Romance: A escrava Isaura cap. 9 – Fragmento
Bernardo Guimarães
[...]; que necessidade tenho eu de
pedir aquilo que de direito me pertence? Lembra-te, escrava ingrata e rebelde,
que em corpo e alma me pertences, a mim só e a mais ninguém. És propriedade
minha; um vaso, que tenho entre as minhas mãos e que posso usar dele ou despedaçá-lo
a meu sabor,

-- Pode despedaçá-lo, meu senhor; bem o
sei; mas, por piedade, não queira usar dele para fins impuros e vergonhosos. A
escrava também tem coração, e não é dado ao senhor querer governar os seus
afetos.
-- Afetos!... quem fala aqui em
afetos?! Podes acaso dispor deles?...
-- Não, por certo, meu senhor; o
coração é livre; ninguém pode escravizá-lo, nem o próprio dono.
-- Todo o teu ser é escravo; teu
coração obedecerá, e se não cedes de bom grado, tenho por mim o direito e a
força... mas para quê? para te possuir não vale a pena empregar esses meios
extremos. Os instintos do teu coração são rasteiros e abjetos como a tua
condição; para te satisfazer far-te-ei mulher do mais vil, do mais hediondo de meus
negros.
-- Ah! senhor! bem sei de quanto é
capaz. Foi assim que seu pai fez morrer de desgosto e maus-tratos a minha pobre
mãe; já vejo que me é destinada a mesma sorte. Mas fique certo de que não me
faltarão nem os meios nem a coragem para ficar para sempre livre do senhor e do
mundo.
-- Oh! – exclamou Leôncio com satânico
sorriso, – já chegaste a tão subido grau de exaltação e romantismo!... isto em
uma escrava não deixa de ser curioso. Eis o proveito que se tira de dar
educação a tais criaturas! Bem mostras que és uma escrava, que vives de tocar
piano e ler romances. Ainda bem que me preveniste; eu saberei gelar a ebulição
desse cérebro escaldado. Escrava rebelde e insensata, não terás mãos nem pés
para pôr em prática teus sinistros intentos. Olá, André, – bradou ele e apitou
com força no cabo do seu chicote.
[...]
Neste momento chega André trazendo o
tronco e as algemas, que deposita sobre um banco, e retira-se imediatamente.
Ao ver aqueles bárbaros e aviltantes
instrumentos de suplício turvaram-se os olhos a Isaura, o coração se lhe
enregelou de pavor, as pernas lhe desfaleceram, caiu de joelhos e debruçando-se
sobre o tamborete, em que fiava, desatou uma torrente de lágrimas.
-- Alma de minha sinhá velha! –
exclamou com voz entrecortada de soluços – valei-me nestes apuros; valei-me lá
do céu, onde estais, como me valíeis cá na Terra.
-- Isaura, – disse Leôncio com voz
áspera apontando para os instrumentos de suplício, – eis ali o que te espera,
se persistes em teu louco emperramento. Nada mais tenho a dizer-te; deixo-te
livre ainda, e fica-te o resto do dia para refletires. Tens de escolher entre o
meu amor e o meu ódio. Qualquer dos dois, tu bem sabes, são violentos e
poderosos. Adeus!...
[...]
GUIMARÃES, Bernardo. A
escrava Isaura. 20. ed. São Paulo, Ática, 1994. p. 54-56. (Série Bom Livro).
Fonte: Português. Série
novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão.
Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 205-206.
Entendendo o romance:
01 – Qual a reivindicação de
Leôncio sobre Isaura?
Leôncio
reivindica que Isaura pertence a ele de corpo e alma, sendo sua propriedade e
estando sob seu total domínio.
02 – Como Isaura responde à
reivindicação de Leôncio?
Isaura reconhece que Leôncio tem poder sobre seu corpo, mas
apela para sua piedade, pedindo que ele não a use para fins impuros e afirmando
que seu coração é livre.
03 – Qual a reação de Leôncio
à afirmação de Isaura sobre a liberdade do coração?
Leôncio ignora a afirmação de Isaura, insistindo que todo o
ser dela é escravo e que seu coração deve obedecer às suas vontades.
04 – Qual a ameaça de Leôncio
para Isaura caso ela não ceda às suas vontades?
Leôncio ameaça Isaura dizendo que a fará esposa
do mais vil de seus escravos para humilhá-la.
05 – Como Isaura reage às
ameaças de Leôncio?
Isaura expressa
que conhece a crueldade de Leôncio, comparando-o ao pai dele, e afirma que
preferirá a morte à submissão.
06 – Qual a reação de Leôncio
ao ouvir as palavras de Isaura?
Leôncio zomba de
Isaura, chamando-a de romântica e rebelde, e ameaça usar punições físicas para
controlá-la.
07 – Qual o ultimato de
Leôncio para Isaura?
Leôncio dá a
Isaura o resto do dia para escolher entre seu amor e seu ódio, afirmando que
ambos são violentos e poderosos.
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