domingo, 8 de junho de 2025

NOTÍCIA: BRINCAR DE FAZER COISAS DE VERDADE - ÂNGELA NUNES - COM GABARITO

 Notícia: Brincar de fazer coisas de verdade – Fragmento

              Ângela Nunes

        Para as crianças, o dia a dia na aldeia vai-se alternando entre algumas tarefas domésticas que observam, fazem sozinhas ou nas quais ajudam: lavar roupas e louças, tomar conta dos irmãos e irmãs menores. Dar-lhes banho, levar água para casa, ajudar a preparar algum alimento, levar e trazer recados ou coisas, enxotar as galinhas de dentro das casas, etc. Essas tarefas domésticas e outras atividades produtivas de que as crianças fazem parte são de verdade, elas as desempenham utilizando instrumentos de verdade e o resultado final também é de verdade. Tudo é permeado por um significado real e tem uma aplicabilidade concreta. No entanto, o fato de ser tudo de verdade não impede a presença do componente lúdico, ainda que por vezes esteja dissimulado pela responsabilidade que também é preciso assumir. Por exemplo, enxotar as galinhas de dentro das casas é uma tarefa das crianças menores que, frequentemente, transforma-se numa brincadeira de pega-pega com as galinhas, em que estas dificilmente levam a melhor, obrigando-as, por vezes, a sair por uma abertura que fazem propositadamente na palha da parede da casa, junto ao chão.

 Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLb1Whow2cyQa_M9w4SGzk0upIoHjzckckHExAC8FSMskK1ODiLw7OKPdlZpdGMVYWPUq6gPvHsT5snBhZZ06XMcO0d5d_CKflDuRjStSzDpqtnfgX31o6cksWpb3G1EE-bCsswWi3_hujMipvhsRAbU__Vg3XpwdyXcbhheE3v3qcUuEPbCZ0lWiIwro/s1600/images.jpg


        Um bom local para observar esse tipo de situação é a beira do rio, para onde afluem mulheres e crianças de todas as idades para inúmeros afazeres, para a higiene diária, para conversar, refrescar-se e brincar. Os meninos ajudam a transportar as bacias e recipientes para água. As meninas, a lavar a louça e as roupas. Entretanto, enquanto fazem suas tarefas, é frequente que se distraiam com algo mais que esteja acontecendo na beira do rio, com as outras crianças ou mulheres, com o canto de um pássaro num galho próximo, com pedrinhas e folhinhas, com a bolhas de sabão, com a marca dos copos na areia,  com as cores do barro das margens, com o barulhinho da correnteza, ou que encham e esvaziem, com água e areia, vezes sem conta, alguns dos recipientes que estão lavando, que verifiquem se eles flutuam ou não... As crianças menores também tentam ajudar e sempre pegam alguma coisa, que viram e reviram, com água e areia, voltam a virar, e esforçam-se para que fique limpa. As crianças maiores, e até mesmo as mulheres, deixam que as menores façam isso à vontade, e só no final pegam esse utensílio e o lavam elas mesmas. Essa atitude tolerante é reveladora de uma das características do processo educativo dos A’uwe-Xavante. O que a criança tem capacidade, ou habilidade para fazer, é respeitado como tal e é aceito como participação efetiva. Quando é preciso refazer algo que as crianças menores iniciaram, esse ato não vem acompanhado de uma crítica negativa ou reclamação por parte das crianças mais velhas, ou das mães. A criança sente-se, realmente, a salvo do peso do julgamento, e isso a deixa livre para fazer de novo aquela tarefa... exatamente como sabe, e, assim, vai sabendo cada vez mais.

        Outra característica que julgo importante levar em conta é o tempo disponível, por parte de adultos e crianças, para o desempenho de determinadas tarefas. O ritmo da vida permite, por exemplo, que a mãe espere enquanto a menina experimenta, e que a menina fique olhando a mãe enquanto esta completa que ela iniciou. Ou, ainda, que a menina possa repetir uma ou mais vezes o que está fazendo, enquanto a mãe aguarda que esse processo cumpra-se. Lembro-me de um dia estar voltando do rio com uma mulher e sua filha de 4 ou 5 anos, a mãe levando uma cesta com roupa acabada de lavar, e a menina, atrás dela, levando uma bacia com alguns pratos de alumínio e uma panela, igualmente lavados. Ao subir o pequeno barranco, a menina derrubou tudo no chão de areia. Ao ouvir o barulho, a mãe volta-se para ver o que tinha acontecido, e depois olha para mim. A menina não fica nem um pouco constrangida, e, enquanto a mãe pousa sua carga no chão e continua a conversar comigo, a menina vai levando as coisas de novo para o rio, para passar tudo pela água mais uma vez, fazendo boiar cada prato... A mãe não a apressou, não a repreendeu, tampouco precisou lhe dizer o que fazer numa situação daquelas. Quando tudo ficou pronto, a mãe levantou-se, pegou sua cesta, e lá foram as duas a caminho de casa.

