Conto: A PAIXÃO SEGUNDO G. H. – Fragmento
Clarice Lispector
[...]
Não tenho uma palavra a dizer. Por que
não me calo, então? Mas se eu não forçar a palavra a mudez me engolfará para
sempre em ondas. A palavra e a forma serão a tábua onde boiarei sobre vagalhões
de mudez.

[...]
Vou criar o que me aconteceu. Só porque
viver não é relatável. Viver não é vivível. Terei que criar sobre a vida. E sem
mentir. Criar sim, mentir não. Criar não é imaginação, é correr o grande risco
de se ter a realidade. Entender é uma criação, meu único modo. Precisarei com
esforço traduzir sinais de telégrafo – traduzir o desconhecido para uma língua
que desconheço, e sem sequer entender para que valem os sinais. Falarei nessa
linguagem sonâmbula que se eu estivesse acordada não seria linguagem.
[...].
São Paulo: ALLCA
XX/Scipione Cultural, 199. p. 14-15.
Fonte: Livro –
Português: Linguagens, 3ª Série – Ensino Médio – William Roberto Cereja,
Thereza Cochar Magalhães, 9ª ed. – São Paulo: Saraiva Editora, 2013. p. 299.
Entendendo o conto:
01 – Qual o dilema inicial que
a narradora expressa em relação à sua capacidade de se comunicar?
O dilema inicial
da narradora é a tensão entre o desejo de falar e a iminência do silêncio total.
Ela sente que se não "forçar a palavra", a mudez a "engolfará
para sempre em ondas", indicando que a linguagem é sua única tábua de
salvação contra o vazio.
02 – Por que a narradora
afirma que "viver não é relatável" e "viver não é vivível"?
A narradora
afirma isso porque entende que a experiência pura da vida transcende a
capacidade da linguagem de capturá-la integralmente. Ela percebe que a vivência
em si é tão profunda e multifacetada que não pode ser contida ou expressa de
forma direta e completa pelas palavras.
03 – Qual a diferença que a
narradora estabelece entre "criar" e "imaginar", e qual a
importância de "criar" para ela?
Para a narradora,
"criar não é imaginação, é correr o grande risco de se ter a
realidade". Isso significa que "criar" não é inventar algo que
não existe, mas sim um processo de apreensão e compreensão da realidade em sua
essência mais profunda, um modo de "traduzir o desconhecido" para que
a experiência vivida possa ser de alguma forma acessada e comunicada.
04 – Que analogia a narradora
usa para descrever o processo de tentar traduzir o indizível?
A narradora usa a
analogia de "traduzir sinais de telégrafo", mais especificamente,
"traduzir o desconhecido para uma língua que desconheço, e sem sequer entender
para que valem os sinais". Essa analogia ilustra a dificuldade extrema e a
natureza quase impossível de sua tarefa de expressar o que vivenciou.
05 – Que tipo de linguagem a
narradora prevê que usará para expressar o que lhe aconteceu e qual a característica
peculiar dessa linguagem?
A narradora prevê
que usará uma "linguagem sonâmbula". A característica peculiar dessa
linguagem é que, se ela estivesse "acordada", essa forma de expressão
não seria considerada linguagem. Isso sugere uma comunicação que transcende a
lógica e a racionalidade convencionais, emergindo de um estado de consciência
alterado, necessário para alcançar a verdade de sua experiência.
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