quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

CRÔNICA: O PINHEIRO - WALCYR CARRASCO - COM GABARITO

 Crônica: O Pinheiro

                                 Walcyr Carrasco

HÁ MUITOS ANOS TIVE um Natal especialmente feliz. Eu e um grupo de amigos nos reunimos para fazer uma ceia em minha chácara. Cada um ficou encarregado de um detalhe. Uma semana antes dei pela falta:

—- E a árvore?

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhpkYxB8awXwnvJL-_DT15uL8FgsV8jnRrHNRBkZhn5uyNWcK1R8QEwnNrGTwk-c1eW3bXFRNQaAXsF89d4FJUrHZJ3nGOXHf6kW4jVQHP5Y8nGyB-mOw7MyTj54EDohaHfS_2Yk0PZ3to1ZEUbShTTDZ4QCNScBSD9nni219gyFI95JNbZdzSMQ3lbJ8U/s320/PINHEIRO.jpg 


O bando de gulosos, de tão entusiasmado em discutir cardápio, achar receitas, comprar bebida, nem se preocupara com um detalhe tão prosaico e ao mesmo tempo tão natalino. Houve quem dissesse que árvore não precisava ter.

Insisti:

— Natal sem árvore não dá.

Sou meio romântico, apegado a certas deliciosas, tradições. Quando eu era criança, meus pais tinham uma árvore de penas verdes (acreditem), precursora das de plástico. As bolas coloridas, capazes de quebrar ao menor toque, ficavam guardadas o ano todo, envoltas em papel de seda. Em cima colocava-se um ponteiro brilhante, e em torno dos galhos, festões prateados cobertos com discutíveis pedaços de algodão branco. Uma vizinha fazia um presépio famoso no bairro. As figurinhas de cerâmica, pintadas. Um espelho fazia as vezes de rio. E grama, grama de verdade, colocada sobre uma tênue camada de terra, deixando o presépio cheio de vida. Eu, por mim, continuaria acreditando até em Papai Noel. Seria ótimo bater o pé, anunciar o presente desejado e ficar fazendo caras e bocas até ganhar. Entretanto, a verdade me foi revelada lá pelos sete anos, quando insisti em ganhar um cavalo de corrida. Tanto chorei quando o cavalo não veio que minha mãe não teve alternativa a não ser revelar a triste realidade. O Papai Noel que cabia no orçamento familiar não abarcava cavalos. Mas da árvore eu nunca quis abrir mão.

Um amigo saiu em busca de um pinheiro verdejante. Demorou horas.

Voltou com uma árvore raquítica e torta.

— Mas que pinheiro pavoroso! — reclamei.

— Bati em vários lugares, ninguém mais tinha. Achei este.

Pelo menos o homem deu desconto.

Era uma tristeza enfeitar aquele pinheiro tortinho. Compramos umas bolas, inventamos uns laços de fitas, botamos umas luzinhas. Minha mãe veio, e na véspera, quando todos estavam cozinhando, ela dedicou-se a conferir quantas cervejas cada um bebia.

— Se você continuar bebendo vai deixar o pernil queimar! — anunciava.

O pudim de uma amiga desandou. Inventei uma salada estranhíssima, que todo mundo experimentou por educação, de nariz torcido. Eu mesmo comi para disfarçar. Mas o pernil e a farofa estavam excelentes. Bebemos, comemos e trocamos presentes, e rimos muito!. Para minha surpresa, as pessoas não ficaram o tempo todo correndo de um lado para o outro. Sim, porque na maioria das vezes a ceia de Natal é parecida com uma estação de metrô, com uma porção de gente entrando e saindo. Há quem chegue atrasado porque precisou dar uma "passadinha" na casa de não sei quem. E quem saia voando, sem comer direito, rir ou desfrutar, para ir a outra casa, onde alguém pode ficar "chateado".

No dia seguinte um grupo ainda se encontrou para desfrutar as sobras.

