mais fiel, não foi preciso explicar-lhe aonde iriam. Pretextando desejo de ar livre, afastaram-se ambas do castelo.
        Os feixes de palha, amontoados, secavam ao sol. A castelã calçou os tamancos, protegeu a saia, enrolou tiras de pano nas mãos, não fossem feridas denunciá-la a seu pai. E começou a carregar os feixes para o celeiro. Antes do anoitecer tudo estava guardado, e as duas regressaram ao castelo.
        Nem assim manteve-se o silêncio no escuro quarto da castelã.
        Por que suspiras, doce moço? – Perguntou ela mais uma vez. – Por que suspiras, se já semeei teu campo, recolhi tuas ovelhas, e guardei tua palha?
        --- Porque uma tarefa mais é necessária. E acima de todas me entristece. Amanhã deverás entregar-me ao rio. Só ele sabe onde meu corpo espera. Só ele pode nos juntar novamente antes de entregar-nos ao mar.
        --- Mas o mar é tão longe! – Exclamou a castelã num lamento.
        E naquela noite foram dois a suspirar.
        Ao amanhecer a castelã perfumou e penteou os longos cabelos do moço, acarinhou a cabeça, depois a envolveu em linhos brancos e chamou a dama.
        Os cavalos esperavam no pátio, o soldado guardava o portão. – Vamos entregar alguma comida para os pobres – disseram-lhe. E saíram levando seu fardo.
        Seguindo junto à margem, afastaram-se da cidade até encontrar um remanso. Ali apearam. Abertos os linhos, entregaram ao rio seu conteúdo. Os longos cabelos ainda flutuaram por um momento, agitando-se como medusas. Depois desapareceram na água escura.
        De pé, a castelã tomou as mãos da sua dama. Que lhe fosse fiel, pediu, e talvez um dia voltassem a se ver. Agora, cada uma tomaria um rumo. Para a dama, o castelo. Para ela, o mar.
        --- Mas é tão longe o mar! – exclamou a dama.
        Montaram as duas. A castelã olhou a grande planície, as montanhas ao fundo. Em algum lugar além daquelas montanhas estava o mar. E em alguma praia daquele mar o moço esperava por ela.
        --- A distância até o mar – Disse tão baixo que talvez a dama nem ouvisse – Se mede pelo meu querer.
        E esporeou o cavalo.
                  Marina Colasanti. Longe como o meu querer. São Paulo: Ática, 2001.
Entendendo o conto:
01 – Pelo assunto abordado, é possível dizer que esse texto nunca poderia ser publicado em uma revista como Scientific American Brasil. Por quê?
      Por que trata-se de um texto de ficção, inadequado para uma revista de teor científico.

02 – A narrativa trata de um fato possível no plano real ou só possível como ficção? Como você chegou à sua resposta?
      O fato é apenas ficção. Entre os índices mais importantes dessa ficcionalidade estão a possibilidade de a cabeça do moço manter-se viva depois de desligada do resto do corpo e a posterior reintegração do corpo, que se supõe acontecer.

03 – De todas as tarefas que o camponês solicitou à castelã, uma foi a que mais o entristeceu.
a)   Qual foi essa tarefa?
Que ela entregasse a cabeça dele ao rio para que encontrasse o resto do corpo.

b)   Por que essa tarefa teria feito o camponês ficar tão triste?
Porque ele sabia que, realizada a tarefa, ficaria para sempre longe da castelã.

04 – Cada ação oculta da castelã, se descoberta, poderia comprometê-la perante o pai. Por isso, ela elimina os indícios das tarefas que realizava para o moço.
a)   Identifique esses indícios.
Lama; folhas e espinhos; ferimentos (feridas).

b)   Por que esses indícios seriam estranhos no dia-a-dia de uma castelã?
Porque se relacionam com o trabalho braçal, realizado no campo, impensável para um nobre.

05 – Releia: “Amanhã deverás entregar-me ao rio. Só ele sabe onde meu corpo espera. Só ele pode nos juntar novamente antes de entregar-nos ao mar.”
        A que(m) se referem os pronomes destacados?
      Ao corpo e à cabeça, que, novamente juntos, comporiam a pessoa do jovem.

06 – Resuma o que acontece com a castelã e sua dama no final da história.
      A castelã vai para o mar procurar o camponês. A dama volta ao castelo.

07 – Qual dos provérbios seguintes se relaciona mais diretamente com o final da história?
a)   No amor e na guerra tudo vale.
b)   O fim da paixão é o começo do arrependimento.
c)   É o amor que faz o mundo girar.
d)   O amor não conhece distâncias.

