Poesia: Desobjeto
Manoel de Barros
O menino que era esquerdo viu no meio
do quintal um pente. O pente estava próximo de não ser mais um pente. Estaria
mais perto de ser uma folha dentada. Dentada um tanto que já se havia incluído no chão que
nem uma pedra um caramujo um sapo. Era alguma coisa nova o pente. O chão teria
comido logo um pouco de seus dentes. Camadas de areia e formigas roeram seu
organismo. Se é que um pente tem organismo.

O fato é que o pente estava sem
costela. Não se poderia mais dizer se aquela coisa fora um pente ou um leque.
As cores a chifre de que fora feito o pente deram lugar a um esverdeado musgo.
Acho que os bichos do lugar mijavam muito naquele desobjeto. O fato é que o
pente perdera sua personalidade. Estava encostado às raízes de uma árvore e não
servia mais nem pra pentear macaco. O menino que era esquerdo e tinha cacoete
pra poeta, justamente ele enxergara o pente naquele estado terminal. E o menino
deu pra imaginar que o pente, naquele estado, já estaria incorporado à natureza
como um rio, um osso, um lagarto. Eu acho que as árvores colaboravam na solidão
daquele pente.
BARROS, Manoel de.
Memórias inventadas. São Paulo: Planeta, 2003.
Fonte: Língua
Portuguesa: Singular & Plural. Laura de Figueiredo; Marisa Balthasar e
Shirley Goulart – 6º ano – Moderna. 2ª edição, São Paulo, 2015. p. 164.
Entendendo a poesia:
01 – Qual é o objeto central
do poema e em que estado ele é encontrado pelo menino?
O objeto central
do poema é um pente. Ele é encontrado pelo menino em um estado de deterioração
avançada, "próximo de não ser mais um pente", mas sim "uma folha
dentada", ou "uma pedra um caramujo um sapo". O pente está sem
dentes, sem "costela" e suas cores originais deram lugar a um
"esverdeado musgo".
02 – O que acontece com a
"personalidade" do pente à medida que ele se deteriora?
O poema afirma
que o pente perdera sua personalidade. Ou seja, ele deixou de cumprir sua
função original e se tornou algo irreconhecível, que não podia mais ser
identificado como um pente ou até mesmo um leque. Sua identidade e propósito
foram desfeitos pela ação do tempo e da natureza.
03 – De que forma o menino,
que "tinha cacoete pra poeta", interpreta o estado do pente?
O menino, com sua sensibilidade poética,
imagina que o pente, em seu estado terminal, já estaria incorporado à natureza.
Ele compara o pente a elementos naturais como "um rio, um osso, um
lagarto", sugerindo que o objeto perdeu sua forma e função originais para
se integrar ao ciclo natural de deterioração e transformação.
04 – Quais elementos da
natureza são citados como agentes da transformação do pente?
O poema menciona
diversos elementos da natureza que contribuíram para a transformação do pente:
o chão, que "comeu logo um pouco de seus dentes"; camadas de areia e
formigas, que "roeram seu organismo"; e as raízes de uma árvore, às
quais o pente estava encostado. Além disso, há a menção de "bichos do
lugar [que] mijavam muito naquele desobjeto", e a colaboração das árvores
na "solidão" do pente.
05 – O que o título
"Desobjeto" e a descrição do pente revelam sobre a visão de Manoel de
Barros a respeito dos objetos e da natureza?
O título
"Desobjeto" e a descrição do pente revelam a visão peculiar de Manoel
de Barros sobre a transitoriedade dos objetos e a capacidade da natureza de
reabsorver e transformar tudo. O pente, ao perder sua funcionalidade e forma,
deixa de ser um "objeto" no sentido convencional para se tornar parte
de um processo natural de decomposição e reintegração. Isso reflete a
valorização do poeta pelo trivial, pelo imperfeito e pela beleza encontrada na
desconstrução e na ciclicidade da vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário