Poema: EU SOU TREZENTOS...
MÁRIO DE
ANDRADE
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta,
As sensações renascem de si mesmas sem repouso,
Ôh espelhos, ôh! Pirineus! ôh caiçaras!
Si um deus morrer, irei no Piauí buscar outro!
Abraço no meu leito as melhores palavras,
E os suspiros que dou são violinos alheios;
Eu piso a terra como quem descobre a furto
Nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios beijos!
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta,
Mas um dia afinal eu toparei comigo...
Tenhamos paciência, andorinhas curtas,
Só o esquecimento é que condensa,
E então minha alma servirá de abrigo.
Poesias completas. São
Paulo: Círculo do Livro. s. d. p. 189.
Fonte: Livro –
Português: Linguagens, 3ª Série – Ensino Médio – William Roberto Cereja,
Thereza Cochar Magalhães, 9ª ed. – São Paulo: Saraiva Editora, 2013. p. 96.
Entendendo o poema:
01 – Qual a primeira afirmação
do eu lírico e o que sugere essa repetição numérica ("Eu sou trezentos,
sou trezentos-e-cinquenta")?
A primeira
afirmação do eu lírico é "Eu sou trezentos, sou
trezentos-e-cinquenta". Essa repetição numérica sugere uma multiplicidade
de identidades, sensações e experiências que o eu lírico sente possuir. A
imprecisão do número ("trezentos" e logo em seguida
"trezentos-e-cinquenta") reforça a ideia de uma identidade fluida e
em constante transformação, difícil de definir com precisão.
02 – Identifique as
exclamações na primeira estrofe e interprete o que elas revelam sobre o estado
emocional do eu lírico.
As exclamações na primeira estrofe são "Ôh espelhos, ôh!
Pirineus! ôh caiçaras!". Essas exclamações carregam um tom de intensidade,
admiração e talvez até de estranhamento diante da variedade de elementos que
compõem sua experiência. "Espelhos" podem simbolizar a reflexão sobre
si mesmo em suas múltiplas facetas. "Pirineus" evocam uma
grandiosidade natural e distante, enquanto "caiçaras" remetem a uma
identidade cultural brasileira específica. A disposição dessas exclamações
sugere um espírito inquieto e abrangente.
03 – Como o eu lírico descreve
a relação com as palavras e os suspiros na segunda estrofe? Que efeito essa
descrição produz?
O eu lírico
descreve que abraça "no meu leito as melhores palavras" e que seus
suspiros são "violinos alheios". Essa descrição produz um efeito de
intimidade com a linguagem, como se as palavras fossem um conforto ou um
amante. Já a imagem dos suspiros como "violinos alheios" sugere que
suas emoções podem ser expressas através de algo externo, talvez através da
arte ou da experiência de outros, indicando uma permeabilidade entre o eu e o
mundo.
04 – Qual a ação inusitada que
o eu lírico descreve em relação ao ato de beijar e o que essa imagem pode
simbolizar?
O eu lírico
descreve que pisa a terra "como quem descobre a furto / Nas esquinas, nos
táxis, nas camarinhas seus próprios beijos!". Essa imagem inusitada sugere
uma busca constante por autoconhecimento e por reafirmação de sua identidade em
lugares inesperados e cotidianos. Os "próprios beijos" encontrados furtivamente
podem simbolizar momentos de autoaceitação, de reconhecimento de si mesmo em
meio à vida agitada da cidade.
05 – Qual a esperança ou
resolução expressa na última estrofe em relação ao encontro consigo mesmo e ao
papel do esquecimento?
Na última
estrofe, o eu lírico expressa a esperança de que "um dia afinal eu toparei
comigo...", indicando uma busca por uma identidade mais unificada. Ele
pede paciência ("Tenhamos paciência, andorinhas curtas") e afirma que
"só o esquecimento é que condensa", sugerindo que o tempo e o deixar
para trás certas experiências são necessários para que sua alma encontre um
abrigo, talvez uma forma mais estável ou compreensível de ser. O esquecimento,
paradoxalmente, é visto como um processo de sedimentação da identidade.
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