Artigo de opinião: O menino está fora da paisagem – Fragmento
Jabor A.
O menino parado no sinal de trânsito
vem em minha direção e pede esmola. Eu preferiria que ele não viesse. A miséria
nos lembra de que a desgraça existe, e a morte também. Como quero esquecer a
morte, prefiro não olhar o menino. Mas não me contenho e fico observando os
movimentos do menino na rua. Sua paisagem é a mesma que a nossa: a esquina, os
meios-fios, os postes. Mas ele se move em outro mapa, outro diagrama. Seus
pontos de referência são outros.

Como não tem nada, pode ver tudo. Vive
num grande playground, onde pode brincar com tudo, desde que “de fora”. O
menino de rua só pode brincar no espaço “entre” as coisas. Ele está fora do
carro, fora da loja, fora do restaurante. A cidade é uma grande vitrine de
impossibilidades. [...]. Seu ponto de vista é o contrário do intelectual: ele
não vê o conjunto nem tira conclusões histéricas – só detalhes interessam. O
conceito de tempo para ele é diferente do nosso. Não há segunda-feira, colégio,
happy hour. Os momentos não se somam, não armazenam memórias. Só coisas
“importantes”: "Está na hora de o português da lanchonete despejar o
lixo...” ou "Estão dormindo no meu caixote...”
[...]
Se não sentir fome ou dor, ele curte.
Acha natural sair do útero da mãe e logo estar junto aos canos de descarga
pedindo dinheiro. Ele se acha normal; nós é que ficamos anormais com a sua
presença.
[...].
Jabor A. O menino está
fora da paisagem. O Estado de São Paulo, São Paulo, 14 abr. 2009. Caderno 2, p.
D 10.
Fonte: Livro –
Português: Linguagens, 3ª Série – Ensino Médio – William Roberto Cereja,
Thereza Cochar Magalhães, 9ª ed. – São Paulo: Saraiva Editora, 2013. p. 292.
Entendendo o artigo:
01 – Qual a primeira reação do
narrador ao ver o menino no sinal de trânsito e o que essa reação revela sobre
o observador?
A primeira reação
do narrador é de desconforto e aversão, preferindo que o menino não viesse em
sua direção. Essa reação revela o desejo de ignorar a miséria e, por extensão,
a própria mortalidade e o lado desagradável da existência, buscando manter uma
ilusão de normalidade e esquecimento da dor alheia.
02 – Como o autor descreve a
"paisagem" do menino de rua em contraste com a nossa, e qual a
diferença fundamental entre seus "mapas"?
O autor descreve
a paisagem física do menino como a mesma nossa ("a esquina, os meios-fios,
os postes"). No entanto, a diferença fundamental é que o menino se move em
"outro mapa, outro diagrama", com "pontos de referência
outros". Isso significa que, embora compartilhem o mesmo espaço físico,
suas realidades, prioridades e formas de interação com esse ambiente são
completamente distintas devido à sua condição de marginalidade e exclusão.
03 – De que forma o
"ponto de vista" do menino de rua é caracterizado como o
"contrário do intelectual"?
O ponto de vista
do menino de rua é caracterizado como o "contrário do intelectual"
porque ele não vê o conjunto nem tira conclusões históricas, focando apenas em
"detalhes" que lhe são importantes para a sobrevivência ("Está
na hora de o português da lanchonete despejar o lixo..." ou "Estão
dormindo no meu caixote..."). Isso contrasta com a visão abrangente e
analítica típica do pensamento intelectual.
04 – Como o artigo descreve a
percepção do tempo para o menino de rua?
O artigo afirma
que o conceito de tempo para o menino de rua é "diferente do nosso".
Para ele, "Não há segunda-feira, colégio, happy hour. Os momentos não se
somam, não armazenam memórias". Isso sugere que o tempo do menino é vivido
em um presente contínuo e imediato, ditado pelas necessidades básicas e pelos
eventos momentâneos de sua sobrevivência, sem a linearidade e o planejamento
que caracterizam a vida organizada da sociedade.
05 – Qual a conclusão do autor
sobre a percepção do menino de rua a respeito de sua própria condição?
A conclusão do
autor é que o menino de rua "se acha normal" em sua condição. Ele
"acha natural sair do útero da mãe e logo estar junto aos canos de descarga
pedindo dinheiro". A "anormalidade" e o desconforto, segundo
Jabor, são sentidos por "nós" (a sociedade "normal") com a
presença dele, e não o contrário.
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