quinta-feira, 2 de agosto de 2018

CRÔNICA: O APRENDIZ DE ESCRITOR - MOACYR SCLIAR - COM QUESTÕES GABARITADAS


CRÔNICA: O aprendiz de escritor
            
                                            Moacyr Scliar

        Escrevo há muito tempo. Costumo dizer que, se ainda não aprendi – e acho mesmo que não aprendi, a gente nunca para de aprender –, não foi por falta de prática. Porque comecei muito cedo. Na verdade, todas as minhas recordações estão ligadas a isso, a ouvir e contar histórias. Não só as histórias das personagens que me encantaram, o Saci-Pererê, o Negrinho do Pastoreio, a Cuca, Hércules, Mickey Mouse, Tarzan e os piratas. Mas também as minhas próprias histórias, as histórias de minhas personagens, estas criaturas reais ou imaginárias com quem convivi desde a infância.
        “Na verdade", eu escrevi ali em cima. Verdade é uma palavra muito relativa para um escritor de ficção. O que é verdade, o que é imaginação? No colégio onde fiz o segundo grau, o Júlio de Castilhos, havia um rapaz que tinha fama de mentiroso.
        Todo mundo sabia que ele era mentiroso. Todo mundo, menos ele.
        Uma vez, o rádio deu uma notícia alarmante: um avião em dificuldades sobrevoava Porto Alegre. Podia cair a qualquer momento. Fomos para o colégio, naquele dia, preocupados; e conversávamos sobre o assunto, quando 15 apareceu ele, o Mentiroso. Pálido:
        – Vocês nem podem imaginar!
        Uma pausa dramática, e logo em seguida:
        – Sabem este avião que está em perigo? Caiu perto da minha casa. Escapamos por pouco. Gente, que coisa horrível!
        E começou a descrever o avião incendiado, o piloto gritando por socorro... Uma cena impressionante. Aí veio um colega correndo, com a notícia: o avião acabara de aterrissar, são e salvo. Todo mundo começou a rir. Todo mundo, menos o Mentiroso:
        - Não pode ser! – repetia, incrédulo, irritado. – Eu vi o avião cair!
        Agora, quando lembro esta fato, concluo que não estava mentindo. Ele vira, realmente, o avião cair. Com os olhos da imaginação, decerto; mas para ele o avião tinha caído, e tinha incendiado, e tudo o mais. E ele acreditava no que dizia, porque era um ficcionista. Tudo que precisava, naquele momento, era um lápis e papel. Se tivesse escrito o que dizia, seria um escritor; como não escrevera, tratava-se de um mentiroso. Uma questão de nomes, de palavras.
Palavras. São tudo, para quem escreve. Ou quase tudo. Como a serra, o martelo, a plaina, a madeira, a cola e os pregos para o marceneiro; como a colher, o prumo, os tijolos e a argamassa para o pedreiro; como a fazenda, a linha, a tesoura e a agulha para o alfaiate. Estou falando em instrumentos de trabalho, porque literatura nem sempre parece trabalho.
Há uma história (sempre contando histórias, Moacyr Scliar! Sempre contando histórias!) sobre um escritor e seu vizinho. O vizinho olhava o escritor que estava sentado, quieto, no jardim, e perguntava: Descansando, senhor escritor? Ao que o escritor respondia: Não, trabalhando. Daí a pouco o vizinho via o escritor mexendo na terra, cuidando das plantas: Trabalhando? Não, respondia o escritor, descansando. As aparências enganam; enganaram até o próprio escritor.

                        Scliar, Moacyr. Memórias de um aprendiz de escritor.
        São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1984. (Passelivre, 11).

Entendendo o texto:
01 – Leia este trecho, observando as expressões destacadas:

        Não só as histórias das personagens que me encantam [...]. Mas também as minhas próprias histórias, as histórias de minhas personagens, estas criaturas reais e imaginárias que convivi desde a infância.”
As expressões destacadas exprimem uma ideia de:
a) Oposição  
     b) Alternância
     c) Adição

     02 – Observe a frase: “Estas criaturas reais ou imaginárias com quem convivi desde a infância.”
A expressão destacada na frase emite uma noção de:
a) Lugar
     b) Tempo
     c) Modo.

     03 – Observe a frase e marque a alternativa que melhor define a palavra destacada:
      “Uma vez, o rádio deu uma notícia alarmante.”
a) A palavra indica que a notícia dada no rádio não exigia muita preocupação, não era grave.
     b) A palavra destacada indica que a notícia era séria e preocupante.
     c) A palavra destacada indica que a notícia era engraçada.

     04 – Assinale o tipo de narrador predominante no texto:
 a) Narrador personagem/ narrador onipresente/ 1ª pessoa
      b) Narrador observador/ narrador onisciente/ 3ª pessoa
      c) Narrador inexistente.

     05 – Marque em qual parágrafo do texto há uma mudança de tipo de narrador:
a) Segundo parágrafo
     b) Sexto parágrafo
     c) Último parágrafo

06 – Leia abaixo o último parágrafo do texto e marque a resposta certa sobre a respectiva classificação dos elementos destacados:
        “Há uma história (sempre contando histórias, Moacyr Scliar! Sempre contando histórias!) sobre um escritor e seu vizinho. O vizinho olhava o escritor que estava sentado, quieto, no jardim, e perguntava: Descansando, senhor escritor? Ao que o escritor respondia: Não, trabalhando. Daí a pouco o vizinho via o escritor mexendo na terra, cuidando das plantas: Trabalhando? Não, respondia o escritor, descansando. As aparências enganam; enganaram até o próprio escritor.”
a) Personagens – tempo – espaço
     b) Tempo – personagens – espaço
     c) Personagens – espaço – tempo.

     07 – “Agora, quando lembro este fato, concluo que não estava mentindo. Ele vira, realmente, o avião cair. Com os olhos da imaginação, decerto; mas para ele o avião tinha caído, e tinha incendiado, e tudo o mais.”
A partir do trecho acima é possível concluir que:
a)      Seu colega não era mais considerado, ao menos para o narrador, um mentiroso
     b)     O narrador continuou acreditando no fato de que o avião caiu
     c)      Seu colega inventou tudo para ganhar atenção.
    
     08 – De acordo com o eu poético, quais eram os personagens que lhe encantavam?
           Eram: O Saci-Pererê; O Neguinho do Pastoreio; A Cuca; Hércules; Mickey Mouse; Tarzan e os Piratas.
    
     09 – Para o eu poético, o que significa “Na verdade”?
           Verdade é uma palavra muito relativa para um escritor de ficção. O que é verdade e o que é imaginário.
    
     10 – O que é narrado pelo rapaz que tinha fama de mentiroso?
           A queda de um avião perto de sua casa.

     11 – Por que os colegas começaram a rir dele? Justifique.
            Porque descobriram a mentira. Um dos colegas chegou contando que o avião tinha conseguido aterrissar, são e salvo.

     12 – Por que o eu poético não acha que era mentira, a história que o mentiroso estava contando?
           Porque ele via com os olhos da imaginação. Para ele o avião tinha caído, pegado fogo e tudo mais.

     13 – O eu poético faz a comparação de quem escreve com outras profissões no texto, quais são?
           Marceneiro, pedreiro e alfaiate.
    




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