Artigo de opinião: O menino está fora da paisagem – Fragmento
Jabor A.
O menino parado no sinal de trânsito
vem em minha direção e pede esmola. Eu preferiria que ele não viesse. A miséria
nos lembra de que a desgraça existe, e a morte também. Como quero esquecer a
morte, prefiro não olhar o menino. Mas não me contenho e fico observando os
movimentos do menino na rua. Sua paisagem é a mesma que a nossa: a esquina, os
meios-fios, os postes. Mas ele se move em outro mapa, outro diagrama. Seus
pontos de referência são outros.
Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiPzLxropUpUFYerqhF-n3QEhjGwqnsHItU7JY5iCxLYYg4Or0Xy1RFuG8s0VB6OQe42TED_hKGcojV6oLmLmmKUA54AukmlTKQ2noaMCOy_QXZMA80ab2U50YXW_57T1QNIu2AdipDwA4rnaWvRekLphubrmIEx8ryGS2RaMjY1jFHyvyFPgZ37kPMhbo/s320/muros_por_derrubar.jpg Como não tem nada, pode ver tudo. Vive
num grande playground, onde pode brincar com tudo, desde que “de fora”. O
menino de rua só pode brincar no espaço “entre” as coisas. Ele está fora do
carro, fora da loja, fora do restaurante. A cidade é uma grande vitrine de
impossibilidades. [...]. Seu ponto de vista é o contrário do intelectual: ele
não vê o conjunto nem tira conclusões histéricas – só detalhes interessam. O
conceito de tempo para ele é diferente do nosso. Não há segunda-feira, colégio,
happy hour. Os momentos não se somam, não armazenam memórias. Só coisas
“importantes”: "Está na hora de o português da lanchonete despejar o
lixo...” ou "Estão dormindo no meu caixote...”
[...]
Se não sentir fome ou dor, ele curte.
Acha natural sair do útero da mãe e logo estar junto aos canos de descarga
pedindo dinheiro. Ele se acha normal; nós é que ficamos anormais com a sua
presença.
[...].
Jabor A. O menino está
fora da paisagem. O Estado de São Paulo, São Paulo, 14 abr. 2009. Caderno 2, p.
D 10.
Fonte: Livro –
Português: Linguagens, 3ª Série – Ensino Médio – William Roberto Cereja,
Thereza Cochar Magalhães, 9ª ed. – São Paulo: Saraiva Editora, 2013. p. 292.
Entendendo o artigo:
01 – Qual a primeira reação do
narrador ao ver o menino no sinal de trânsito e o que essa reação revela sobre
o observador?
A primeira reação
do narrador é de desconforto e aversão, preferindo que o menino não viesse em
sua direção. Essa reação revela o desejo de ignorar a miséria e, por extensão,
a própria mortalidade e o lado desagradável da existência, buscando manter uma
ilusão de normalidade e esquecimento da dor alheia.
02 – Como o autor descreve a
"paisagem" do menino de rua em contraste com a nossa, e qual a
diferença fundamental entre seus "mapas"?
O autor descreve
a paisagem física do menino como a mesma nossa ("a esquina, os meios-fios,
os postes"). No entanto, a diferença fundamental é que o menino se move em
"outro mapa, outro diagrama", com "pontos de referência
outros". Isso significa que, embora compartilhem o mesmo espaço físico,
suas realidades, prioridades e formas de interação com esse ambiente são
completamente distintas devido à sua condição de marginalidade e exclusão.
03 – De que forma o
"ponto de vista" do menino de rua é caracterizado como o
"contrário do intelectual"?
O ponto de vista
do menino de rua é caracterizado como o "contrário do intelectual"
porque ele não vê o conjunto nem tira conclusões históricas, focando apenas em
"detalhes" que lhe são importantes para a sobrevivência ("Está
na hora de o português da lanchonete despejar o lixo..." ou "Estão
dormindo no meu caixote..."). Isso contrasta com a visão abrangente e
analítica típica do pensamento intelectual.
04 – Como o artigo descreve a
percepção do tempo para o menino de rua?
O artigo afirma
que o conceito de tempo para o menino de rua é "diferente do nosso".
Para ele, "Não há segunda-feira, colégio, happy hour. Os momentos não se
somam, não armazenam memórias". Isso sugere que o tempo do menino é vivido
em um presente contínuo e imediato, ditado pelas necessidades básicas e pelos
eventos momentâneos de sua sobrevivência, sem a linearidade e o planejamento
que caracterizam a vida organizada da sociedade.
05 – Qual a conclusão do autor
sobre a percepção do menino de rua a respeito de sua própria condição?
A conclusão do
autor é que o menino de rua "se acha normal" em sua condição. Ele
"acha natural sair do útero da mãe e logo estar junto aos canos de descarga
pedindo dinheiro". A "anormalidade" e o desconforto, segundo
Jabor, são sentidos por "nós" (a sociedade "normal") com a
presença dele, e não o contrário.
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