quarta-feira, 4 de junho de 2025

CRÔNICA: A IMPETUOSA TORRENTE - MOACYR SCLIAR - COM GABARITO

 Crônica: A impetuosa torrente

              Moacyr Scliar

        “Querida professora:

        Já faz muito tempo que aquilo aconteceu, mas lembro como se tivesse sido ontem. Essas coisas marcam, a senhora sabe. E eu fiquei muito marcado pelo acontecimento. Tanto que estou lhe escrevendo.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh6VBhRssR1lEtK4CfNT6dyCcosG8GGPRa16NOQd2KwpRG330wZg9ifLZftb44TDBKoNqVccyBqhoKkF4DTEKHLUqjfuThY71P1kmjW7P1KiGC2lQPT2VBBJ2Gbtf5CW-bMzo0PAcKMbmd-mygPHU_-4bkTuFBnxL4ZjBmmU_-pdTXkRecrDAfvxkHYahw/s320/territorio-da-emocao.jpg


        Talvez a senhora não recorde da aula que a senhora deu naquele dia. Por isso, vou refrescar um pouco a sua memória. A senhora estava falando sobre o rio Amazonas e seus afluentes. A senhora, aliás, falava muito bem, era uma excelente professora. A senhora descrevia o grande rio, aquela gigantesca massa d’água fluindo, ora majestosa, ora irada pela pororoca: água, muita água.

        Eu estava apertado, professora. Eu queria fazer xixi. E quanto mais a senhora falava nas águas, mais vontade me dava de ir ao banheiro. Eu me torcia todo, chegava a ficar roxo com o esforço, mas nada. Quando a senhora fez uma pausa, para entrar na lista dos afluentes, eu aproveitei e pedi para ir lá fora.

        A senhora ficou indignada. Bem agora, a senhora disse, que eu ia falar dos afluentes do Amazonas, os da margem esquerda e os da margem direita, você quer sair! E aí a senhora me passou uma descompostura. Imagine, a senhora disse, se um dia você for à Amazônia e não souber nada dos afluentes, como é que fica?

        Fiquei mal. Porque acabei me urinando. E que quantidade de urina, professora! Eu tinha um Amazonas inteiro na bexiga. O pessoal me olhava, todo molhado e ria sem parar.

        Nunca fui à Amazônia, professora. Nunca vi o grande rio. Mas ultimamente, por causa da próstata, comecei a reter urina. A mesma aflição que senti em sua aula.

        Tenho repetido, baixinho, os nomes dos afluentes do Amazonas: Javari, Juruá, Purus, Madeira, Tapajós, Xingu... Como se fosse um exorcismo, a senhora sabe? Como se fosse uma reza, dessas que curam doença. Claro que não funciona. Mas pelo menos ajuda a matar as saudades. E, ah, professora, que saudades eu tenho, da aurora da minha vida. E daqueles afluentes que, por ela, não passam mais.”

MOACYR SCLIAR. Folha de São Paulo.

Entendendo a crônica:

01 – Qual o motivo que leva o narrador a escrever para sua antiga professora?

      O narrador escreve para sua antiga professora porque um acontecimento marcante da infância, relacionado a uma aula sobre o rio Amazonas e seus afluentes, o deixou profundamente marcado.

02 – Qual era a situação embaraçosa que o narrador vivenciou durante a aula sobre o rio Amazonas?

      O narrador estava muito apertado para fazer xixi, e a professora, ao falar das águas do rio Amazonas, intensificava sua vontade. Ele acabou por se urinar na frente da turma, o que o deixou envergonhado.

03 – Como a professora reagiu ao pedido do aluno para ir ao banheiro e qual foi o argumento dela?

      A professora ficou indignada com o pedido, argumentando que ele queria sair justo quando ela falaria dos afluentes do Amazonas, e questionou como ele se viraria se um dia fosse à Amazônia e não soubesse nada sobre eles.

04 – Que problema de saúde o narrador enfrenta na vida adulta que o faz reviver a aflição da infância?

      Na vida adulta, o narrador tem problemas de próstata, que o fazem reter urina e sentir a mesma aflição de quando criança.

05 – Qual é o desfecho da crônica e que sentimento ele evoca no narrador?

      No desfecho, o narrador, ao repetir os nomes dos afluentes do Amazonas como um "exorcismo" ou "reza", expressa uma profunda saudade da infância ("aurora da minha vida") e dos tempos em que essa aflição não era um problema de saúde, mas sim um momento inocente, embora embaraçoso, de sua vida.

 

 

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