Notícia: No meio do silêncio
CARLOS HEITOR CONY
Há muito que o Natal deixou de ser uma
festa religiosa. No seu aspecto positivo, virou festa de congraçamento,
sobretudo no seio da família, é a data em que todos voltam a comer juntos, ao
menos um peru e uma rabanada. No aspecto negativo, é o grande festim do
consumo, presidido por esse chato e mercadológico "Bom Velhinho", que
seria tolerável num filme de Frank Capra.

É uma pena. Porque o Natal, mesmo sem
qualquer conotação religiosa, sem qualquer compromisso confessional, lembra uma
antiga e inarredável aspiração humana: a de um Deus entre nós, com a nossa
carne. E passa despercebida a beleza daquilo que Renan considerou "o mais
belo drama pastoril da humanidade".
Independente
do dogma e da fé, é comovente a história daquela judiazinha de 15 anos que
aceitou sem espanto o anúncio do anjo de que geraria um Deus. Daquele
carpinteiro que de repente, sem aviso prévio, foi comunicado de que sua mulher
geraria um Deus – e se tornou guardião da mulher e do menino.
E os pastores que velavam na imensa
noite do deserto viram falanges de anjos dando glória a Deus nas alturas e
receberam o convite para ir ver o menino. E foram. O evangelista usa o verbo
exato: "transeamus", vamos até Belém. Não adianta receber a mensagem
e continuar na mesma. Ir é preciso.
E tudo se passou no meio de um grande
silêncio, "dum medium silentium". Somente no silêncio há espaço e
tempo para ouvir a mensagem, para realizar o trânsito em direção ao novo, ao
que acaba de ser revelado.
E é nesse silêncio que curto o meu
Natal, Natal ainda pagão, mas com pena de continuar pagão no meio de tanta luz
que inundou a Lagoa. Espero a noite ir alta, quando todos estão dormindo
profundamente. Não ouço nenhuma voz, não vejo nenhum anjo no céu. Mesmo assim,
espero.
Carlos Heitor Cony. Reprodução do jornal Folha de S. Paulo de
25/12/1996, fornecido pela Agência Folha.
Fonte: Português –
Novas Palavras – Ensino Médio – Emília Amaral; Mauro Ferreira; Ricardo Leite;
Severino Antônio – Vol. Único – FTD – São Paulo – 2ª edição. 2003. p. 566.
Entendendo a notícia:
01
– Como Carlos Heitor Cony vê o Natal contemporâneo?
Cony vê o Natal
moderno como uma festa que perdeu seu caráter religioso, transformando-se em um
evento de congraçamento familiar e, principalmente, em um grande festival de
consumo, dominado pela figura comercial do "Bom Velhinho".
02
– Qual aspecto do Natal, segundo o autor, ainda preserva um valor
significativo?
Mesmo sem a conotação religiosa, Cony destaca a beleza da
ideia de "um Deus entre nós", representando uma antiga aspiração
humana.
03
– Quais personagens bíblicos são destacados na reflexão de Cony?
Cony menciona
Maria, a "judiazinha de 15 anos", José, o carpinteiro, e os pastores
que receberam a visita dos anjos no deserto.
04
– Qual a importância do silêncio na mensagem do Natal, segundo o autor?
O silêncio é
essencial para ouvir a mensagem natalina e realizar a "transição"
para o novo, para o que foi revelado.
05
– Como Cony descreve sua experiência pessoal do Natal?
Cony descreve seu
Natal como ainda "pagão", mas com um desejo de transcender essa
condição. Ele espera a noite avançada, quando todos estão em silêncio, para
refletir e esperar, mesmo sem ver anjos ou ouvir vozes.
06
– Qual a crítica de Carlos Heitor Cony sobre o natal?
O autor faz uma
crítica ao aspecto comercial do natal, presidido pelo "bom velhinho"
e por um grande festim de consumo.
07
– O que significa a expressão "transeamus" utilizada pelo
evangelista?
A expressão
"transeamus" significa "vamos até Belém", e o autor a usa
para enfatizar que não basta receber a mensagem, é preciso agir e ir ao
encontro do novo.
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