terça-feira, 16 de janeiro de 2024

CRÔNICA: PASSEM TODOS PARA O "BOLO"! VIRIATO CORRÊA - COM GABARITO

 Crônica: Passem todos para o “bolo”!

              Viriato Corrêa            

        Em meados de fevereiro a frequência à escola começou a diminuir. E quando março entrou, com as suas imensas cargas d’água, não passavam de doze ou quinze os meninos que compareciam às aulas.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjMH_s8RwVQLYQ8tZkZOIOCgECQLcJ-WSZlpNEP2Isc5Kn9OQnMcHU7yr1CqLeg_A_M3eDQX4vng2OLyh0u_TPZc726KhAxC7xnMD6ua05uJkplwQbB-21Xk508Aaw_wW0UElFO8avdOg4zoURYqu2K37eb6-dPiOGM-LQZdtKfZsFGOpPfxvqaGVWvD0Q/s320/CHUVA.jpg


        O velho João Ricardo cada vez ficava mais mal-humorado. E, ao lançar os olhos para os bancos vazios, resmungava ameaçadoramente:

        — Que luxo é esse? Porque chove mais um pouquinho ninguém sai de casa! Eu acabo tomando medidas rigorosas.

        Depois, com dois ou três pigarros de asmático, se sentava, repetindo:

        — Escola é escola! Não é pilhéria, não é brincadeira!

        Não era por brincadeira que os alunos não iam às aulas, mas pelos obstáculos das enchentes naquela aguda quadra das chuvas.

        No Norte, a estação das águas, que o povo chama de inverno, apresenta aspectos que vão da alegria ao desespero.

        É em dezembro que começa a chover.

        Antes disso o que existe é o inferno do calor que arruína os homens e as coisas.

        Os campos estão secos; os morros, tristes; não há viço no arvoredo e as fontes têm um ar de pobreza e de velhice.

        Parece que a natureza está cansada de viver. A alegria desaparece de toda a parte. Há lugares em que não se encontra, sequer, uma folha verde.

        As primeiras chuvas caem quando novembro vai terminando. E imediatamente se produz o milagre da ressurreição. Em três semanas tudo fica verde e fica novo.

        É a primavera matuta.

        A terra, como que atingida pela varinha de condão de alguma fada, floresce maravilhosamente. Ê flor em tapete nos campos; flor em ramalhete nas árvores; flor em grinaldas nos cipós. Tem-se a impressão surpreendente de que as plantas que vão nascendo já nascem floridas.

        Mas as chuvas continuam a desabar.

        Em janeiro, não se vê a cara do sol. Em meados de fevereiro, os riachos e os rios começam a transbordar arruinadoramente.

        Todo aquele esplendor de natureza, que dava a ideia de milagre, desaparece em poucos dias.

        Em março os campos estão alagados. Basta que chova três dias seguidos para que ninguém possa atravessar os caminhos. É a inundação inquietadora que vem ameaçando com o seu cortejo de desgraças.

        Naquele ano, março entrou mais rigoroso que nos anteriores. Chovia semanas inteiras, de manhã à noite.

        Os caminhos estavam debaixo d’água.

        A escola, dia a dia, tornava-se deserta.

        A maioria dos alunos era dos arredores, alguns de dois, três, até quatro quilômetros distantes. Se saíssem de casa, com os caminhos inundados, corriam até perigo de vida.

        Só nós, ali da povoação, podíamos comparecer às aulas e, assim mesmo, molhadinhos e com as chinelas ou os sapatos encharcados.

        O professor tornava-se cada vez mais áspero, mais azedo, mais ameaçador. E dizia repentinamente, no meio da sala quase deserta:

        — Eu não me canso de prevenir. Escola é coisa séria. Eu acabo tomando medidas rigorosas.

        Um dia, a chuva começou a cair de madrugada. Chuva brutal, dessas que paralisam o trabalho e impedem a gente de sair de casa.

        Quase ninguém pôde ir à escola. Éramos seis meninos apenas.

        O Adão, que chegou por último, entrou assustado, descalço, as chinelas metidas nos dedos. O Doca troçou:

        — Xi! O Adão está com uma cara! O outro sentou-se.

        — A minha cara, a minha cara! Cara traz o professor, que não tarda aí. Passei por ele.

        Minutos depois, o velho João Ricardo entrava debaixo de um grande guarda-chuva. Não se sentou como de costume. Em pé, junto à grande mesa, lançou os olhos pela sala, contando:

        — Um, dois, três, quatro, cinco, seis. Só seis? Então porque chove, ninguém vem à escola?

        E empunhando a palmatória:

        — Passem todos para o "bolo"!

Viriato Corrêa. Cazuza. 27. ed. São Paulo: Nacional, 1997. p. 16-7.

Entendendo a crônica:

01 – Por que a frequência à escola começou a diminuir em meados de fevereiro?

      A frequência à escola diminuiu devido aos obstáculos das enchentes durante a quadra das chuvas.

02 – Como o velho João Ricardo reagia diante da baixa presença dos alunos?

      O velho João Ricardo ficava mal-humorado e resmungava ameaçadoramente. Ele ameaçava tomar medidas rigorosas e enfatizava a seriedade da escola.

03 – O que caracteriza a estação das águas, também conhecida como inverno, no Norte?

      A estação das águas, que o povo chama de inverno, no Norte apresenta aspectos que vão da alegria ao desespero, começando em dezembro com chuvas intensas.

04 – Como a natureza reage ao início das chuvas em novembro na região descrita na crônica?

      A natureza reage com um milagre da ressurreição, transformando-se em poucas semanas, com campos verdes, árvores florescendo e um novo vigor.

05 – Como é descrito o período de janeiro na região afetada pelas chuvas?

      Em janeiro, não se vê a cara do sol, indicando um período chuvoso persistente.

06 – Quais eram os desafios enfrentados pelos alunos que moravam nos arredores durante as chuvas em março?

      Os caminhos estavam alagados, tornando perigoso para os alunos que moravam a alguns quilômetros de distância comparecerem às aulas.

07 – O que aconteceu quando a chuva foi particularmente intensa, deixando apenas seis alunos na escola?

      Diante da baixa presença, o velho João Ricardo, empunhando a palmatória, ordenou: "Passem todos para o 'bolo'!", indicando uma ação disciplinar a ser tomada.

 

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