NUNES, Ângela. No tempo e no espaço: brincadeiras das crianças A’uwe-Xavante. In: SILVA, Aracy Lopes da; NUNES, Ângela; MACEDO, Vera Lopes da Silva (Orgs.). Crianças indígenas: ensaios antropológicos. São Paulo: Global, 2008. (Fragmento).

Fonte: Língua Portuguesa: Singular & Plural. Laura de Figueiredo; Marisa Balthasar e Shirley Goulart – 6º ano – Moderna. 2ª edição, São Paulo, 2015. p. 64-65.

Entendendo a notícia:

01 – Quais são algumas das tarefas domésticas que as crianças na aldeia realizam ou ajudam a fazer?

      As crianças na aldeia realizam ou ajudam em tarefas como lavar roupas e louças, cuidar dos irmãos menores (inclusive dar banho), levar água para casa, auxiliar no preparo de alimentos, levar e trazer recados ou objetos, e enxotar galinhas de dentro das casas.

02 – Como o texto descreve a natureza das tarefas desempenhadas pelas crianças e qual componente está sempre presente nelas?

      O texto afirma que as tarefas são "de verdade", desempenhadas com instrumentos reais e com resultados concretos, possuindo um significado e aplicabilidade reais. Mesmo assim, o componente lúdico (brincadeira) está sempre presente, por vezes dissimulado pela responsabilidade.

03 – Qual exemplo o texto usa para ilustrar a mistura entre tarefa e brincadeira?

      O exemplo dado é o de enxotar galinhas, uma tarefa das crianças menores que frequentemente se transforma numa brincadeira de pega-pega com as galinhas, onde as crianças chegam a fazer aberturas nas paredes de palha para que as aves saiam.

04 – Por que a beira do rio é um bom local para observar a interação entre tarefas e brincadeiras das crianças?

      A beira do rio é um bom local porque é para lá que mulheres e crianças de todas as idades vão para realizar inúmeros afazeres (higiene, lavar, conversar), além de se refrescar e brincar. É um ambiente onde as crianças frequentemente se distraem com o ambiente ao redor enquanto realizam suas tarefas.

05 – Qual é uma característica importante do processo educativo dos A'uwe-Xavante, revelada pela atitude de adultos e crianças mais velhas?

      Uma característica importante é a tolerância e o respeito pela capacidade e habilidade das crianças. As crianças menores são permitidas a participar e tentar as tarefas à vontade, e quando precisam refazer algo, não há críticas negativas ou reclamações, o que as deixa livres para aprender e tentar novamente sem o peso do julgamento.

06 – Como o ritmo de vida na aldeia influencia o aprendizado das crianças, conforme o texto?

      O ritmo da vida na aldeia permite que tanto adultos quanto crianças tenham tempo disponível para o desempenho das tarefas. Isso significa que a mãe pode esperar a criança experimentar, ou a menina pode repetir o que está fazendo, sem pressa, permitindo que o processo de aprendizado se cumpra naturalmente.

07 – Descreva o episódio narrado sobre a menina que derruba os pratos e a reação da mãe, e o que isso demonstra sobre a educação A'uwe-Xavante.

      Uma menina de 4 ou 5 anos derruba pratos e uma panela lavados em um barranco de areia. A mãe, ao ver, não a repreende nem a apressa, mas continua sua conversa. A menina, sem constrangimento, voltou sozinha ao rio para lavar tudo novamente, inclusive fazendo os pratos boiarem. Esse episódio demonstra a liberdade da criança para aprender e refazer sem julgamento ou intervenção apressada dos adultos, reforçando a autonomia no processo educativo.

 

 

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