08 – Não teria sido mais fácil simplesmente a princesa e o jovem se casarem? Por que a história precisou de tantas peripécias?
      Porque o rei certamente não autorizaria o casamento da filha com um camponês.

09 – Identifique o sentido que o verbo vagar adquire no segundo parágrafo de “Longe como o meu querer”. Em seguida, escreva uma frase utilizando o mesmo verbo com sentido diferente.
      Tem o sentido de percorrer vagando, ao acaso. Resposta pessoal do aluno.

10 – Releia este trecho com atenção: “No dia seguinte, chamou sua dama mais fiel, pretextou um passeio, e saíram ambas a cavalo.”
O verbo destacado aparece mais uma vez no conto. Pelo contexto, qual é o significado desse verbo?
       Dar como pretexto ou desculpa; dissimular o motivo real para algum feito ou ação.

11 – Compare: “... acarinhou a cabeça no seu colo. À noite pousou-a no travesseiro ao lado do seu...”. “Ao posar para a foto, segurava o queixo.”
Os verbos pousar e posar têm formas parecidas, mas significados diferentes. São parônimos.
a)   Procure no dicionário o significado adequado de pousar e posar nas frases acima.
Pousar: pôr, colocar. Posar: ficar imóvel em determinada posição, para ser fotografado.

b)   Procure no dicionário as palavras seguintes e leia seu significado. Você encontrará também os parônimos dessas palavras. Procure-os, observe seu significado e, no caderno, escreva frases com eles.
Emergir: trazer ou vir à tona. Imergir: estar imerso, mergulhar.
Pião: brinquedo geralmente de madeira. Peão: Aquele que anda a pé; homem da plebe.

12 – No castelo havia muitas damas a serviço da castelã, mas uma delas sobressaía no conjunto por uma característica. Empregando apenas um substantivo abstrato, indique essa característica.
      É a palavra fidelidade.

13 – No trecho abaixo, observe a palavra destacada, um coletivo: “Os feixes de palha, amontoados, secavam ao sol.” Nos itens a seguir, trocamos nessa frase a palavra palha por outras. Com essa mudança, que substantivo você precisa colocar no lugar de feixes para manter a coerência? Reflita e copie no caderno as frases completando-as com o coletivo adequado:
a)   As réstias/enfiadas de alho, amontoadas, secavam ao sol.

b)   Os cachos de uva, amontoados, secavam ao sol.

c)   Os buquês/ramalhetes de flores, amontoados, secavam ao sol.

14 – “Longe como o meu querer” é uma narrativa que chamamos de conto. Identifique nesse conto:
a)   As personagens.
A castelã, o moço decapitado, a dama fiel e o pai da castelã.

b)   A ação principal de cada uma dessas personagens.
A castelã: realiza os desejos do moço decapitado. A dama: acompanha a castelã e a ajuda. O moço decapitado: diz à castelã o que deseja que seja feito. O pai: manda decapitar o moço.

15 – A partir de que ação (ações) indicada(s) na resposta anterior a narrativa avança, evolui?
      A partir da ação do moço decapitado: é pelo fato de a castelã fazer o que ele diz que a narrativa caminha / evolui para o desfecho.

16 – Dentre as personagens, indique aquela cuja ação desencadeia todas as outras ações no conto.
      O pai da castelã: sua ação é o ponto de partida para as demais.

17 – Em muitas narrativas, há uma busca: as personagens agem de modo a (re)encontrar seu objeto do desejo. A respeito desse conto de Marina Colasanti, responda no caderno.
a)   O que buscam as personagens?
A castelã busca o amor, representado pelo moço decapitado.
O moço busca cumprir suas tarefas cotidianas, as quais se vê impossibilitado de realizar.
O pai da castelã busca realizar o desejo da filha.
A dama busca acompanhar sua senhora.

b)   Qual é, na sua opinião, a busca mais importante, aquela que mais contribui para que a narrativa atinja o seu desfecho?
É a da castelã, cuja busca a leva a abandonar o castelo, ação essa que contribui o desfecho da narrativa.

18 – Antagonista é a personagem (ou um outro elemento da narrativa) que retarda o desenrolar dos fatos, agindo contra a busca principal. Na sua opinião, quem ou o que seria o antagonista desse conto?
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão; O antagonista mais evidente é a distância que separa a castelã do moço decapitado.
  

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