Conto: Como ser ruim no futebol
Marcelo Coelho
Eu estava na terceira série. E minha
escola era muito tradicional. Antiquada.
Para você ter ideia: no recreio, não
deixavam a gente correr no pátio. Futebol, também não podia. Não podia nada.
Quando tocava o sinal par acabar o recreio, a gente era obrigado a formar fila.
Daí tocava outro sinal, para a fila começar a andar. Parecia coisa de exército.

Com toda essa chatice, minha escola
tinha uma vantagem.
É que eu era bom aluno. O primeiro da
classe. E todo mundo achava legal.
O aluno bonzinho tinha prestígio na
escola. Quanto mais bonzinho, mais amigo dos outros. As meninas queriam que eu
fosse namorado delas.
Um dia, meus pais acharam melhor que eu
mudasse de escola. A minha era muito antiquada mesmo. Achei bom.
Fui para uma escola mais legal. Não
precisava usar uniforme. A gente não tinha de chamar a professora de “dona”.
Era “tia”, “você”. Muito mais moderno.
Mas eu acabei sofrendo um pouco com
essa mudança. Eu estava acostumado a ser o “bonzinho”, o primeiro da classe, o
cê-dê-efe. De repente eu entrei num mundo diferente. Ser o “bonzinho” era ser
um idiota. Ser o primeiro da classe pegava mal. Ficaram achando que eu era
puxa-saco da professora. Bom, um pouco eu era mesmo.
Todos os meninos da escola nova sabiam
jogar futebol. Na minha escola não se jogava. Eu era péssimo em futebol.
Gozavam de mim.
Eu não estava entendendo direito.
Antes, eu era o bacana da classe. Agora, eu era o ridículo.
Isso foi na quarta série. Naquela
época, acontecia uma coisa engraçada. Os meninos odiavam as meninas.
Detestavam. Desprezavam.
É claro, as meninas tinham sempre o
caderno arrumadinho. Eram quase todas cê-dê-efes. Tudo nelas era caprichado.
Bonitinho. Os meninos, não. O legal era ser mau aluno. Rebelde. Bagunceiro.
Bandidão.
Na classe havia uma briga enorme entre
meninos e meninas. Talvez você não acredite, mas a coisa era tão feia que
nenhum menino podia chegar perto de uma menina. Bastava uma menina aparecer,
que a gente fingia estar apertando um inseticida, um aerossol. A gente fazia
com o dedo: “fsssttt”. Como se estivesse matando barata ou mosquito.
Eu achava essa coisa muito cretina.
Foi quando uma menina avisou que ia
fazer aniversário. Iria dar uma festa.
O nome dela era Maria Lídia.
Fui a festa.
Não tinha nenhum menino da escola. Só
eu. Os outros meninos que estavam lá deviam ser primos dela, ou coisa parecida.
Da escola mesmo, nenhum menino. É claro. Eles desprezavam as meninas.
Eu era meio bobo, e tinha chegado de
uma escola diferente. Não fazia como os outros. Por isso a Maria Lídia tinha me
convidado.
Na festa, resolveram fazer um concurso.
Um campeonato de tiro ao alvo. Era um daqueles revolvinhos de plástico, com
flechinhas de ventosa na ponta, que grudam na parede.
Peguei o revólver, mirei o alvo.
Acertei várias vezes.
Só que fiquei em segundo lugar. Um
primo dela era muito bom naquilo e ficou em primeiro.
Deram um prêmio para ele. Acho que foi
um carrinho de plástico.
Como eu tinha ficado em segundo lugar,
tinha direito a um prêmio também.
A Maria Lídia me chamou. Disse que ia
dar o meu prêmio. Ela me levou para o quarto dela.
Deu para mim um saco de bolas de gude.
-- Obrigado, Maria Lídia.
Ela não respondeu. Pensou um pouco.
Abriu uma gaveta. E me deu um álbum de figurinhas.
