sexta-feira, 28 de março de 2025

ROMANCE: O MULATO - CAP. XII - FRAGMENTO - ALUÍSIO AZEVEDO - COM GABARITO

 Romance: O mulato cap. XII – Fragmento

                 Aluísio Azevedo

        [...]

        Uma só palavra bolava à superfície dos seus pensamentos: “Mulato”. E crescia, crescia, transformando-se em tenebrosa nuvem, que escondia todo o seu passado. Ideia parasita, que estrangulava todas as outras ideias.

        — Mulato!

Fonte https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjx3lWTGC8-WYw3tnC2UrGBIocpmXsNzVHLML9gnsDKq0hkjb3895FOjBDy9eHsUuxsPz8IrOzST7B5FawFiGLSmt86zER8I2lbyKaI-J8JmQG9WhO4v6bdxGCWRdDegyevYTmIAEsctXLmLL_1I5_TaxHIzBxa-zQ7L11I5ZC4kTlpVtmoAjzRQGDCMWs/s320/o-mulato.jpg


        Esta só palavra explica-lhe agora todos os mesquinhos escrúpulos, que a sociedade do Maranhão usara para com ele. Explicava tudo: a frieza de certas famílias a quem visitara; a conversa cortada no momento em que Raimundo se aproximava; as reticências dos que lhe falavam sobre os seus antepassados; a reserva e a cautela dos que, em sua presença, discutiam questões de raça e de sangue; a razão pela qual D. Amância lhe oferecera um espelho e lhe dissera: “Ora mire-se!” a razão pela qual diante dele chamavam de meninos os moleques da rua. Aquela simples palavra dava-lhe tudo o que ele até aí desejara e negava-lhe tudo ao mesmo tempo, aquela palavra maldita dissolvia as suas dúvidas, justificava o seu passado; mas retirava-lhe a esperança de ser feliz, arrancava-lhe a pátria e a futura família; aquela palavra dizia-lhe brutalmente: “Aqui, desgraçado, nesta miserável terra em que nasceste, só poderás amar uma negra da tua laia! Tua mãe, lembra-te bem, foi escrava! E tu também o foste!”

        — Mas, replicava-lhe uma voz interior, que ele mal ouvia na tempestade do seu desespero; a natureza não criou cativos! Tu não tens a menor culpa do que fizeram os outros, e no entanto és castigado e amaldiçoado pelos irmãos daqueles justamente que inventaram a escravidão no Brasil!

        E na brancura daquele caráter imaculado brotou, esfervilhando logo, uma ninhada de vermes destruidores, onde vinham o ódio, a vingança, a vergonha, o ressentimento, a inveja, a tristeza e a maldade. E no círculo do seu nojo, implacável e extenso, entrava o seu país, e quem este primeiro povoou, e quem então e agora o governava, e seu pai, que o fizera nascer escravo, e sua mãe, que colaborara nesse crime. “Pois então de nada-lhe lhe valia ter sido bem educado e instruído; de nada lhe valia ser bom e honesto?... Pois naquela odiosa província, seus conterrâneos veriam nele, eternamente, uma criatura desprezível, a quem repelem todos do seu seio?...” E vinham-lhe então, nítidas à luz crua do seu desalento, as mais rasteiras perversidades do Maranhão; as conversas de porta de botica, as pequeninas intrigas que lhe chegavam aos ouvidos por intermédio de entes ociosos e objetos, a que ele nunca olhara senão com desprezo. E toda essa miséria, toda essa imundícia, que até então se lhe revelava aos bocadinhos, fazia agora uma grande nuvem negra no seu espírito, porque, gota a gota, a tempestade se formara. E, no meio desse vendaval, um desejo crescia, um único, o desejo de ser amado, de formar uma família, um abrigo legítimo, onde ele se escondesse para sempre de todos os homens.

        Mas o seu desejo só pedia, só queria, só aceitava Ana Rosa, como se o mundo inteiro houvera desaparecido de novo ao redor daquela Eva pálida e comovida, que lhe dera a provar, pela primeira vez, o delicioso veneno do fruto proibido.

AZEVEDO, Aluísio. O mulato. 19. ed. São Paulo, Ática, 1999. p. 167-168. (Série Bom Livro).

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 228-229.

Entendendo o romance:

01 – Qual palavra atormenta os pensamentos de Raimundo?

      A palavra que atormenta Raimundo é "mulato". Ela representa o preconceito racial que ele enfrenta e que obscurece sua visão de si mesmo e de seu passado.

02 – Que revelações a palavra "mulato" traz para Raimundo?

      A palavra revela a Raimundo as razões por trás do tratamento frio e discriminatório que ele recebe da sociedade maranhense. Ela explica a frieza das famílias, as conversas interrompidas, as reticências sobre seu passado e a forma como as questões raciais eram tratadas em sua presença.

03 – Que sentimentos negativos surgem em Raimundo após a revelação?

      Sentimentos de ódio, vingança, vergonha, ressentimento, inveja, tristeza e maldade surgem em Raimundo. Ele se sente injustiçado e amaldiçoado pela sociedade.

04 – Como Raimundo reage à injustiça que sente?

      Raimundo questiona a injustiça de ser punido por algo que não fez, lembrando que a natureza não criou cativos. Ele também sente raiva de seu pai e de sua mãe por terem contribuído para sua condição.

05 – Que desejo cresce em Raimundo em meio ao desespero?

      Em meio ao desespero, cresce em Raimundo o desejo de ser amado e de formar uma família, um refúgio onde ele possa se esconder do preconceito.

06 – Qual o papel de Ana Rosa nos desejos de Raimundo?

      Ana Rosa representa a possibilidade de amor e aceitação para Raimundo. Ele a vê como a única capaz de lhe proporcionar a felicidade que ele tanto almeja.

07 – Qual a crítica social presente no fragmento?

      O fragmento apresenta uma crítica contundente ao preconceito racial e à hipocrisia da sociedade maranhense do século XIX. Aluísio Azevedo expõe a crueldade do racismo e os efeitos devastadores que ele causa na vida de Raimundo.

 

 

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