terça-feira, 16 de janeiro de 2024

CRÔNICA: NA ROÇA DO LOURENÇO - (FRAGMENTO)- VIRIATO CORRÊA - COM GABARITO

 Crônica: Na roça do Lourenço – Fragmento

              Viriato Corrêa

        De quando em quando, inventávamos uns brinquedos e, como das nossas cabeças não saíam as histórias contadas por Vovó Candinha, nos brinquedos que inventávamos quase sempre figuravam reis, príncipes, princesas e pajens.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiA6ctM4vVmKmlfIWEUS2ysxDW38rkj_Tzm0rZ713XGWy1zNmvyNSYh8Fk3qvapx0hrubZTGnH5oVeKjiGZmcLyDm4zFxZBk6uz93yl7ND-vb5oIXdNWSTfEfunN8r1q2k50j06uAGIEcNqKG1HFD0IiHDnRBtHESPMx9I2TYzUysWGBfJ3gWBwMkpO41k/s320/REI.jpg


        Naquela noite, ao luar, eu fazia de rei. O Mundico batia à porta do meu palácio:

        — Ó de casa!

        — Ó de fora! respondia eu. Quem está aí?

        — Um príncipe.

        — Entre.

        Depois batia o Quincas. Eu perguntava.

        — Quem é?

        — Um lavrador que pede licença para falar a Vossa Majestade.

        — Espere aí embaixo.

        — Majestade, eu tenho pressa, insistia ele.

        — Espere, se quiser. Não vou deixar de atender a um príncipe para atender a um trabalhador de enxada.

        No momento em que eu pronunciava estas palavras, meu pai passava perto. Vi-o parar. Senti que me queria dizer alguma coisa, mas imediatamente se arrependeu, seguindo o seu caminho.

        No dia seguinte, às duas da tarde, papai me convidou.

        — Vamos à roça do Lourenço?

        Pulei de contente. Passeios daqueles enchiam-me sempre de alegria.

        Papai montou a cavalo, sentou-me na lua da sela e partimos.

        Era no tempo da colheita.

        No tempo da colheita, as roças dão à gente uma deliciosa impressão de fartura e de esplendor. A terra como que se transforma toda em frutos, frutos aos pares, às dezenas, aos milheiros, nos caules, nos galhos e nas ramas.

        A roça do Lourenço era imensa.

        No milharal cerrado tremulava ao vento a cabeleira loura das espigas. Abóboras e melancias fechavam os caminhos com as longas ramagens e os grandes frutos. O mandiocal agitava ao sopro da brisa as folhas espalmadas. O feijão subia enrascado nas hastes do milho. [...].

        Havia de tudo: aipim, algodão, cana, fumo, maxixeiros, gergelim, quiabeiros, batata-doce, cará. E tudo abundantemente, excessivamente, como se a terra estivesse mostrando que tinha muito e muito queria dar.

        Logo que transpusemos a roça, o Lourenço correu ao nosso encontro, levando-nos para a sombra de um cajazeiro.

        [...].

        Apoiado à enxada com que limpava o mato, o lavrador pôs-se a contar a meu pai as suas esperanças de boa colheita.

        Estava nu da cintura para cima e, com o busto todo molhado pelo suor, dava a impressão de que se derretia ao fogo daquele sol.

        Mosquitos zumbiam em nuvens. Eu me senti atordoado.

        Ele percebeu a minha inquietação e disse prestimosamente:

        — Isso é calor. Para refrescar não há como melancia. Vou abrir-lhe uma.

        Gritou pelo nome dos dois filhos para que trouxessem a fruta e, como ninguém respondesse, sumiu-se por entre a folhagem do milharal.

        — Não sei como esse homem trabalha com tanto sol, tanto calor e tanto mosquito! exclamei.

        Meu pai cravou-me os olhos amigos.

        — No entanto tu não prezas o trabalho desse homem.

        — Eu? bradei surpreendido.

        — Sim. Ontem à noite, quando brincavas de rei, disseste que não ias deixar de atender a um príncipe para atender a um trabalhador de enxada. Um trabalhador de enxada, meu filho, é maior do que um príncipe, quando o príncipe vive na ociosidade. O homem só vale quando trabalha e o trabalho, seja ele qual for — o de enxada ou qualquer outro — é digno e nobre desde que seja honesto.

        E depois de uma ligeira pausa:

        — Os lavradores como o Lourenço são humildes, mas nem por isso deixam de ser úteis. Não há nada mais insignificante do que um pingo d’água. Mas, um pingo d’água, mais outro pingo, mais outro, milhões, milhões e bilhões de pingos formam a chuva que molha a terra, que enche os rios, que rebenta as sementes e que produz as colheitas. Cada trabalhador de enxada que vês nas roças, cavando a terra, ao sol, ao calor, entre nuvens de mosquitos, é o pingo d’água da grandeza do nosso país. O bocadinho que um colhe aqui, o bocadinho que outro colhe acolá, outro bocadinho além e muitos e muitos bocadinhos formam a vida do Brasil, a abundância do Brasil, a riqueza do Brasil.

        O Lourenço chegava.

        Foi com um sorriso de agradecimento respeitoso que eu lhe recebi as talhadas frescas de melancia.

Viriato Corrêa. Cazuza. 27. ed. São Paulo: Nacional, 1997. p. 16-7.

Entendendo a crônica:

01 – Quem são os personagens principais na brincadeira de faz de conta descrita no início da crônica?

      Os personagens principais são o narrador (quem conta a história) e seus amigos Mundico e Quincas.

02 – Qual é o motivo do passeio à roça do Lourenço no dia seguinte?

      O passeio à roça do Lourenço acontece no dia seguinte porque o pai do narrador o convida para visitar a plantação durante a colheita.

03 – Descreva a cena da roça do Lourenço durante a colheita.

      Durante a colheita, a roça do Lourenço se transforma em um cenário exuberante, com milharais, abóboras, melancias, mandiocal, feijão e uma variedade de cultivos dando a sensação de fartura e esplendor.

04 – Como o lavrador Lourenço recebe o pai e o narrador na roça?

      Lourenço corre ao encontro deles e os leva para a sombra de um cajazeiro, mostrando-se amigável e hospitaleiro.

05 – Como o narrador reage ao calor e aos mosquitos na roça do Lourenço?

      O narrador se sente atordoado devido ao calor e aos mosquitos, expressando seu desconforto. No entanto, Lourenço oferece uma solução ao sugerir melancia para refrescar.

06 – O que o pai do narrador ensina a ele durante o passeio na roça?

      O pai do narrador ensina a importância do trabalho, destacando que o trabalho honesto, seja ele de enxada ou qualquer outro, é digno e nobre. Ele compara os trabalhadores de enxada a pequenos pingos d'água que, juntos, contribuem para a grandeza e riqueza do país.

07 – Como termina a interação entre o narrador e Lourenço na roça?

      A interação termina com o narrador recebendo as talhadas frescas de melancia de Lourenço com um sorriso de agradecimento respeitoso, indicando uma mudança em sua percepção sobre o valor do trabalho do lavrador.

 

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