Não parou por aí. Ela também me deu um
bonequinho de índio. Umas canetinhas hidrográficas. Um quadrinho. Um monte de
coisas.
Achei ótimo. Mas fiquei pensando.
Afinal, no campeonato de tiro ao alvo, eu só tinha tirado o segundo lugar. E o
primeiro lugar só recebera um carrinho de plástico. Todos aqueles presentes nem
eram prêmio de campeonato nenhum. Eram coisas dela, que ela ia dando sem parar.
Pode ser que a Maria Lídia gostasse de
mim. Mas pode se outra coisa.
Eu era o único menino da escola que
tinha ido à festa. Eu era o único que não desprezava as meninas. Acho que ela
ficou tão contente com isso que me deu todos os presentes que podia inventar.
Ganhar no tiro ao alvo não era
importante para ela. Ir à festa era mais.
Concluí que ser bonzinho às vezes é um
ótimo negócio.
E que a gente não precisa ser bom no
futebol. As meninas não ligam para isso. Se a gente for legal com elas.
COELHO, Marcelo. A
professora de desenho e outras histórias. São Paulo, Companhia das Letrinhas,
1998. p. 17-21.
Fonte: Linguagem Nova.
Faraco & Moura. 5ª série – 17ª ed. 3ª impressão – São Paulo – Editora Ática
– 2003. p. 61-63.
Entendendo o conto:
01 – Por que a escola do
narrador era considerada antiquada?
A escola era considerada antiquada porque
não permitia que as crianças corressem no pátio, jogassem futebol ou fizessem
outras atividades durante o recreio. Além disso, as crianças eram obrigadas a
formar fila quando o sinal tocava.
02 – Qual era a vantagem de
estudar na escola antiquada, segundo o narrador?
A vantagem era
que o narrador, sendo um bom aluno e o primeiro da classe, tinha prestígio e
era bem-visto pelos colegas, especialmente pelas meninas.
03 – O que mudou na vida do
narrador quando ele foi transferido para uma escola mais moderna?
Na escola nova,
ser um bom aluno não era valorizado e o narrador foi considerado um puxa-saco
da professora. Além disso, ele se sentiu deslocado porque todos os meninos
sabiam jogar futebol, mas ele era péssimo no esporte.
04 – Como os meninos da nova
escola tratavam as meninas?
Os meninos da
nova escola desprezavam as meninas e faziam brincadeiras ofensivas, como fingir
apertar um inseticida ao redor delas.
05 – Quem era Maria Lídia e o
que ela fez?
Maria Lídia era
uma menina da escola do narrador que convidou os colegas para sua festa de
aniversário. Ela organizou um concurso de tiro ao alvo na festa.
06 – Qual foi a reação dos
meninos da escola ao convite da Maria Lídia para sua festa?
Nenhum dos
meninos da escola compareceu à festa, exceto o narrador. Os outros meninos
desprezavam as meninas e não foram.
07 – Que competição ocorreu na
festa de Maria Lídia e qual foi o resultado do narrador?
Houve um concurso
de tiro ao alvo com um revólver de brinquedo. O narrador ficou em segundo
lugar, enquanto o primo de Maria Lídia ficou em primeiro.
08 – Quais prêmios o narrador
recebeu na festa de Maria Lídia?
O narrador
recebeu um saco de bolas de gude, um álbum de figurinhas, um bonequinho de
índio, canetinhas hidrográficas, um quadrinho e outros presentes que Maria
Lídia lhe deu espontaneamente.
09 – Por que o narrador
acredita que Maria Lídia lhe deu tantos presentes?
O narrador
acredita que Maria Lídia lhe deu muitos presentes porque ele foi o único menino
da escola que compareceu à festa e não desprezava as meninas.
10 – Qual foi a lição que o
narrador aprendeu ao final do conto?
O narrador
concluiu que ser bonzinho pode ser um ótimo negócio e que não é necessário ser
bom no futebol para ser valorizado pelas meninas.
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