Crônica: Alfabetizar...
Tatiana Belinky
Eu não sou professora – não tenho
direito a esse título, não tive formação acadêmica para merecê-lo, até porque
parei no segundo ano de Filosofia, e dali em diante "filosofei" pela
vida por minha própria conta... Mas hoje, se fosse para ostentar um título
muito honroso, eu gostaria que ele fosse o de alfabetizadora. Sim, porque para
mim o momento mais importante do magistério, de todo o magistério, é o do
professor primário, o "mestre-escola"; e dentro deste, o degrau
verdadeiramente fundamental, primordial, é o do alfabetizador – ou quiçá deva
dizer da alfabetizadora, a mulher, representante sem dúvida majoritária desta
mais nobre das profissões.

Alfabetizar, qualquer que seja o método
– e hoje os há mais eficientes do que muitos antigos, haja vista os de Paulo
Freire ou Emília Ferreiro, para só citar dois (embora os métodos mais antigos
não tenham deixado de produzir grandes nomes de escritores, poetas,
dramaturgos, romancistas, pensadores, há séculos e mesmo milênios) –,
alfabetizar é abrir os olhos de crianças, de jovens e de adultos para o mundo
deslumbrante de Sua Majestade, a Palavra, na sua grande função de ferramenta do
pensamento. A Palavra Escrita, para ser lida...
Ensinar a ler, que maravilha! Abrir o
caminho para a leitura, para o livro, maravilha! Dá vontade de fazer algumas
citações, como por exemplo, "Bendito quem semeia, / livros à mancheia, / e
faz o povo pensar!", de Castro Alves; ou "Um país se faz com homens e
livros", de Monteiro Lobato. Ou até a "sacada" brilhante de
Ziraldo: "Ler é mais importante do que estudar"...
O grande papel do alfabetizador é, sim,
ensinar a ler – mas a ler "de verdade", com fluência natural, sem
decifrar penosamente o código escrito, sem tropeçar em letras, sílabas e
palavras, sem "gaguejar" nas frases –, a ler "como quem
respira" (ainda citando Ziraldo). E isto se consegue só com textos que de
uma forma ou outra interessem aos alunos de qualquer tipo ou idade e nunca com
"frases de cartilha" ocas e sem sentido...
Alfabetizar é dar instrumentos ao
estudante para saber fazer uso dessa habilidade adquirida em fins práticos,
sim. Mas principalmente para presenteá-lo com o dom da leitura prazerosa – o acesso
à literatura, com as suas emoções estéticas e éticas, a poesia, o romance, a
aventura – toda uma riqueza sem fim... É ensiná-lo a "querer" ler,
sem nunca "mandar". Ensiná-lo a gostar de ler...
E aqui vai mais uma das minhas citações
preferidas, do premiado escritor francês e professor de literatura, Daniel
Pennac, na primeira frase do primeiro capítulo do seu livro Como um romance:
"O verbo ler não comporta imperativo – como o verbo amar e o verbo
sonhar... Não se manda – não se pode – mandar amar ou mandar sonhar. E o mesmo
deve valer para a leitura, o encantamento e o prazer de ler – de ler de livre e
espontânea vontade – o que só é possível quando se é alfabetizado 'pra
valer'."
E isto inclui, naturalmente, o aprender
a escrever, a se expressar e se comunicar por escrito – mas aqui já se trata da
segunda parte da alfabetização básica – “uma outra história que fica para uma
outra vez", e não cabe no espaço desta pequena crônica...
O que cabe aqui é mesmo uma
entusiasmada saudação à Equipe Pedagógica do Programa de Formação de
Professores Alfabetizadores, com os votos de merecido sucesso da Tatiana
Belinky.
Fonte: Letra e Vida.
Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos –
Módulo 3 – CENP - São Paulo – 2005. p. 15-16.
Entendendo a crônica:
01 – Por que Tatiana Belinky,
apesar de não ser professora, gostaria de ser reconhecida como alfabetizadora?
Tatiana Belinky,
mesmo sem formação acadêmica em pedagogia, gostaria do título de alfabetizadora
porque considera essa a profissão mais nobre e o momento mais fundamental do
magistério. Para ela, o ato de alfabetizar é o alicerce de todo o aprendizado e
a chave para abrir o mundo do conhecimento.
02 – Qual é a principal função
da Palavra Escrita, segundo a autora?
A principal
função da Palavra Escrita, segundo a autora, é ser a "ferramenta do
pensamento". Ao abrir o mundo deslumbrante da Palavra, o alfabetizador
oferece o instrumento essencial para que o indivíduo possa refletir,
compreender e se expressar de forma mais profunda.
03 – Quais são os dois
objetivos centrais do processo de alfabetização, além do uso prático da
habilidade?
Os dois objetivos
centrais são, primeiro, ensinar a ler "de verdade", ou seja, com
fluência natural e sem dificuldade, "como quem respira". Em segundo
lugar, e talvez mais importante, é presentear o aluno com o dom da leitura
prazerosa, abrindo o acesso à literatura, às emoções estéticas e éticas, e
ensinando-o a "querer" ler, sem imposição.
04 – Como a crônica contrapõe
os métodos de alfabetização antigos e modernos?
A crônica
menciona que, embora haja métodos modernos mais eficientes (citando Paulo
Freire e Emília Ferreiro), os métodos antigos também produziram grandes nomes
da literatura e do pensamento. Isso sugere que a eficácia da alfabetização vai
além do método em si, focando mais no resultado de abrir o mundo da leitura
para o indivíduo.
05 – Qual a importância de se
usar textos que interessem aos alunos no processo de alfabetização?
É crucial usar
textos que interessem aos alunos porque isso permite que a leitura se torne
fluente e natural, sem a necessidade de decifrar penosamente o código. A autora
enfatiza que o prazer e o engajamento são alcançados com "textos que de
uma forma ou outra interessem" e nunca com "frases de cartilha"
ocas e sem sentido.
06 – O que a citação de Daniel
Pennac sobre o verbo "ler" revela sobre a filosofia de ensino da
autora?
A citação de
Daniel Pennac ("O verbo ler não comporta imperativo – como o verbo amar e
o verbo sonhar...") revela a filosofia da autora de que a leitura não deve
ser imposta. Assim como o amor e o sonho, o prazer de ler deve ser uma escolha
livre e espontânea, algo que só é possível quando a pessoa é alfabetizada
"pra valer" e desenvolve o desejo genuíno pela leitura.
07 – Por que a crônica não
aprofunda o tema da escrita, apesar de mencioná-lo como parte da alfabetização
básica?
A crônica não
aprofunda o tema da escrita porque, para a autora, o aprender a escrever e se
expressar por escrito é a "segunda parte da alfabetização básica".
Ela considera esse um tópico que "fica para uma outra vez" e que
"não cabe no espaço desta pequena crônica", focando no objetivo
principal de saudar o processo de alfabetização e o papel do alfabetizador na
iniciação à leitura.
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