Crônica: Desistindo do Natal
Moacyr Scliar
Prezado Papai Noel: há uma semana eu
lhe mandei uma carta com a lista dos meus pedidos para o Natal. Agora estou
mandando esta outra carta para dizer que mudei de ideia. Não vou querer nada.
Ontem o papai nos avisou que não tem dinheiro para as compras do fim de ano.
Papai está desempregado há mais de um ano. A gente mora numa cidade pequena do
interior, muito pobre. No Natal passado, o prefeito anunciou que tinha um
presente para a população: uma grande fábrica viria se instalar aqui, dando
emprego para muitas pessoas. Meu pai ficou animado. Ele é um homem trabalhador,
sabe fazer muitas coisas e achou que com isso o nosso problema estaria
resolvido. Agora, porém, o prefeito teve de dizer que a fábrica não vem mais.
Não entendo dessas coisas, mas parece que a situação está difícil.

Portanto, Papai Noel, peço-lhe
desculpas se o senhor já encomendou as coisas, mas infelizmente vou ter de
desistir. Para começar, não quero aquela bonita árvore de Natal de que lhe
falei -até mandei um desenho, lembra? Nada de pinheirinho, nada de luzinhas,
nada de bolinhas coloridas. A verdade, Papai Noel, é que essas coisas só gastam
espaço e, como disse a mamãe, gastam muita luz.
E nada de ceia de Natal, Papai Noel. Nada
de peru. Como eu lhe disse, nunca comi peru na minha vida, mas acho que não vai
me fazer falta. Se tivesse peru, eu comeria tanto que decerto passaria mal.
Portanto, nada de peru. Aliás, se a gente tiver comida na mesa, já será uma
grande coisa.
Nada de presentes, Papai Noel. Não
quero mais aquela bicicleta com a qual sonho há tanto tempo. Bicicletas custam
caro. E, além disso, é uma coisa perigosa. O cara pode cair, pode ser
atropelado por um carro... Nada de bicicleta.
Nada de DVD, Papai Noel. Afinal, a
gente já tem uma TV (verdade que de momento ela está estragada e não temos
dinheiro para mandar consertar), mas DVD não é coisa tão urgente assim.
Também quero desistir da roupa nova que
lhe pedi e dos sapatos. A minha roupa velha ainda está muito boa, e a mamãe vai
fazer os remendos nos rasgões. E sapato sempre pode dar problema: às vezes
ficam apertados, às vezes caem do pé... Prefiro continuar com meus tênis e o
meu chinelo de dedo.
Ou seja: nada de Natal, Papai Noel.
Para mim, nada de Natal. Agora, se o senhor for mesmo bonzinho e quiser nos dar
algum presente, arranje um emprego para o meu pai. Ele ficará muito grato e nós
também. Desejo ao senhor um Feliz Natal e um próspero Ano Novo.
Moacyr Scliar. Folha de
São Paulo.
Entendendo a crônica:
01 – Qual o motivo que leva o
narrador, uma criança, a escrever uma segunda carta para o Papai Noel,
cancelando seus pedidos?
O narrador
cancela seus pedidos porque seu pai está desempregado há mais de um ano e não
há dinheiro para as compras de fim de ano.
02 – Que promessa feita pelo
prefeito da cidade havia animado o pai do narrador, e por que ela não se
concretizou?
O prefeito havia
prometido que uma grande fábrica seria instalada na cidade, gerando muitos
empregos. No entanto, a promessa não se concretizou porque a "situação
está difícil" e a fábrica não virá mais.
03 – De que forma o narrador
"desiste" de elementos tradicionais do Natal, como a árvore e a ceia?
Ele desiste da
árvore de Natal (pinheirinho, luzinhas, bolinhas) por gastarem espaço e luz. Da
ceia, ele diz que não precisa de peru, contentando-se em ter apenas
"comida na mesa".
04 – O que o narrador
argumenta para justificar a desistência dos presentes que havia pedido, como a
bicicleta e o DVD?
Para a bicicleta,
ele argumenta que custa caro e é perigosa (pode cair ou ser atropelado). Para o
DVD, ele diz que a TV da família já está estragada e que DVD não é algo
urgente.
05 – Mesmo desistindo de tudo,
o narrador expressa um único pedido final ao Papai Noel. Qual é ele?
O único pedido
final do narrador é que o Papai Noel arranje um emprego para o pai dele.
06 – Qual é a principal emoção
ou sentimento que a crônica busca transmitir ao leitor através da carta da
criança?
A crônica busca
transmitir um sentimento de tristeza, resignação e maturidade precoce por parte
da criança, que compreende a dura realidade financeira da família e abre mão
dos seus desejos infantis em prol de uma necessidade básica.
07 – De que forma esta crônica
reflete as dificuldades econômicas e sociais que muitas famílias enfrentam?
A crônica é um
retrato sensível das dificuldades econômicas, como o desemprego do pai e a
falta de recursos para o básico (comida, conserto de TV). Ela também ilustra a
falta de perspectivas em cidades pequenas e como a crise afeta diretamente o
universo e os sonhos das crianças.
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