Dias depois o pinheiro continuava lá, com as fitas já meio caídas. Pensei

em jogar no lixo. Hesitei. Afinal estava vivo, não estava?           

Achei que plantar uma árvore era um bom sinal para o Ano-Novo. Decidi. Peguei a enxada. Abri uma cova em frente da casa e botei o pinheiro, cortando o fundo da lata. As raízes quebraram, achei que não fosse para a frente. Para minha surpresa, continuou crescendo bem devagarinho, ano após ano. Certa vez, uma visita comentou:

— Meu avô, dizia que, quando o pinheiro ultrapassa o telhado, o dono da casa morre.

Sou supersticioso. Quase peguei o machado para cortar. Resisti, suspirando:

— Deixo nas mãos do destino!

O pinheiro já está bem mais alto que o telhado e eu continuo aqui. Minha mãe se foi. Muitos daqueles amigos tomaram outros rumos, e o nosso Natal em comum é uma vaga lembrança. Estranhamente o pinheiro cresceu de um jeito torto, com o tronco fazendo uma curva pendendo para um lado. Mesmo assim, encontrou um equilíbrio — como talvez todos nós, em situações de dificuldade. Ficou enorme e majestoso. Ao olhá-lo, sinto sempre um calor no peito. Não só pela lembrança, mas também pelo sentimento de continuidade. Em datas especiais, como Natal e Ano-Novo, é essa a grande sensação. A alegria de enfeitar uma árvore. Os amigos que se foram e os que estão chegando. Os laços. A troca. A felicidade de estar ao lado de quem a gente gosta. E a vida, que se renova.

Entendendo o texto

01. Qual foi o detalhe esquecido pelos amigos na preparação do Natal na chácara?

a) Comprar bebidas.

b) Escolher presentes.

c) Decorar a árvore.

d) Planejar o cardápio.

02. Como o autor descreve a árvore de Natal de sua infância?

      a) De plástico.

      b) De penas verdes.

      c) Feita de algodão.

      d) Com bolas de cerâmica.

03. Por que o amigo teve dificuldades em encontrar um pinheiro para a chácara?

       a) Todos estavam muito caros.

       b) Estava fora de temporada.

       c) Já estavam esgotados.

       d) Ninguém mais tinha em estoque.

04. Como o autor descreveu o pinheiro que o amigo trouxe?

       a) Grande e frondoso.

       b) Raquítico e torto.

       c) Majestoso e retilíneo.

       d) Pequeno e robusto.

05. O que a mãe do autor fez na véspera do Natal enquanto todos estavam cozinhando?

       a) Decorou a árvore.

       b) Preparou presentes.

       c) Conferiu a quantidade de cervejas de cada um.

       d) Fez uma salada estranha.

06. O que aconteceu com o pinheiro depois do Natal?

       a) Foi vendido.

       b) Ficou na chácara.

       c) Foi jogado no lixo.

       d) Foi plantado.

07. Por que o autor hesitou em jogar o pinheiro no lixo?

       a) Porque estava morto.

        b) Porque estava torto.

        c) Porque estava vivo.

        d) Porque estava sem enfeites.

08. Qual a superstição mencionada por uma visita em relação ao pinheiro?

        a) Quando ultrapassa o telhado, traz boa sorte.

        b) Quando ultrapassa o telhado, o dono da casa morre.

        c) Quando ultrapassa o telhado, é sinal de prosperidade.

        d) Quando ultrapassa o telhado, é preciso cortá-lo.

09. O que o autor decidiu fazer quando o pinheiro ultrapassou o telhado?

        a) Cortar o pinheiro.

        b) Ignorar a superstição.

        c) Consultar um adivinho.

        d) Fazer uma cerimônia de proteção.

10. Qual é a sensação que o autor tem ao olhar para o pinheiro nos dias especiais?

        a) Tristeza pela perda dos amigos.

        b) Calor no peito pela lembrança e continuidade.

        c) Arrependimento por não ter cortado o pinheiro.

        d) Alegria apenas pela decoração.

 

 

 

 

 

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